Dando prosseguimento a nosso projeto de traduzir na integra a obra "Un Mystique Lyonnais et les Secrets de la Franc-Maçonnerie - 1730 - 1824" da arquivista francesa Alice Joly, chegamos ao capitulo XI da mesma. Mas, antes de começarmos, permitam os leitores que façamos uma breve nota:
A prática de Willermoz e seus companheiros maçons de Lyon em buscar revelações através de métodos supersticiosos como constataremos no correr do texto merece uma crítica severa, fundamentada em argumentos psicológicos, científicos, bíblico-teológicos e nas tradições do magistério cristão.
Primeiramente, do ponto de vista psicológico, as visões e mensagens de Rochette (isso sem mencionar de imediato o "agente desconhecido") exploram a sugestionabilidade dos envolvidos. A sugestionabilidade é a tendência humana de aceitar e agir conforme sugestões externas, e Rochette utilizava mensagens genéricas, aproveitando o Efeito Barnum, onde declarações vagas são percebidas como altamente pessoais e precisas. Essa combinação permitia que Rochette influenciasse profundamente as crenças de Willermoz e Castellas, manipulando suas percepções e expectativas. Além disso, a narrativa apresentada apela à necessidade humana de encontrar significado, especialmente em relação à vida após a morte. Willermoz e Castellas, com suas fortes crenças na existência de um mundo extraterreno, foram facilmente persuadidos pelas dramatizações de Rochette, que oferecia um meio aparentemente tangível de conexão com o além e uma forma de buscar a salvação de seus entes queridos.
Cientificamente, não há evidências que suportem a comunicação com almas de falecidos através de visões ou qualquer outro meio sobrenatural descrito. A ciência moderna depende de evidências empíricas e verificáveis, e tais experiências não têm sido replicadas ou comprovadas de maneira rigorosa. A ausência de provas concretas desqualifica essas práticas como formas válidas de busca por verdade ou revelação. Visões e alucinações podem ser explicadas por processos neurobiológicos. Condições como narcolepsia, esquizofrenia, ou mesmo privação de sono podem induzir alucinações vívidas. Além disso, estados alterados de consciência, induzidos por meditação profunda, hipnose ou substâncias psicoativas, resultam em experiências frequentemente interpretadas como sobrenaturais, mas que têm explicações naturais bem documentadas.
O fenômeno da pareidolia também pode explicar as visões relatadas. A tendência humana de ver padrões familiares em estímulos vagos ou aleatórios busca constantemente familiaridade e significado no ambiente, o que pode levar a interpretações errôneas de experiências sensoriais comuns. As práticas de Willermoz e seus companheiros se baseavam fortemente em elementos sobrenaturais e fantásticos que não podem ser verificados ou testados empiricamente, característica típica da superstição. A dependência em rituais arbitrários e símbolos como fantasmas tateando bolsos ou carregando mensagens escritas demonstra uma abordagem supersticiosa, onde ações simbólicas são acreditadas ter poder ou significado além do racional. As crenças supersticiosas são frequentemente formuladas de maneira infalsificável, ou seja, não podem ser provadas erradas. Isso contrasta com o método científico, onde hipóteses devem ser testáveis e passíveis de refutação. A aceitação cega de tais visões e mensagens impede qualquer progresso real no entendimento da verdade.
Do ponto de vista bíblico e teológico, a Bíblia é clara na sua condenação de práticas ocultas e de comunicação com os mortos. Em Deuteronômio 18:10-12, é dito: "Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador de encantamentos, nem quem consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz estas coisas é abominável ao Senhor." Isso demonstra que tais práticas são vistas como abomináveis e proibidas. A teologia cristã sustenta a suficiência da Escritura (2 Timóteo 3:16-17), que afirma que toda a Escritura é inspirada por Deus e é suficiente para ensinar, repreender, corrigir e instruir em justiça. Buscar revelações fora da Bíblia, especialmente através de métodos supersticiosos, é desnecessário e perigoso, desviando os crentes da verdade revelada por Deus. Em 2 Coríntios 11:14, Paulo alerta que "o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz". Isso indica que experiências sobrenaturais podem ser enganosas, não provenientes de Deus, mas de forças malignas. A fé em visões e revelações não testadas pode levar os crentes ao erro espiritual.
O magistério cristão também condena tais práticas. O Catecismo da Igreja Católica ensina que todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas (CIC 2116): "Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recorrer a Satanás ou aos demônios, conjurar os mortos ou outras práticas supostamente reveladoras do futuro (cf. Dt 18,10; Jr 29,8). Consultar horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenômenos de vidência, o recurso a médiuns ocultam uma vontade de poder sobre o tempo, sobre a história e, finalmente, sobre os homens, assim como um desejo de ganhar para si mesmos as potências ocultas. Contradizem a honra e o respeito, unidos ao temor amoroso, que devemos a Deus, somente a Ele."
Em resumo, a prática dos maçons de Lyon em utilizar visões supersticiosas para buscar revelações compromete a integridade de suas buscas espirituais e intelectuais. Ignorando explicações psicológicas, científicas, bíblico-teológicas e do magistério cristão bem estabelecidas, eles se entregaram a ilusões dramatizadas e interpretações subjetivas, perpetuando a superstição e afastando-se de uma busca racional e empírica pela verdade.
Dito isso, sigamos em frente:
Mesmer e a descoberta do magnetismo animal. — A moda do magnetismo em Lyon. — Willermoz e a Sociedade da Concórdia. — Descobertas de Monspey e Barberin. — Experiências na Escola Veterinária. — O Marquês de Puységur e a descoberta do sonambulismo. — Os sonâmbulos da Concórdia. — Iniciação ao sonambulismo místico. — Manifestação do Agente Desconhecido. — A Sociedade dos Iniciados. — Arrependimento de Claude de Saint-Martin. — Doutrina do Agente. — A palavra "Tubalcaín". — Festa de aniversário da Nova Aliança.
Foi somente nos últimos meses de 1783, e mais provavelmente no início do ano de 1784, que se começou a prestar atenção em Lyon ao fluido de Mesmer. No entanto, desde 1781, o médico vienense já havia enviado às Academias provinciais e, em particular, à Academia de Lyon, vários exemplares do livro sobre sua descoberta; ele havia solicitado a honra de ser nomeado membro associado, mas enfrentou uma recusa em 27 de novembro [1].
Em que consistia essa descoberta? Mesmer afirmava ter descoberto um fluido muito sutil, que unia os astros e os planetas aos organismos vivos e que lhes transmitia uma espécie de influxo vital, do qual dependia a boa ou má saúde; a doença interrompia esse fluxo e era necessário restabelecê-lo para provocar a cura. Ele comparava a ação do fluido à força magnética, que pode se acumular, se transmitir ou se perder, e lhe deu o nome de magnetismo animal. Mesmer afirmava ser capaz de captar esse fluido, direcioná-lo à sua vontade e tratar, com ele, todo tipo de doença. Seus tratamentos conseguiram provocar, no mínimo, efeitos surpreendentes. Sob o suposto influxo do magnetismo animal, os pacientes tratados eram acometidos por crises nervosas, convulsões ou sonos estranhos, após os quais deveriam recuperar a harmonia de suas faculdades e a cura de seus males. Com um sentido aguçado de publicidade, o astucioso austríaco soube tirar excelente proveito de sua engenhosidade e de seus talentos de curador. Sua carreira é curiosa e começa a ser estudada e conhecida; mas não é sobre ele que recai nossa curiosidade.
Se pensarmos que ele atuava em Paris desde o início de 1778, o atraso de Lyon em praticar seus métodos nos surpreende um pouco. Mas, antes de culpar a importância das distâncias no século XVIII, a lentidão da informação e a sonolência da vida provinciana, é preciso notar que Mesmer não foi muito conhecido pelo grande público antes de 1780, quando começaram seus conflitos com a Academia de Ciências, a Sociedade Real de Medicina e a Faculdade de Paris. Sua associação com o doutor Deslon, médico do conde de Artois, os folhetos irônicos de um de seus partidários, o advogado Nicolas Bergasse, natural de Lyon, os panfletos dos adversários que atacavam suas teorias em nome da ciência e do bom senso, as gravuras e estampas mais ou menos satíricas que popularizavam o lado pitoresco do novo tratamento, tudo isso colocou Mesmer na moda, embora ele tivesse principalmente procurado estabelecer sua reputação entre os cientistas e médicos.
É certo também que o austríaco fez o possível para manter seus métodos secretos, a fim de lucrar ao máximo. Foi só depois de sua desavença com Deslon que ele decidiu formar alunos e vender, pelo maior preço possível, uma metodologia terapêutica que não podia mais manter exclusiva. A loja da Harmonia foi fundada em 1783, por iniciativa de Bergasse, para ser a escola oficial onde Mesmer exporia suas descobertas e formaria magnetizadores. Era uma sociedade por assinatura; devia ter cem membros, cada um contribuindo com cem louis. Assumia a forma de uma loja apenas para se conformar à moda e porque recomendava aos seus membros que não revelassem ao público a natureza do ensino recebido. Assim, a prática médica de Mesmer se tornou um segredo de uma nova Maçonaria.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: "louis" se refere ao "louis d'or", uma moeda de ouro usada durante esse período. O louis d'or foi introduzido no século XVII e continuou a ser utilizado até a Revolução Francesa. Ele era uma moeda de alto valor, geralmente representando uma quantia significativa de dinheiro. "Cem louis d'or", indica uma soma considerável de dinheiro na época.]
Tendo reunido a quantia acordada, o Dr. Mesmer começou seus cursos, com a ajuda de alguns discípulos. Em fevereiro de 1784, Saint-Martin, que aderiu ao grupo, achou a escola "ainda informe"; mas esperava que ela se organizasse em breve. O sucesso, de qualquer forma, foi muito grande. A Harmonia de Paris espalhou, por todo o reino, filiais mais ou menos regularmente autorizadas, onde atuavam magnetizadores mais ou menos diplomados por Mesmer. Os "crisiacos" vinham em massa dar aos curiosos o espetáculo de suas crises ou de seus sonos, ao redor dos bacias maravilhosas onde se concentrava o fluido. Só se falava dos tratamentos e das curas obtidas pelo método de Mesmer.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Os "crisiacos" eram pessoas que, durante as sessões de magnetismo animal de Mesmer, entravam em crises ou estados de convulsão. Esses episódios eram vistos como parte do processo de cura promovido pelo magnetismo. Mesmer fazia as pessoas acreditarem que essas crises eram uma manifestação da "crise magnética", um estado necessário para o restabelecimento do equilíbrio do fluido vital no corpo dos pacientes.
Durante as sessões, os pacientes se reuniam ao redor de um "baquet" (um grande recipiente cheio de água magnetizada e outras substâncias) e seguravam hastes de metal conectadas a ele. Mesmer ou seus assistentes passavam as mãos ou utilizavam varas de ferro para direcionar o "fluido magnético" para os pacientes. As crises, que incluíam convulsões, gritos, riso ou choro incontrolável, eram interpretadas como sinais de que o tratamento estava funcionando, liberando bloqueios e restaurando a saúde.
Essas demonstrações públicas das crises dos "crisiacos" atraíam a curiosidade e o ceticismo da sociedade, contribuindo tanto para a fama quanto para a controvérsia em torno das práticas de Mesmer.]
Não é de se estranhar, portanto, que Lyon não tivesse, no início de 1784, um praticante magnetizador. Mas, em maio, isso já estava resolvido. Temos fragmentos de um interessante diário escrito naquela época por um bem-informado de Lyon, que relata as emoções do público, especialistas, pessoas da alta sociedade ou classes populares, divididos entre as experiências dos balões de Montgolfier e as sessões magnéticas então em toda a sua novidade [3]: "9 de abril, Sr. de Bonnefoy fez grandes progressos no magnetismo. Todos estão fascinados por ele e aguardam seu retorno com impaciência. Médicos, cirurgiões, farmacêuticos lhe reservam muitos pacientes e, confiando em sua integridade para saber se há charlatanismo, esperam por ele como pelo Messias. A chegada e os tratamentos do senhor Lerne, aluno em Lyon, dos quais começam a falar, longe de prejudicar o Sr. Bonnefoy, apenas o tornam mais conhecido.”
Os panfletos, as gravuras, a favor ou contra o magnetismo animal, estavam bastante difundidos na época, de modo que era fácil ter uma noção da doutrina do médico vienense e uma ideia clara da cenografia a ser utilizada e dos gestos a fazer para captar o famoso fluido. Era tentador tentar sem ter que pagar uma iniciação cara. Os entusiastas da experimentação eram numerosos e muitos obtiveram sucesso, apesar de seus instrumentos rudimentares e de suas gesticulações fantasiosas. Os gestos com o dedo, os toques, os olhares prolongados de um amador provocavam crises bastante semelhantes às provocadas por Mesmer, com seu método complicado nos polos do corpo humano e na orientação dos gestos, e todo o seu aparato pseudo-científico: a banheira, alças de metal, cordas condutoras, hastes de ferro, sem esquecer o acompanhamento do harmônio. Alguns — e Mesmer em primeiro lugar — variavam o método e ainda assim obtinham sucesso muito satisfatório. A prática do magnetismo podia até servir como um pequeno jogo social; não se privavam de jogar.
O autor anônimo do Jornal, que acabamos de citar, é um reflexo fiel da atualidade de Lyon quando observa que em abril de 1784, 'todo mundo em Lyon se mete com o magnetismo'. Com a penetração de um espírito claro e bem informado, ele distingue o lado científico da descoberta, considerada como uma terapêutica desconhecida, e as pesquisas mais livres das pessoas do mundo curiosas por novidades. Enquanto os médicos de Lyon, assim como os de Paris, se dividiam em campos inimigos e se entregavam a discussões virulentas sobre o magnetismo animal, tanto nas teorias quanto na prática, e enquanto as sessões da Academia de Medicina ecoavam com o barulho das controvérsias, os entusiastas continuavam suas sessões secretas sem alarde, satisfeitos em observar fenômenos estranhos e zombando das consagrações da ciência oficial.
Jean-Baptiste Willermoz não escapou do entusiasmo geral. Em 1784, o encontramos fazendo parte de uma sociedade local de magnetizadores, a Concorde. Foi fundada uma sociedade livre, ou seja, não dependente de Mesmer, sob a direção do cirurgião Dutrech, para aplicar aos doentes os benefícios do fluido magnético. Não conhecemos nem a data nem as circunstâncias de sua formação; também não sabemos quando e como Willermoz se viu envolvido em deixar, por um tempo, suas preocupações doutrinárias para se aventurar na arte de curar com passes magnéticos. É provável que tenha sido influenciado por alguns de seus colegas, Coens ou Cavaleiros Benfeitores, que já haviam aderido à nova moda, como o cavaleiro de Rachais ou o Sr. de Bory, que, já em abril de 1784, tinham uma boa reputação como magnetizadores. No entanto, a Concorde era totalmente distinta, em princípio das lojas que Willermoz dirigia. Seus magnetizadores de sucesso, Dutrech e Barberin, não aparecem nas listas dos Maçons Retificados em 1784 e 1785, mas é certo que um grande número de Cavaleiros Benfeitores veio à Concorde exercer seus talentos e que seu proselitismo invasivo foi totalmente bem-sucedido. Jean-Baptiste Willermoz, ao se iniciar no magnetismo, iniciou os magnetizadores em suas doutrinas e os ligou à sua própria sociedade, de modo que a Concorde logo se tornou uma filial magnética da Benevolência.
Além do diretor Dutrech, cirurgião do Hôtel-Dieu, do depósito de mendigos e da Escola Veterinária, podia-se encontrar lá Pierre-Alexandre de Monspey, comandante de Malta, Sabot de Pizay, o cavaleiro Barberin, oficial de artilharia, os cavaleiros de Saint-Louis de Rachais, de Bory e Grainville, o advogado do rei Jean-Jacques Millanois, Paganucci, Jean-Antoine de Castellas, deão do capítulo de Saint-Jean. Nesse meio de oficiais, burgueses e eclesiásticos, a maioria dos quais eram membros de suas lojas, Jean-Baptiste Willermoz estava em território familiar, cercado de discípulos e amigos. Entre eles, o nome do Dr. Pierre Willermoz não é encontrado; sua abstenção prova suficientemente que ele nunca compartilhou o entusiasmo de seu irmão mais velho sobre essas questões.
Ao refletir sobre esse entusiasmo, não se pode deixar de achar surpreendente que houvesse tantos discípulos de Pasqually nas sociedades de magnetizadores. Afinal, eles não haviam aprendido a desprezar a matéria, a considerar toda ciência física como imperfeita, impura e indigna de ocupar os 'homens de desejo'? Onde estava o tempo em que o cavaleiro de Grainville se desculpava por colecionar conchas? Eles não tinham escrúpulos em se dedicar à medicina e à experimentação? O Dr. Mesmer sempre se esforçou para fazer sua descoberta passar por uma descoberta científicamente comprovada. Essa era até a razão que o levava a solicitar os patrocínios oficiais, os votos das Academias. Por mais fluído e sutil que fosse, o magnetismo animal era um agente material, que se refletia em espelhos, se fortalecia com sons musicais, se acumulava, se diminuía, se transmitia por meio de condutores apropriados. As Grandes Profissões de Lyon tinham se deixado levar pela galera mesmeriana?
Eles foram impulsionados por uma curiosidade intensa, que possui os amantes do mistério e os faz cultivar indiscriminadamente todo tipo de doutrinas, mesmo contraditórias, e frequentar todo tipo de pessoas, mesmo duvidosas, desde que possam esperar poderes extraordinários e espetáculos inéditos. Também é preciso admitir que o magnetismo não se mostrava, para quem o praticava, tão científico quanto seu inventor queria fazer crer. Na produção das crises, havia fenômenos variáveis e desconcertantes, que pareciam ser de outro domínio que não o da física.
Os anti-mesmerianos viam os efeitos do magnetismo animal como fruto da imaginação, ou, como diríamos hoje, da autossugestão; cada um podia formar sua opinião sobre isso. Jean-Baptiste Willermoz e seus colegas da Concorde também não deixaram de fazê-lo. Eles não encontraram imediatamente uma explicação satisfatória para os fenômenos que estudavam, mas logo mostraram inventividade e obtiveram resultados curiosos com métodos próprios. Em junho de 1784, seu sucesso despertava a curiosidade do público e, de forma ainda mais lisonjeira, dos membros da Academia de Lyon. O cavaleiro de Bory, que era secretário da assembleia, prometeu interceder para que os Acadêmicos pudessem assistir às curas do cavaleiro de Barberin. Mas este evitou o pedido, pois desejava preservar seus pacientes de toda curiosidade.
Ele teve bastante sucesso nisso, pois não sabemos como ele provocava as crises curativas; sabemos, no entanto, que, ao contrário de Mesmer, ele operava sem tocar nos pacientes, e mesmo à distância. “Sozinho, recentemente, ao que dizem,” escreve o anônimo de Lyon, “ele magnetizou alguém que morava na rua Sainte-Hélène, no hotel de Riverie, da janela do hotel de Janzé, rua Saint-Dominique”. Sabemos que ele e Dutrech realizavam curas notáveis. Gilibert relata, em 1784, que uma jovem que sofria de tosse convulsiva e espasmos intestinais, “que fazia um som comparável ao murmúrio de pombos e, às vezes, ao de sapos,” acompanhado de enxaquecas e dores, foi curada em quinze sessões por Dutrech e Barberin. Em diversos testemunhos, Jean-Baptiste Willermoz nunca é mencionado como um magnetizador notável, enquanto Jean Millanois, o deão Castellas e especialmente o comandante de Monspey são apontados como excepcionalmente dotados.
As pesquisas mais estranhas despertavam grande paixão. Monspey e Barberin notaram que, quando operavam, experimentavam uma espécie de desdobramento que os tornava capazes de sentir os distúrbios que tratavam. Eles acreditavam que o magnetismo animal possuía "uma virtude indicativa das doenças internas", que era sensível ao magnetizador. A descoberta permitia não apenas curar os doentes, mas também diagnosticar seus males.
Sobre todos esses fatos, temos apenas informações muito vagas. Barberin, no entanto, fez confidências a um de seus admiradores, um alemão que, tratado e curado por ele em 1785, as preservou como prefácio a uma espécie de diário das sessões magnéticas, que seu curador compôs mais tarde. O documento é curioso; evoca a atmosfera de reflexão e experimentação na qual viviam esses homens, que estavam muito longe de se contentar com as explicações puramente físicas de Mesmer, que comparava seu fluido à eletricidade. "O cavaleiro de Barberin recebeu do comandante de Monspey..."
Essas ideias ainda estavam muito incompletas quando ele saiu de Lyon em junho de 1784. Ele já percebia que os sucessos das experiências com a bola, que o comandante achava que funcionavam por causa da composição da bola, na verdade tinham causas mais complexas. Em Paris, ele fez essas experiências com sucesso na frente de vários amigos, incluindo Saint-Martin. Mas logo ele deixou essas experiências de lado e abandonou seu método antigo, no qual ele descobria onde estavam as doenças sentindo impressões no próprio corpo. Ele tentou descobrir isso através das impressões que sentia nas mãos, um método igualmente eficaz e menos doloroso.
Isso já ia além de Mesmer. No sistema do austríaco, de fato, era apenas o doente que o fluido indicava, às vezes, por meio de uma dor localizada, a causa de seu mal. Barberin e Monspey, sob a ação misteriosa do fluido, conseguiam ler, por uma espécie de visão interna, os problemas do organismo que queriam tratar.
Como a doutrina era que todos os corpos animados participam do fluido magnético, os membros da Concorde naturalmente tiveram a ideia de testar os efeitos de seu método em animais. A intenção era interessante e feita para convencer os incrédulos; a brochura que publicou o resultado das primeiras experiências reconhecia que "as experiências feitas em homens, por mais satisfatórias que sejam, não são suficientes para convencer a todos. Poder-se-ia dizer que os doentes indicaram o local do mal e, além disso, como verificar, de forma certa, que não houve erro?".
Um professor de Alfort, Flandrin, já havia magnetizado cavalos. A ambição da Concorde era bem diferente: eles não queriam apenas uma metodologia terapêutica, mas sim um método de diagnóstico. A vantagem de praticar em animais era que se podia, por meio da autópsia, verificar os resultados obtidos. Uma colaboração com o Dr. Bredin, que na época dirigia a Escola Veterinária de Lyon, tornou o teste possível; é provável que ele tivesse muitos amigos no grupo dos magnetizadores. De fato, o Dr. Willermoz e o Dr. Dutrech eram médicos de sua escola.
Três experiências ocorreram durante o verão de 1784, nos prédios da Escola Veterinária que ficavam no bairro da Guillotière. O exame magnético do animal acontecia na presença de professores e alunos. Após o diagnóstico, os veterinários faziam a autópsia e registravam um relatório. A primeira experiência ocorreu no início de julho; foi feita em uma mula, que Dutrech e Millanois examinaram usando os métodos de Monspey e Barberin. Os magnetizadores pediram uma sessão preparatória, a portas fechadas, onde fizeram testes misteriosos antes de operarem em público.
A prova foi considerada satisfatória. No dia 22 de julho, confiantes com esse primeiro sucesso, Dutrech e Millanois se juntaram a Jean-Baptiste Willermoz e Paganucci como auxiliares. Além do pessoal da escola, assistiram à prova: o cavaleiro de Savaron, tenente-coronel de artilharia, M. de Massenet, amigo e companheiro do príncipe Galitzine, e o Padre Lefebvre de l'Oratoire, que era professor de física no Colégio da Trindade. Desta vez, foi um cavalo que foi sacrificado para a glória do magnetismo. O exame foi difícil e longo; os magnetizadores se concentraram apenas no baço, fígado e pulmões, deixando de lado outras partes do animal por falta de tempo.
No dia 9 de agosto ocorreu a terceira experiência. Foi oferecida como distração ao príncipe Henrique da Prússia, irmão do grande Frederico, que viajava na França sob o nome de conde de Oels e estava hospedado em Lyon, onde Prost de Royer se esforçava para lhe proporcionar espetáculos inéditos e interessantes. Millanois e Dutrech operaram em um cavalo, diante de uma assistência brilhante. O sucesso foi completo, segundo a opinião pública. No entanto, os magnetizadores se mostraram incomodados pelo pouco tempo disponível para fazerem seu exame e pela curiosidade dos espectadores. Declararam que, nessas condições, não puderam usar "os métodos particulares" que desejavam manter em segredo; contudo, novamente, a autópsia confirmou quase totalmente o diagnóstico deles.
A Concorde estava muito orgulhosa desses resultados maravilhosos; por isso, imprimiu duas pequenas brochuras contendo os relatórios de suas experiências, para atrair a atenção dos cientistas sobre a importância de suas descobertas. Mas os adversários não se deixaram convencer por esses relatos, aparentemente tão científicos e inatacáveis. Devillers, de Villefranche, em seu livro "O Colosso com Pés de Barro", não mostrava mais respeito por Monspey e Barberin do que por Mesmer. Ele alegava que não havia necessidade de usar métodos secretos ou fluidos extraordinários para saber antecipadamente que um cavalo velho tem vermes e que seus pulmões e fígado estarão afetados; comparando os resultados do exame magnético e da autópsia, ele apontava possíveis erros que distorciam as conclusões tiradas.
Os mesmerianos, por outro lado, apreciaram o apoio vindo de Lyon. Eles precisavam disso. A comissão da Academia de Ciências, nomeada pelo rei em 12 de março e que incluía cientistas como Franklin, Bailly e Lavoisier, entregou seu relatório em 11 de agosto de 1784. Embora se referisse apenas às curas do Dr. Deslon, era desastroso para a causa de Mesmer, pois concluía pela inexistência do magnetismo animal, provando que todos os fatos que o demonstravam não passavam de efeitos da imaginação dos pacientes e de seus nervos exaltados pela encenação e pelos gestos dos magnetizadores. O relatório tinha uma parte secreta, que alertava até mesmo o rei sobre o perigo que tais práticas poderiam representar para os costumes e a moralidade pública. A Sociedade Real de Medicina, que, por emulação, assumiu a mesma tarefa, chegou às mesmas conclusões, tanto negativas quanto severas, poucos dias depois da Academia de Ciências. Assim, os partidários de Mesmer viram nos sucessos obtidos em Lyon pelos magnetizadores da Concorde, na medicina veterinária, um excelente argumento contra as alegações de seus inimigos. Mesmer abriu uma clínica veterinária em Charenton, onde começou a magnetizar cavalos, enquanto as lojas da Harmonia ofereciam à Concorde uma aliança lisonjeira. Willermoz anunciou, em 8 de novembro de 1784, a Charles de Hesse que a Concorde acabara de aceitar integrar-se na sociedade geral dos magnetizadores ortodoxos; ele via nisso, sobretudo, a vantagem de poder melhor proteger suas experiências dos olhares curiosos e dos comentários frívolos do público [4].
O sucesso médico dos métodos do comandante de Monspey e do cavaleiro de Barberin não foi recebido com grande entusiasmo por Claude de Saint-Martin. Membro da Harmonia de Paris e testemunha das curas realizadas pelos alunos mais brilhantes do praticante vienense, Saint-Martin podia dar a Willermoz uma opinião bem fundamentada [5]. Foi através do Dr. Giraud que ele soube dos sucessos da Concorde de Lyon. "Confesso," escrevia ele a Willermoz em 29 de setembro, "que temo as consequências, ou melhor, vejo que a coisa não pode permanecer no ponto em que parece estar, de acordo com o que me foi relatado. Ou ela crescerá ou decairá; o tempo dirá. Você não duvida que eu preferisse vê-la crescer, então ela seria completamente espiritual (sic) e não haveria mais imagem, algo que eu desejaria que pudéssemos evitar."
Para ele, o "objetivo principal" sempre foi a fé mística; por ela ele julgava todas as coisas, especialmente o magnetismo. As experiências médicas e as explicações físicas às quais a escola de Lyon se apegava lhe pareciam uma fase perigosa que ele desejava que fosse superada.
Naquela data, já havia pelo menos três meses que os alunos de Mesmer, os irmãos Puységur, haviam descoberto fenômenos novos que ultrapassavam em muito tudo o que estava sendo estudado em Lyon. O mais velho dos Puységur, o marquês, operava em sua propriedade em Busancy, perto de Soissons. Ele utilizava um olmo magnetizado para tratar em série um grande número de doentes, colocando-os em contato com a árvore carregada de fluido. Foi por acaso, em maio de 1784, que, ao falar com um paciente em crise e adormecido, o marquês de Puységur constatou que o sono causado pela crise não impedia o paciente de responder a perguntas. Experiências repetidas, ao contrário, demonstraram que esse estado parecia desenvolver uma clarividência anormal, uma espécie de desdobramento da personalidade se mostrava mais ou menos caracterizada e variava de acordo com os sujeitos; ao despertar, os adormecidos alegavam ter esquecido tudo o que havia ocorrido durante o sono e não sabiam nada sobre o que haviam feito ou dito.
Saint-Martin estava tentando informar-se de todos os fatos e seguia, como observador atento, os milagres que podia constatar nos sonâmbulos magnéticos de Buzancy. Ele provavelmente conhecia os folhetos e amostras dos magnetizadores, que ele e seus irmãos anotavam cuidadosamente as observações sobre a qualidade dos sonâmbulos. Desde junho, enquanto em Lyon se aplicava com sucesso a medicina veterinária os métodos do Cavaleiro de Barberin, Saint-Martin, como sabemos, aproveitou a chegada a Paris do oficial de artilharia para ajudá-lo a simplificar sua técnica e, sobretudo, para livrá-lo de explicações materiais que ele lhe dava, imitando assim seu amigo Montgéry. Certamente, o Filósofo Desconhecido, que ajudou Barberin a identificar a causa mais elevada, que poderia ser a origem do poder magnético e de seus estranhos efeitos. Foi ele também que se esforçou para trazer seus amigos lioneses a se elevarem das contingências médicas às puras regiões espirituais. Outros se empregavam na mesma tarefa; Barberin encontrou com Milmont em Lyon, e ouviu do Dr. Gérard, fervoroso magnetizador, relatórios de suas viagens cheios de novas e interessantes informações, resumos de experiências, coleções de folhetos diversos de informações magnéticas, ansiosos por estar a par das últimas curas e dos milagres mais recentes.
Os métodos de Mesmer e Barberin acabaram de receber em Lyon quase uma consagração oficial da Escola Veterinária, que já tinha elogiado as últimas descobertas dos curadores de Puysegur. Mme Poyen Willermoz trouxe descobertas da escola de Buzancy que tinham, desde setembro de 1784, onde Saint-Martin lia atentamente e tinha certeza de que os fenômenos surpreendentes que produziam a cura, ele entendia.
Essa foi a outra descoberta que ele teve com Barberin. O oficial de artilharia estava ciente do estado particular dos sonâmbulos. Ele não queria limitar a liberdade de um magnetizador nem a outro, deixando um e outro conscientes e livres; havia uma troca e uma reciprocidade de ideias. Os fenômenos observados em Puysegur, em maio de 1784, pareciam ter uma importância primordial e determinavam o campo da experimentação ao unir o espírito de um sonâmbulo magnetizado a outro em estado sonâmbulo, não apenas para estabelecer diagnósticos, mas também para encontrar a solução dos problemas mais difíceis que preocupam o futuro. Um campo de investigações bastante vasto se abria para os amadores.
Os membros da Concorde, atraídos pelo novo método, logo o adotaram. Eles abandonaram seus antigos procedimentos e começaram a adormecer os doentes e a interrogar os sonâmbulos. Em novembro de 1784, Willermoz, enquanto expunha ao landgrave de Hesse suas descobertas passadas e especificava que foi graças aos trabalhos de seu círculo que se conseguiu magnetizar à distância e descobrir o valor indicativo das doenças internas que o fluido de Mesmer possui, acrescenta que a Concorde de Lyon já estava se afastando dessas primeiras pesquisas. Em fevereiro de 1785, isso se concretizou e Willermoz escreveu a outro colega, Bernard de Turkheim, em Estrasburgo, sobre a separação definitiva de sua sociedade com as lojas excessivamente materiais da Harmonie. A aliança durou apenas alguns meses.
A Concorde estava apenas seguindo as flutuações da moda. O sonambulismo, de fato, rapidamente colocou em segundo plano o mesmerismo primitivo; as lojas magnéticas guardaram seus bálsamos e se concentraram apenas em interrogar os crisíacos mergulhados no sono estranho e maravilhoso. Quando Mesmer deixou a França em 1785, ele já estava mais do que meio esquecido.
A escola de Lyon seguiu apenas Puységur no caminho obscuro onde os sonâmbulos já o haviam levado; mas não imitou sua moderação e sua reserva prudente; ela não se contentou, como ele, em explicar o poder do magnetizador por sua força espiritual e a pureza de suas intenções. Habituados por seus "princípios particulares" a acreditar em um mundo de espíritos invisíveis, os discípulos de Willermoz viram nos fenômenos do sono magnético a intervenção especial de seres sobrenaturais. Desde então, como insinuava Saint-Martin, o termo "magnetismo animal" não fazia mais sentido. Podia-se esquecer o agente físico de Mesmer, uma imagem grosseira de uma realidade totalmente espiritual. Podia-se também pensar que, graças à nova força, se chegaria a explorar "a alma da natureza", como escrevia o jovem Turkheim, e também alcançar "grandes descobertas na metafísica mais elevada", como esperava Willermoz.
Só restava tentar. Experimentar, por exemplo, se a lucidez dos crisíacos e sua clarividência eram tão notáveis aplicadas à metafísica quanto à medicina. Os primeiros resultados obtidos na Concorde foram, na verdade, pouco conclusivos. No entanto, já no outono de 1784, várias mulheres sonâmbulas eram clientes do círculo. Elas eram regularmente adormecidas, tratadas e observadas. Alguns nomes podem ser citados: Marion Blanchet, chamada Mion, que era magnetizada por Willermoz, uma menina paralítica de treze anos chamada Novellet, Mlle Bergé, vidente e visionária, tratada por Jean Milanois, e especialmente M. Rochette.
Esta última era uma pobre moça que sofria, desde a juventude, de males nervosos tão impressionantes quanto variados. Pessoas caridosas a levaram, em julho de 1784, às águas do Mont-Dore; lá ela encontrou seu caminho, se é que se pode dizer isso. Um jovem, Sabot de Pizay, irmão a Pelicano entre os Professos de Lyon, que estava nessa estação com uma doença no peito, parece ter desempenhado um papel bastante desagradável em toda essa aventura. Ele morreu no início de agosto. A visão de seu cadáver provocou na moça crises de agitação e catalepsia, ainda mais preocupantes porque ela estava grávida. Seu estado era tanto para perturbar corações sensíveis quanto para interessar os entusiastas do magnetismo; o comandante de Monspey, avisado, cuidou dela e a enviou para ser tratada na Concorde. Era normal que os colegas do falecido a Pelicano se empenhassem em reparar o mal que ele havia causado.
Ela chegou a Lyon em 6 de novembro de 1784. Dutrech e Willermoz começaram imediatamente seu tratamento. Eles foram auxiliados em seus cuidados pelo conde de Castellas, decano do capítulo de Saint-Jean. O bom eclesiástico era de Auvergne e, sabendo que a doente era originária de Montferrand, mostrava-se disposto a ajudar uma compatriota. Ele conseguiu sem muita dificuldade acalmar sua agitação. No final de novembro, ele estava sozinho dirigindo sua cura e Rochette não queria mais ser adormecida por ninguém além dele.
Essa época foi, para a Concorde, uma época de intensa atividade, onde seus membros tiveram frequentes oportunidades de assistir a fenômenos surpreendentes. Os sonâmbulos se esforçavam para dormir, curar-se e fornecer informações e previsões variadas. Seu zelo exigia muita energia por parte de seus magnetizadores. Willermoz contou que, nesse famoso inverno de 1784-1785, ele ficou dez dias sem dormir, reduzido a deitar-se todo vestido no chão, para "poder acompanhar a série de certas observações essenciais".
M. Rochette e o decano Castellas, sabiamente, esforçaram-se para tornar os "sonos" tão regulares e confortáveis quanto possível. O fenômeno ocorria no quarto da doente, por volta das nove ou dez horas da noite, depois que ela se deitava. Castellas a magnetizava com passes conforme necessário; mas às vezes isso não era necessário e a sonâmbula adormecia sozinha, sem que seu magnetizador precisasse se esforçar com gestos e concentração mental, e esse sono natural não era menos clarividente. O decano começava a sessão com orações e invocações aos anjos e santos capazes de guiar a sonâmbula; então, com frases entrecortadas de suspiros e exclamações, ela expunha o desenrolar de suas visões e respondia às perguntas dos assistentes. Quando a adormecida se cansava, pedia a Castellas que a acordasse: o que ele fazia passando os polegares sobre suas pálpebras.
Os sonos de Rochette eram frequentes. Ela dormia quase todas as noites se desejassem. Ora, o inverno de 1784-1785 foi frio e tardio. Abril trouxe geada e neve. O decano sofria dos olhos, e para não ter que sair de casa em mau tempo, instalou a sonâmbula em sua casa e a manteve lá por algumas semanas. Tanta dedicação e tantas experiências repetidas recompensaram os experimentadores por seus esforços. Não sei se Rochette foi curada de seus males, mas, o que era mais importante, ela passou a ter sonos interessantes.
Os relatos desses "sonhos" nos mostram os primeiros passos de uma visionária ainda iniciante, buscando vagamente as respostas que agradariam seus protetores. Aos poucos, ela começou a ver outras imagens além da lamentável figura do Sabot de Pizay, que assombrava seus sonhos. Apareceram sombras pertencentes à sua família, à do deão Castellas, à de Willermoz, à família de Monspey, assim como aos amigos deles; santos e anjos se juntaram ao cortejo dos mortos.
cos, ela começou a ver outras imagens além da lamentável figura do Sabot de Pizay, que assombrava seus sonhos. Apareceram sombras pertencentes à sua família, à do deão Castellas, à de Willermoz, à família de Monspey, assim como aos amigos deles; santos e anjos se juntaram ao cortejo dos mortos.
Considerando a numerosa família de Willermoz, muitos dos quais, como pai, mãe, irmãs, tios e tias, já não estavam mais vivos em 1785, é possível entender que Rochette precisasse de alguns meses de aprendizado para se situar em todas essas visões.
As pessoas ao redor da jovem eram cheias de indulgência e paciência. Cada vez mais, Willermoz e seus discípulos viam os sonhos dos "crisiacos" como manifestações da graça divina, meios que Deus usava para trazer os homens de volta a Ele e aliviar seus sofrimentos materiais e espirituais. Eles apresentaram essa brilhante explicação à clarividência de sua sonâmbula favorita, que prontamente confirmou a alta opinião que eles tinham de seu papel e talentos. Assim, eles se sentiam autorizados a usar os passes e crises sonâmbulas como preparação para os sacramentos.
Mas, enquanto cuidavam da orientação moral e religiosa de suas sonâmbulas, estas retribuiam de igual forma. Rochette, em especial, sabia bem como pregar aos presentes. No dia 28 de abril, ela pregou por nada menos que vinte e oito minutos consecutivos, com "energia e unção"; Castellas foi devidamente repreendido por suas falhas e exortado ao arrependimento. À medida que ganhava confiança, ela tendia a se envolver em todo tipo de questão. Basta percorrer a "tabela dos sonhos" e os diferentes "repertórios" que Willermoz compilou para resumir os conselhos dados por Srta. Rochette, para entender a extensão de suas pretensões.
Ela utilizou para isso a colaboração da Srta. Bergé, outra visionária, de quem Millanois cuidava. No sábado, 9 de abril, ocorreu uma cena estranha na igreja de Saint-Nizier, em Lyon, durante a missa das nove horas. O falecido tio de Willermoz, ex-vigário dessa igreja, havia anunciado pela boca de Rochette que voltaria naquele dia para celebrar o santo sacrifício pela alma da mãe de Jean-Baptiste. Sem revelar do que se tratava, Willermoz convocou seus parentes e alguns membros de suas lojas para a hora marcada. Estavam presentes, além de Rochette, Monspey, de Bory e Millanois, acompanhado de sua vidente particular, a Srta. Bergé. Willermoz teve a boa ideia de pedir ao amigo que trouxesse essa pessoa clarividente, pois, sem ela, a missa teria sido celebrada sem que nada fosse notado. Mas, logo após a consagração, Bergé caiu em sono e puxou Millanois pela aba do casaco, dizendo baixinho: "Diga-me, quem é esse outro padre, que está acima daquele que celebra a missa no altar e que está vestido como se também estivesse celebrando a missa?" Willermoz considerou essa visão admirável e importante, pois estava convencido de que as duas mulheres não haviam tido contato naqueles dias, e uma das sonâmbulas parecia ter verificado o que a outra havia predito.
Em 24 de maio de 1785, Rochette fez três previsões para estabelecer bem a "verdade de seu estado". Na época, ela morava na rua Saint-Côme, aguardando o nascimento de seu filho. Ela anunciou que, no dia 28 de maio, acreditaria estar falsamente prestes a dar à luz; que, na noite de 31 de maio para 1º de junho, haveria um grande barulho; e, finalmente, que 3 de junho veria um evento singular. É evidente que a primeira dessas profecias não pode ser considerada uma boa prova. Para a segunda, Willermoz anotou que, em 1º de junho, um cuteleiro, vizinho da moça, informou que o bairro havia sido perturbado durante a noite por um rapto de prostitutas. A coincidência era impressionante. Espíritos céticos talvez achassem que não seria difícil para Rochette combinar isso com o cuteleiro e que, além disso, brigas eram frequentes—e ainda são—nesse bairro de ruas estreitas e escuras, vizinhas de Saint-Nizier e do Saône. É bastante difícil convencer os incrédulos. Notamos apenas que não se sabe como foi confirmada a terceira previsão. O período não era favorável à adivinhação, pois Rochette também previu uma data errada para o nascimento de seu filho e anunciou um menino, mas deu à luz uma menina. Esses erros não abalaram a confiança que Castellas e Willermoz tinham em sua clarividência. Eles apenas notaram que, de fevereiro a abril de 1785, a sonâmbula havia sido presa de falsas imaginações, mas que se curou desse estado desagradável com três atos de amor a Deus pronunciados no início de abril. Ela teve até mesmo a habilidade de insinuar que suas falhas não eram prova de sua incapacidade, mas um castigo enviado do céu em punição por seus pecados. O devoto deão, assim como Jean-Baptiste Willermoz, eram homens que aceitavam essas desculpas. Apesar de alguns obstáculos, Rochette conseguiu manter a estima de seus protetores e, o que era essencial, seu apoio material.
Porém, ao folhearmos os relatórios dos primeiros sonhos, eles nos parecem bastante monótonos. As mensagens dessas almas que vêm, pela boca da vidente, transmitir discursos edificantes são surpreendentemente banais. Devemos admitir que estamos decepcionados? Essa imagem ingênua e muito popular de um mundo sobrenatural, de onde os eleitos, brilhando com cores vivas e coroas de estrelas, vêm pregar aos humanos, e onde os mortos penitentes, gemendo nas chamas vermelhas do purgatório, imploram por ajuda e orações, é isso que Willermoz entende por metafísica? Parece também que não era necessária uma lucidez extraordinária para descrever o além como uma série de aposentos de formas diversas, com portas, iluminados por mil velas, mobiliados com poltronas, tamboretes ou camas.
Apesar de algumas fantasias coloridas, a vidente geralmente usa as imagens mais banais; os fantasmas que ela vê tateiam os bolsos antes de tirar rolos de papel nos quais escreveram suas mensagens; eles se sentam, deitam, abrem e fecham portas, sobem escadas. Não poderíamos entender como Willermoz pôde dar tanto valor a visões tão materiais se não considerássemos o talento pessoal de Rochette e seu poder de persuasão. Ela dramatizava a presença invisível dos mortos de uma maneira convincente, reproduzia seus gestos, seus tons de alegria ou desespero, lia suas mensagens de recomendações ou de ternura, emprestando sua voz aos apelos deles. Também devemos levar em conta a fé profunda na existência desse mundo extraterreno que tinham Castellas e Willermoz, e os sentimentos familiares desses dois homens; a Srta. Rochette lhes oferecia um meio conveniente de explorar o além e de cooperar na salvação de seus entes queridos.
Ao mesmo tempo, em Paris, o cavaleiro de Barberin obtinha, com sujeitos melhores, sessões mais interessantes. Não conhecemos os nomes das sonâmbulas que colaboraram com ele; mas suas iniciais indicam que eram mulheres distintas. O oficial de artilharia, além disso, fazia perguntas de interesse mais geral do que aquelas feitas em Lyon por Willermoz e pelo deão de Castellas, que estavam mais curiosos sobre o futuro póstumo de seus parentes falecidos.
Barberin registrou essas palavras inspiradas, ditas por Mme de M. em março de 1785: “Deus, ser imenso, justo e bom. Seres intermediários entre Deus e o homem. Eles são todos bons, ocupados com a felicidade do homem. O homem é uma combinação de um eu que é eu e um eu que não é eu. O eu que é eu existe em toda parte onde ele se estende. Esse eu que é eu é feliz quando se eleva em direção à divindade e se liberta do eu que não é eu. Esse eu que é eu nunca perecerá. O eu que não é eu serve de prisão ao eu que é eu. Essa prisão é apenas uma casca grosseira que será destruída.”
A continuação da conversa entre o magnetizador e a vidente nos ajuda a entender melhor o processo dessas revelações:
Pergunta: Como um ser criado por um ser imenso, justo e bom pode fazer o mal? Porque vemos o bem e o mal.
Resposta: Deus criou tudo em estado de perfeição. Ele não quer o mal, mas permite; permite porque deu ao homem a liberdade.
Pergunta: De onde vem a ideia do mal?
Resposta: O "eu" que não é realmente eu deu a ideia do mal ao verdadeiro "eu".
Pergunta: Esse "eu" que não é eu é apenas matéria perecível. Como poderia dar a ideia do mal ao verdadeiro "eu"?
Resposta: Isso acontece através do ser maligno. (Com vivacidade, estendendo o braço esquerdo para trás.) Mas ele está tão distante de nós.
É interessante notar, no "Diário" de Barberin, o quanto essas pessoas clarividentes precisavam de ajuda para encontrar imagens felizes, esclarecer o significado de suas revelações e corrigir o que não estava em harmonia com as doutrinas secretas de seus magnetizadores. Os exemplos dessa peculiaridade são muitos. Em 23 de agosto de 1785, a Sra. de M.1 foi questionada sobre a natureza do magnetismo, e sua resposta foi a seguinte:
"Eu vejo, está chegando, é, é (com hesitação) um... fluido..."
Vendo que ela não conseguia encontrar a palavra, o magnetizador tentou ajudá-la, dizendo:
"Um sopro divino?", como pergunta.
Ela se lança sobre ele, abraçando-o: "Sim... sopro divino, que amplia o verdadeiro eu, que o separa deste vilão eu... sim, eu, este ser imenso, este, este, tudo".
São comentários um tanto desconexos, mas que, no manuscrito da Biblioteca de Grenoble, são acompanhados por esta singular anotação: "O magnetizador suspeita de 1234". Essa anotação só é enigmática para os leigos; para os Cohens familiarizados com a aritmosofia de Pasqually, 1, 2, 3, 4, representa a progressão dos números perfeitos e imediatamente evoca a ideia de Deus.
Assim, no começo de 1785, Barberin, com a ajuda de Claude de Saint-Martin, chegou a pensar que o magnetismo era uma espécie de influência divina, que algumas pessoas privilegiadas podiam transmitir para certos indivíduos também raros. Eles acreditavam que esse fluido podia transformar momentaneamente a natureza material, devolvendo-lhe algumas das qualidades gloriosas que Adão tinha perdido por causa do seu erro; entre essas qualidades estavam a lucidez, a clarividência, o poder de se comunicar com os espíritos e até mesmo com Deus, já que as pessoas sob o efeito do magnetismo podiam ver e entender tudo. Esse estado podia ser considerado como uma reintegração temporária do homem em suas primeiras virtudes e poderes; mesmo que não fosse tão completo e duradouro quanto o que os seguidores de Pasqually esperavam, era bem mais fácil e tinha uma vantagem evidente nesse aspecto.
Entre os fatos observados pelo capitão de artilharia magnetizador, notamos que, se as mulheres adormecidas muitas vezes falam bastante, algumas, às vezes, dizem que só podem responder por escrito. Esse foi o caso da condessa S., em 4 de maio de 1785. Isso não era novidade. O primeiro sonâmbulo conhecido, Victor, o guarda-caça do marquês de Puységur, já havia usado esse método para prever o curso de sua doença. Mas nem Victor, nem a Sra. S., nem qualquer outra pessoa que eu conheça se especializou em escrever enquanto estava sonâmbula, e os magnetizadores não prestaram muita atenção nisso na época.
Em 5 de abril de 1785, à noite, Jean-Baptiste Willermoz recebeu a notícia de um fenômeno muito parecido com aqueles que Barberin observava em Paris na mesma época. Trouxeram para ele cadernos escritos sob uma inspiração sobrenatural, parecida com o sono magnético. Seguindo as orientações de um Agente, sem saber as palavras que estava escrevendo, uma mão havia escrito, sem querer, essas mensagens misteriosas. Elas davam a ordem de fundar uma nova associação secreta chamada Sociedade dos Iniciados, que teria o objetivo de receber e estudar a doutrina que o Agente queria ditar por esse meio curioso que ele havia escolhido. Willermoz foi nomeado o chefe da Iniciação, e apenas os Irmãos da Beneficência seriam escolhidos para participar. O Lyonnais ouviu o relato dessa extraordinária aventura; as circunstâncias eram tais que uma fraude parecia impossível para ele. Ele aceitou os cadernos que lhe trouxeram e passou quatro dias estudando-os.
Eles continham instruções em um estilo estranho, misturadas com símbolos enigmáticos, desenhos indefinidos e palavras incompreensíveis que pareciam pertencer a uma língua desconhecida. Não sabemos como eram os documentos que Willermoz tinha em mãos. Não temos, na verdade, os cadernos originais do Agente Desconhecido; apenas cópias e trechos da mensagem original chegaram até nós. Alguns são espécies de "seleções" que recebem o nome de Livro dos Iniciados, expurgados de qualquer fantasia gráfica, mas parecem ter mantido o estilo do texto original; outros contêm tipos de fac-símiles, desenhos e arabescos originais, mas seus textos são resumidos, senão esclarecidos. Mesmo assim, esses documentos já são desconcertantes. Com sua escrita "hieroglífica" original, deformada pela inspiração misteriosa, e seus desenhos bizarros, eles devem ter parecido completamente extraordinários. Willermoz ficou perplexo. Ele achou que nenhuma intervenção humana poderia produzir tais efeitos, vendo neles a marca do dedo de Deus. O inefável poderia se expressar com caracteres comuns, poderia usar palavras comuns? O Agente Desconhecido não tentava isso. Podemos julgar lendo o início de sua primeira mensagem, que está longe de ser a mais obscura.
Ser puro, único ser, plenitude em triplo ur, visão inacessível ao sentido, visão infinita, "amor inocente, viva nele...". Os problemas do ur são inacessíveis à sua emanação, três vezes afastada do centro do ser. Ele ousou, esse ser saído do próprio ser, atribuir-se a produção. Ele queria seus puros ornos que ele tinha em sua seos...".
[Nota do Blog Primeiro Discipulo: As palavras incomuns que aparecem aqui terão sua razão de ser explicadas na próxima postagem]
Além dessa fascinante estranheza, o conteúdo da mensagem tinha tudo para satisfazer um Cohen. Sob o palavreado complicado dessa língua esquisita, encontrava-se o ensinamento e o vocabulário de Pasqually, além de um conhecimento preciso de seus segredos. Comparadas a essas instruções, as profecias dos sonâmbulos pareciam simples balbucios sem importância. Já os primeiros cadernos do Agente tratavam da obra universal, da Doutrina da Verdade, da matéria, dos seres da natureza, da história das iniciações antigas e cristãs, das duas prevaricações e davam um plano de reintegração, e isso era apenas um pequeno começo.
O Agente Desconhecido confirmava a doutrina secreta dos Réau-Croix e, melhor ainda, confirmava as variações que Willermoz havia introduzido e a história das iniciações que ele ensinava a seus discípulos. Tudo o que se podia entender da maravilhosa mensagem ratificava seu trabalho e seus ensinamentos dos últimos dezoito anos.
Willermoz tinha motivos para se alegrar com essa coincidência milagrosa. Ele também podia se sentir lisonjeado pela confiança absoluta que o ser misterioso depositava nele, pois só ele deveria conhecer as circunstâncias do milagre. Para todos os futuros Iniciados, o Agente deveria permanecer desconhecido; a maneira como ele se manifestava e os meios escolhidos para se comunicar com os humanos não poderiam ser revelados. Três homens eleitos - o sujeito, seu mensageiro e Willermoz - eram os únicos admitidos no segredo de Deus. Na verdade, todo o futuro da Doutrina da Verdade dependia de Willermoz, já que ele era o responsável por publicar e comentar os cadernos do Agente. Ele se tornava a pedra angular do novo edifício. "Ó Willermoz," exclamava uma das mensagens, "sua fé é a vida solidária dos Iniciados."
Poderia ele recusar essa confiança? Há muito tempo, como sabemos, ele esperava um sinal sobrenatural que confirmasse sua fé, abençoasse sua obra e confundisse seus opositores; o tempo havia chegado em que ele finalmente recebia a recompensa por sua paciência. Ele podia, sem muita vaidade, sentir que merecia o favor celestial e que esse milagre era realmente merecido. Sua decisão foi rápida. Ele aceitou a mensagem e o papel de diretor e árbitro que a misteriosa força lhe havia reservado, e organizou a Sociedade dos Iniciados, que deveria ter o título em Lyon de "Loja Eleita e Querida da Beneficência".
Onze irmãos deveriam formar o núcleo da falange sagrada. Os sete primeiros designados foram Paganucci, Grainville, Willermoz, Millanois, de Monspey, Savaron e Braun. Todos já eram Élus Coens e membros da antiga Beneficência da Ordem Retificada. Willermoz os avisou da distinção que acabavam de receber. Podemos imaginar que ele apresentou o prodígio de maneira semelhante à que fez, em uma circunstância parecida, no mês de julho seguinte: "Recebemos... através do caminho mais inesperado, mais extraordinário que a mente humana possa conceber, instruções muito claras sobre tudo o que é essencial para o homem e para a natureza... Este dom foi depositado em minhas mãos como líder da iniciação para me recompensar pelo desejo e zelo que tenho demonstrado há muito tempo... Aquele cuja mão traçou a doutrina da qual falo e seus desenvolvimentos é absolutamente desconhecido. Deve permanecer desconhecido enquanto Deus o desejar, e até então deve ser conhecido apenas por mim. Ele até corre o risco de perder repentinamente o dom de escrever sobre o que ele próprio não compreende, se deixar-se conhecer antes do tempo determinado pela Providência. Ele escreve diariamente sobre o que não conhece, e escreve tudo como um mestre."
Assim que receberam o aviso, os escolhidos se reuniram pela primeira vez em 10 de abril na residência do cavaleiro Gaspard de Savaron. Willermoz compartilhou com eles os primeiros cadernos do Agente. Para se adaptarem a todas as particularidades dessa iniciação, foram necessárias mais sessões de estudo. Elas aconteceram de 25 a 28 de abril. Os Iniciados, cujo número estava aumentando, foram divididos em duas "bandas", como era prescrito, e deveriam trabalhar para compreender o significado do novo Evangelho. Isso não é pouca coisa.
O evento milagroso acabara de transformar profundamente o caráter dos círculos secretos sobre os quais Jean-Baptiste Willermoz presidia. Os Cavaleiros Benfeitores, os Grandes Professos, os Élus Cohens, assim como todas as sociedades maçônicas, recrutavam-se por indicação e por votação; os membros deliberavam sob a direção de seus dignitários sobre questões de recrutamento e administração. A Sociedade dos Iniciados estava fora de todas as regras normais. Um poder sobrenatural designava seus membros, somente ele dava instruções, diretrizes e conselhos.
O ser escolhido, cuja mão seguia a inspiração divina, declarava-se totalmente ignorante das palavras que escrevia e totalmente irresponsável pelo significado que poderiam ter. O líder da Iniciação era apenas uma testemunha a quem se pedia fidelidade e discrição; sua sabedoria e virtudes, que lhe conferiam o papel de "sacerdote" e pastor, apenas lhe permitiam julgar como o rebanho místico deveria ser conduzido, não lhe permitiam modificar as instruções recebidas, nem mesmo escolher suas ovelhas. Quanto aos Iniciados, eles contribuíam para sua formação apenas com uma submissão tão ingênua e entregue quanto a de Samuel, que disse à voz sábia que o chamava: "fala, Senhor, teu servo está ouvindo". A Loja Eleita e Querida era verdadeiramente uma sociedade entregue ao poder invisível de um Superior Desconhecido.
Aqueles escolhidos pela vontade misteriosa eram muitos. Willermoz recebia seus nomes e tinha a tarefa de informá-los. Os sete primeiros eleitos logo viram mais pessoas se juntarem a eles para compartilhar as bênçãos celestiais. O primeiro grupo foi formado por onze pessoas, e é provável que Périsse Duluc e o Dr. Willermoz fizessem parte dele. O Agente também chamou o visconde de Tavannes e o saxon Tieman já em abril, e depois de algumas dificuldades, Claude de Saint-Martin. Em julho de 1785, quando Jean-Baptiste Willermoz avisou Ferdinand de Brunswick que seus nomes, junto com o do landgrave, haviam sido miraculosamente escolhidos, ele também revelou que o número de Iniciados já havia chegado a trinta. Entre eles estavam o duque d'Havré, Bernard de Turkheim, Saltzmann, Diego Naselli, e provavelmente Prunelle de Lière e o conde de Virieu. A cada nova comunicação, mais pessoas eram incluídas; com grande variedade, o Agente escolhia tanto os poderosos da terra quanto simples Irmãos servos; ele até indicava nomes completamente desconhecidos e impossíveis de identificar. Willermoz acreditava que a inspiração que havia selecionado esses escolhidos os guiaria um dia para Lyon "quando o tempo marcado pela Providência chegasse".
Para ser um verdadeiro Iniciado, não bastava ter sido designado pessoalmente pelo Agente Desconhecido; também era necessário vir receber das mãos do Pastor instruções especiais e talvez uma espécie de ordenação. Em julho de 1785, Bernard de Turkheim veio até Willermoz para cumprir essa formalidade, e Saltzmann tinha se programado para outubro, enquanto o duque d'Havré não deveria tardar. No entanto, Willermoz estava enganado nesse último ponto. O Grande Mestre de honra da província de Auvergne nunca se envolvia em nenhum dos assuntos naturais ou sobrenaturais da sociedade que supostamente dirigia. Mas é possível que o líder da Iniciação, lamentando não poder dispensar os príncipes alemães de uma viagem, da qual via todas as dificuldades, tentasse persuadi-los fornecendo exemplos mais ou menos verdadeiros.
Foi para receber a Iniciação que Saint-Martin anunciou sua chegada a Lyon nos primeiros dias de julho. Como nos distantes dias de 1773, Willermoz ofereceu-lhe hospitalidade sob seu teto, na casa dos Brotteaux. Seu retorno ao lar de Willermoz foi como uma espécie de retorno do filho pródigo.
De fato, a entrada de Claude de Saint-Martin entre os Iniciados da Loja Eleita e Querida foi um evento de grande importância em sua vida mística, o que lança uma luz intensa sobre seu estado de espírito. É curioso notar que a carta de Willermoz, que veio informá-lo do milagre, lhe pareceu totalmente incontestável, e que ele soube sem surpresa que um Agente Desconhecido havia chamado os Irmãos Tavannes e Tieman entre seus escolhidos, e que, por essas razões, ele próprio ainda não podia compartilhar dessa graça. Nada disso o surpreendeu. A maneira como ele aceitou as notícias e as repreensões de seu correspondente mostra uma falta de senso crítico surpreendente. Teria ele mudado tanto?
O magnetismo havia feito muito para aproximar dois colegas que tantas vezes estiveram em desacordo nos anos anteriores; suas experiências semelhantes, sua colaboração com os crises e sonâmbulos tinham eliminado qualquer amargura entre eles. Desde 1784, Saint-Martin já estava ligado à Ordem Retificada e fazia algumas aparições na Beneficência de Paris. Ele usava o nome de Ordem a Leone Sidero e mostrava uma curiosidade polida em se informar sobre os rituais que Willermoz estava preparando para codificar a reforma do Convento de Wilhelmsbad. No entanto, ele preferia se vincular apenas a alguns graus inferiores, para preservar "seu gosto e seu título de independente". Ele estava muito mais ansioso para ser informado sobre fatos místicos: "você me prometeu anteriormente que se houvesse algo bom, se lembraria de mim, escreveu ele a Willermoz em 23 de setembro de 1784, você sabe que sou um tanto mimado e que realmente preciso de algo bom, o que me deixa morno em relação a tudo o mais". Em outro lugar, ele afirmava estar pronto para se colocar aos pés de um Gamaliel. Nesse ponto, sabemos que ele era sincero. Apenas esperava sem muita convicção, sem acreditar especialmente que seria precisamente em Willermoz que ele apareceria.
A notícia o abalou profundamente. A manifestação do Agente ocorria em favor de seu amigo e golpeava com um desaprovamento sobrenatural sua severidade passada. Ele compreendeu que o milagre consagrava o valor sobrenatural do trabalho de Willermoz e que, ao mesmo tempo, o seu próprio trabalho estava condenado. Ele não era homem de recusar seu arrependimento, e sua penitência foi humilde e completa. "Não consigo descrever os arroubos que meu coração sente ao saber que o sol brilhou sobre Israel. O homem escolhido não é mais para mim senão o homem de Deus, me dedico a pagar a ele todos os dias da minha vida o tributo de veneração e orações devido ao Ungido do Senhor." Ele implorava ao seu feliz colega, seu "mestre", "santo amigo", que esquecesse suas discordâncias passadas, já que tudo o que os separara era "apenas a ideia intensa da simplicidade do caminho do espírito de Deus". Convencido de seu erro, ruborizado de vergonha, sufocado por lágrimas e soluços, Saint-Martin reprovava sua conduta; seus livros e trabalhos lhe pareciam coisas perversas, cheias de imperfeições e vaidade culpada; ele reconhecia seu principal erro: "os erros que cometi ao me dar a conhecer não me parecem comparáveis aos de ter escrito. Estes últimos ofendiam a Própria Causa ao me colocar em seu lugar, sem sua ordem". Mesmo assim, seus arrependimentos nos parecem exagerados, e só podem ser explicados pela dureza do Agente repreendendo aquele que teve a audácia de servi-lo como precursor na preocupação pelo incógnito e na pretensão de ensinar aos homens a verdade. O Agente Desconhecido se levantava contra o Filósofo Desconhecido, e este último, derrotado, se submetia em toda humildade.
Se Willermoz já havia sentido alguma inveja da reputação e dos sucessos mundanos de Claude de Saint-Martin no passado, ele agora estava bem vingado. Ele saboreava a dupla satisfação de ver a justiça sendo feita e de ouvir a condenação de seu amigo; quanto ao interessado, ele só demonstrava um humilde desejo de auxílio espiritual, para poder aplacar a ira do ser celestial e ser um dia admitido "a compartilhar as altas funções dos eleitos privilegiados". Isso se concretizou na primeira quinzena de maio. No dia 13, Saint-Martin, certo de seu perdão, expressa sua alegria e manifesta o desejo de vir a Lyon para se submeter, sob a direção de Willermoz, à disciplina misteriosa. Ele acrescentou que queria agir daí em diante apenas pelas "leis da Causa" e prometia não fazer mais nada sem a "aprovação do censor", do qual seu amigo era o intermediário providencial. Na verdade, ele chegou a Lyon em julho; no mês de janeiro seguinte, ainda estava lá, participando ativamente do estudo da doutrina do Agente Desconhecido.
Jean-Baptiste Willermoz desempenhava um papel fundamental na instrução dos Iniciados; ele recebia os originais dos mensagens, os decifrava e estabelecia resumos ou cópias que poderiam servir como texto de instrução. Durante o ano de 1785, 42 cadernos gerais e 4 cadernos pessoais chegaram até ele, dos quais apenas 31 foram publicados. Alguns foram copiados por Claude de Saint-Martin. Provavelmente foi este último quem estabeleceu uma espécie de corpo de textos, para uso dos iniciantes, chamado de "Livro dos Iniciados", contendo algumas das instruções do Agente Desconhecido, escolhidas entre aquelas que pareciam ser as mais instrutivas e significativas.
Qual era a originalidade dessa doutrina? O Agente simplesmente pedia aos seus eleitos que o seguissem pelo "caminho desconhecido", até a verdade onde ele iria guiá-los.
O caminho era um caminho de amor. Ao acaso das páginas confusas, reconhecemos efusões tão ardentes quanto desconexas e todo tipo de transportes saudando os Iniciados com o nome de "irmãos do amor", "amigos do amor", "filhos do amor"; ou então, fazendo do termo amor e de todas as sonoridades vizinhas, cem variações e repetições obsessivas. Os termos amor, amure, armure, amurer, amuration, retornam incessantemente na mensagem datada de 18 de abril de 1785, que tem o título "Lei do Amor", assim como em muitas outras, que não tratam da exposição dessa lei. Ela se apresenta de maneira extremamente geral, banhando sem distinção em uma atmosfera de ternura ardente e vaga Deus, os seres humanos e os espíritos puros. Apesar do mau gosto e do ridículo dessas obscuras onomatopeias, era na "lei do amor" que residia todo o valor da mensagem e a melhor parte de seu poder de sedução. Claude de Saint-Martin podia encontrar os ecos de sua própria fervor nos balbucios dessa estranha voz. Apesar de todas as bizarrices acumuladas, ela não revelava aos maçons, ocupados demais em buscar Deus nos dogmas, nos símbolos e nas cerimônias, o essencial do segredo da vida mística, o dom divino do amor puro?
A verdade ensinada, tal como aparece nesses primeiros cadernos, é composta. Ela parece, sobretudo, uma repetição confusa dos ensinamentos de Pasqually: mesma maneira de considerar toda coisa perfeita como sendo de ordem quaternária [6]; de ensinar que o homem era, antes de sua queda, o árbitro do mundo criado; de apresentar a obra da salvação como o objetivo do combate entre os espíritos bons e os perversos, onde a única arma eficaz é a vontade livre; mesma tendência a classificar os seres materiais e espirituais em uma hierarquia estrita, levando em conta seus papéis e méritos; mesma cosmologia especial que situa o universo humano e terrestre em um universo espiritual extremamente complicado e preciso; mesmo hábito de usar números, signos, hieróglifos como uma estenografia e de ensinar que a verdadeira religião nunca foi revelada a todos, mas que é o apanágio secreto de um pequeno número de eleitos.
Algumas variações são, no entanto, perceptíveis. Como já haviam feito os Professos de Lyon, mas com ainda mais insistência, o Agente Desconhecido reconhecia na pessoa de Cristo Redentor toda a importância que lhe dão os cristãos mais ortodoxos. Em várias ocasiões, de diferentes formas, repete-se a mesma ideia: "Jesus Cristo é a única invocação dos homens"; "Jesus é o único caminho pelo qual os Cohens invocarão; não mais essa multiplicidade de nomes que se fez em um trabalho, antiga obra dos israelitas em cativeiro, sete corpos de luz ornamentaram o universo, um só é o centro". Em outra passagem, o Agente chama Jesus de "mestre dos meios". Entendemos que essas recomendações não tinham apenas um sentido simbólico, mas também deveriam simplificar significativamente as listas de nomes sagrados e as invocações usadas na prática das operações de Pasqually.
Ao lado de seu filho, Maria também retomava a importância que ela tem na devoção católica. Isso é uma nota muito original e peculiar ao Agente. Até então, Willermoz e seus seguidores haviam mostrado pouco interesse na Virgem Maria. O Agente lhe confere uma constante preeminência na obra da salvação. Ele sempre associa seu nome ao de Jesus e explica assim, em sua linguagem, a importância de Maria: "Marios é a voos da mãe de seu mestre, é para os Eloim uma mos admirável, ou seja, para os culpados uma mãe, para os justos uma mediadora, para os penitentes uma mos amor". O entusiasmo delirante do Agente às vezes se expressava em termos um pouco mais claros, ensinando que "Maria, chefe do lugar inacessível das formas reintegradas, foi a agente da reparação". Ele colocava sua própria ação sob o patrocínio augusto da mãe de Jesus Cristo. O culto mariano ao qual os Iniciados eram convidados parece até ter antecipado a grande renovação que a Igreja Católica só viria a dar mais tarde, no início do século seguinte; o Agente estava entre os piedosos fiéis à vanguarda das tendências espirituais, lançando, por assim dizer, essa devoção de sucesso. De qualquer forma, ele se mostrava mais sensível às tendências católicas do que Don Martinès jamais fora; sua ação trazia a teurgia dos Coens, tão pouco cristã, a um catolicismo esotérico bastante caracterizado.
As diferentes formas de Maçonaria foram classificadas de uma maneira totalmente alinhadas com o pensamento de Jean-Baptiste Willermoz. "Abra, escreveu ele, suas portas para os Maçons, eles são filhos das medidas, para os Coens, eles têm os espíritos puros como protetores, para os Grandes Professos, eles os reúnem". Esta fórmula hábil tinha a vantagem de dar preeminência à Profissão e de ratificar a obra de seu fundador. As noções mais recentes do magnetismo eram expostas no sentido espiritualista e místico, querido pelo círculo da Concorde.
Mas os ensinamentos que o Agente trazia eram pouca coisa em comparação com suas maravilhosas promessas: um futuro de luz estava reservado aos Iniciados por causa de sua fidelidade e obediência; uma doutrina de verdade, uma "verdade viva", vivificante, seria em breve não apenas a recompensa dos eleitos, mas a regeneração — chamada nememoum — da França e das nações mais distantes. Somente essa ciência poderia evitar as catástrofes que ameaçavam o mundo "em dias de trevas onde toda alma se perde em uma ciência orgulhosa, a França está perdida como a terra no tempo do Dilúvio".
Uma esperança tão grande, misturada com ameaças tão graves, teria sido suficiente para sustentar o zelo de Willermoz, se fosse necessário; mas isso raramente era necessário, pelo menos nos primeiros meses da estranha revelação. O pastor dos Iniciados aceitou com entusiasmo o papel de confidente e árbitro que lhe foi confiado. Sabemos com que seriedade ele cumpria todos os seus deveres. Esses deveres lhe pareciam de uma natureza tão sagrada que ele se entregava a eles com todo o seu tempo e coração; ele não passava de um instrumento dócil às vontades do poder sobrenatural que se manifestava a ele. Embora, teoricamente, todas as mensagens do Agente devessem ser submetidas a ele, ele não tinha outra liberdade senão a de guardar aquelas que não lhe pareciam úteis; ele não tinha nenhum direito de iniciativa, e a vontade do Agente se intrometia em tudo e em todos. Willermoz obedecia. Em compensação, cada caderno o cobria de elogios e encorajamentos: sua fidelidade, sua discrição, sua sabedoria, sua virtude eram louvadas e oferecidas como exemplos.
Em julho de 1785, encontramo-lo ocupado em revisar os cadernos dos graus simbólicos da Maçonaria retificada para adaptá-los à nova lei. O principal objeto dessa reforma era a palavra de passe do grau de Aprendiz. O Agente percebeu, desde as primeiras instruções, que essa palavra de passe, Tubalcaïn, não deveria mais ser tolerada nas cerimônias da Loja Eleita e Amada. Era uma palavra de passe nefasta que representava um personagem positivamente detestável. Para o Agente, o descendente de Caim, o "pai dos ferreiros e de todos aqueles que trabalham com metais", segundo a Bíblia, era também o pai de todas as abominações. Ele ensinou aos seus seguidores que Tubalcaïn era um ser indigno, "culpado das mais vergonhosas transgressões na área carnal", que ele só havia descoberto como forjar metal através de operações diabólicas e profanadoras. "Ele poderia, com seu arrependimento, ter interrompido o curso desses males, mas, arrastado por sua própria concupiscência, ele se entregou aos maus anjos em mulheres. Tal é o crime que corrompeu toda carne. Ó abismo de horror."
Entende-se que era necessário livrar o mais rápido possível as lojas de Aprendizes desse patronato perigoso, viveiros de futuros Iniciados. Pois era certo, pelo menos para Willermoz, que a palavra de passe Tubalcaïn só poderia ter sido introduzida nesses rituais por causa do erro fatal de alguns e pela vontade nefasta de outros, em um momento em que o espírito do mal havia conseguido seduzir até mesmo os Maçons e corromper até mesmo as lojas, refúgios protetores da fé e do culto contra profanações. Era necessário apagar, da verdadeira Maçonaria, esse selo demoníaco. Isso foi feito em 5 de maio de 1785. Uma decisão oficial da Regência Escocesa consagrou essa reforma, com uma brevidade que não excluía a solenidade rigorosa.
Naturalmente, não se cogitava expor aos profanos a verdadeira razão dessa mudança; apresentava-se a decisão como parte das transformações decididas no Convento de Wilhelmsbad. Willermoz pensava, com razão, que os Irmãos não teriam oportunidade de verificar. Ele também tentava explicar as razões muito lógicas que deveriam proibir Tubalcaïn "por todos aqueles que pensam corretamente que nada é indiferente na Maçonaria". A primeira razão era que Tubalcaïn, filho de Lameque o bigamo, descendente de Caim, tinha uma parentela desagradável. A segunda era que sua reputação como ferreiro era inadequada para um patrono de Maçons espirituais, que deveriam considerar as ciências materiais como perigosas e os metais como símbolos dos vícios. A terceira era que Tubalcaïn, pertencendo à geração dos homens antes do dilúvio, certamente estava entre aqueles cujas obras Deus havia querido apagar; portanto, seu nome não podia servir de referência para os Maçons preocupados com a tradição pura. Willermoz também ensinava que, como resultado de "um estudo da verdade feito com intenções puras", descobrira que o fundador da Maçonaria era um descendente da raça abençoada de Sem. Ele se sentia "justificado em acreditar" que esse descendente era Phaleg, filho de Heber: "esse motivo parece ser decisivo para substituir o nome de Tubalcaïn pelo de Phaleg". Com isso, ele insinuava que a responsabilidade pela introdução de Tubalcaïn nas Lojas recaía sobre Cam, e que os verdadeiros Maçons deveriam se separar dos filhos de Canaã, com medo de incorrer nas consequências da antiga maldição de Noé.
Um decreto de seis artigos veio dar força de lei a esta "questão muito importante". Foi decidido não apenas que o nome de Tubalcaïn seria substituído por Phaleg, mas também que os Cavaleiros Benfeitores deveriam evitar usar, com os Irmãos de outros ritos, a antiga palavra de passe, assim como serem questionados sobre a nova. Foi aconselhado que, em vez disso, se rompesse qualquer reunião maçônica antes de manter a palavra de passe proscrita ou de revelar o segredo de Phaleg. Pode-se perguntar por que Willermoz pretendia esconder essa descoberta sensacional e privar Phaleg, "o primeiro a presidir uma loja", dos tributos de seus sucessores, se essa descoberta fosse sua ou de seu Capítulo. Mas isso era exclusivamente do Agente Desconhecido, e a questão não tinha outro fundamento ou explicação além de suas ordens misteriosas. Willermoz impunha às lojas retificadas que seguiam sua liderança adotar a palavra "Phaleg" porque o Agente ensinava que o filho de Heber foi o primeiro a instituir a Maçonaria, sendo o segundo Salomão e o terceiro ele próprio.
Vemos que, em nenhum aspecto, esse Agente pecava por excesso de discrição ou humildade. O tom imperativo domina em suas mensagens, mal atenuado pela obscuridade dos termos e das fórmulas. Ele as declarava infalíveis e proclamava, ao mesmo tempo, a total irresponsabilidade de quem as escrevia. A mão que as traçava devia ser considerada pelos Iniciados como totalmente entregue a uma vontade sobrenatural. Mas que vontade? Estamos lidando com algum espírito celestial indefinido, um anjo guardião, Maria, mãe de Cristo, ou o próprio Cristo? Há hesitação diante de afirmações variáveis. Uma coisa é certa, diretamente ou por intermediários, o Agente, que vê "sua pena ficar vermelha pelo sangue de Jesus Cristo", traz as palavras do Verbo divino, sua ação é uma segunda encarnação.
Essas pretensões desmedidas, no entanto, foram aceitas sem dificuldade por Jean-Baptiste Willermoz, que ensinou aos Iniciados que a manifestação do Agente Desconhecido não era nada menos que uma Nova Aliança, e que era Deus próprio quem escolhia neles um novo povo de eleitos. Ele já previa que, da Loja Eleita e Amada, partiria a ação providencial que iria estabelecer a fé: "para se tornar, em um único lar, a luz dos últimos tempos para todas as nações. Assim como os profetas foram dados à nação escolhida para ser sua luz, hoje são os verdadeiros Maçons Retificados que são chamados a formar o novo templo escolhido... É uma Grande Obra que está apenas começando e que parece não ter fim." Em sua exaltação, Willermoz falava em "queimar todos os livros e todas as histórias dos Concílios", tal era sua convicção de renovar a história do cristianismo pela operação do Espírito Santo.
[Nota do Blog Primeiro DIscípulo: As grandiosas pretensões de Jean-Baptiste Willermoz, ao proclamar a manifestação do Agente Desconhecido como uma Nova Aliança e atribuir a Deus a escolha de um novo povo de eleitos, são exemplos claros do delirio teologico ao qual ele era cooptado e do fanatismo desenfreado do qual ele era tanto vítima quanto algoz (uma vez que o disseminava para outros irmãos). Já a afirmação de que a ação providencial partiria da loja eleita e amada para estabelecer a fé em todo o mundo é um exemplo claro de que sua personalidade fora tomada de um messianismo perigoso típico de gurus e líderes sectaristas.
A sugestão de Willermoz de "queimar todos os livros e todas as histórias dos Concílios", demonstra um completo desrespeito pela tradição e pelo conhecimento teológico acumulado ao longo dos séculos além de posicioná-lo, sob certa ótica, como um opositor a verdade Revelada do Cristo, dos Apóstolos e dos Padres da Igreja. Sua atitude demonstra uma mentalidade sectária e dogmática, que busca impor uma única visão da fé cristã, ignorando quaisquer interpretações e perspectivas dentro da própria tradição cristã.
A visão milenarista de Jean-Baptiste Willermoz, com sua ênfase em uma transformação radical e imediata do mundo através da intervenção divina (do qual ele e seu grupo são os agentes centrais), é o exemplo típico do tipo de pensamento que maçonaria nunca aceitou. A Maçonaria, em sua essência, promove valores de fraternidade, tolerância e progresso humano alcançados através do trabalho conjunto dos seres humanos; valorizando o aprimoramento moral e intelectual dos indivíduos, bem como o aperfeiçoamento da sociedade por meio da educação, da justiça e do serviço à comunidade, em vez de depender exclusivamente de intervenções divinas chefiada por um guru qualquer “salvador da pátria, iluminador de mundos”. Portanto, a visão milenarista de Willermoz pode ser vista como incompatível com os princípios fundamentais da Maçonaria, que enfatiza o papel ativo e responsável dos seres humanos e da vivência das virtudes na busca pela melhoria contínua da humanidade.]
Um milagre de tal importância merecia uma comemoração solene. O Agente pensou nisso desde o início e instituiu uma festa que deveria ser celebrada todos os anos, no dia 10 de abril, aniversário da Iniciação. Ele deu instruções especiais para organizar a reunião e o banquete do dia do aniversário, que reuniria os membros do círculo, e ditou a invocação que Willermoz deveria proferir: "Mãe do Deus feito homem, tu que, sobre nossa fraqueza, foste o caminho do amor, une em nós o amor pelos outros homens ao amor divino, e intercede por minha ação em unidade".
O primeiro festival foi celebrado em 10 de abril de 1786. Foi uma festa de alegria e esperança, conforme prescrito.
Notas:
1 - Este fato foi relatado pelo Sr. C. Roux, em uma comunicação à Academia de Lyon, em fevereiro de 1936. O livro enviado era provavelmente o "Memória sobre a descoberta do magnetismo animal", publicado em 1779, sob o nome de Mesmer, por Bachelier.
2 - Mesmer tinha estudado matemática e física antes de se aventurar na medicina; sua tese na faculdade de Viena datava de 1776. Ela tratava sobre o curso dos planetas no corpo humano. Ele também colaborou com um curandeiro vienense que tratava doenças com ímãs. Obrigado a deixar Viena, devido a disputas com a família de uma de suas pacientes, ele chegou a Paris em fevereiro de 1778. Ele publicou sua memória sobre a descoberta do Magnetismo Animal em 1779. Veja DELEUZE, História crítica do Magnetismo Animal.
3 - "Artigo publicado por MOREL DE VOLEINE. Revista do Lyonnais, 1869."
4 - Carta de Willermoz à Ch. de Hesse, 8 novembro 1784.
5 - Saint-Martin, em uma carta de 23 de fevereiro de 1784, anunciou a Willermoz que acabara de prestar juramento na Sociedade de Mesmer. Em 29 de setembro, ele forneceu ao comerciante de sedas de Lyon detalhes sobre as curas em Buzancy e sobre o marquês de Puységur, de quem já havia falado "de passagem em uma carta anterior dirigida a Madame Provensal".
6 - Grenoble, ms. Prunelle de Lière, Livro dos Iniciados, p. 57. "Nada impuro pode resistir à chama do fogo p., nada escondido se oculta à luz pp., nada triplo é admitido. É necessário que a quarta forma confesse ali sua vida em lei justificada... As formas em triplo quaternário de Adão e Eva alcançaram sua perfeição na terra."
I.C.J.M.S.
Que Nossa Ordem Prospere !!!
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