top of page
Foto do escritorPrimeiro Discípulo

A Trajetória e a Vida de Jean-Baptiste Willermoz - Parte 14

Dando prosseguimento a nosso projeto de traduzir na integra a obra "Un Mystique Lyonnais et les Secrets de la Franc-Maçonnerie - 1730 - 1824" da arquivista francesa Alice Joly, chegamos ao capitulo XII da mesma. O que continua a nos chocar aqui é a disposição de Willermoz em aceitar cegamente as revelações do "Agente Desconhecido", sem questionar sua origem ou validade. O que estaria ocasionando tal comportamento? Seria simplesmente falta de discernimento crítico? Sua busca espiritual, nesse ponto de sua vida, estava mergulhada em ilusões e contradições. Embora pareça ansioso para conciliar diferentes tradições e conhecimentos esotéricos, suas ações muitas vezes levam a divisões e dissensões dentro da comunidade maçônica. Sua confiança nas supostas revelações divinas também levanta questões sobre a influência do fanatismo religioso em suas decisões e sua capacidade de discernir entre fé genuína e superstição.


Mas vamos ao texto:


As previsões do Agente Desconhecido não se concretizam. — Preocupações e dúvidas de Jean Baptiste Willermoz. — A sonâmbula Rochette se torna a árbitra da Iniciação. — Conflito entre as duas inspirações rivais. — O segredo do Agente Desconhecido. — Tentativa de orientar a Srta. Rochette. — Problemas na Sociedade dos Iniciados de Lyon. — Declínio geral dos círculos místicos. — Crise de consciência de Bernard de Turkheim. — As objeções da Benevolência de Paris. — Desordem na Tríplice União de Marselha. — Renúncia do duque d'Havré de Croy.


"Eleitos de Jesus Cristo, desejem o seu amor e vocês obterão todo o resto."


Essa eloquente exortação do Agente, para o dia do seu aniversário, vinha acompanhada de uma promessa tão vaga quanto magnífica. Infelizmente, a devoção dos Iniciados, a fé que eles depositavam no seu instrutor sobrenatural e a obediência que demonstraram não foram bem recompensadas. As promessas do Agente não foram cumpridas e o segundo ano da Iniciação não trouxe a recompensa aos eleitos. Pelo contrário, ele testou sua confiança e paciência.


O Agente havia anunciado que ensinaria uma doutrina de uma clareza "luminescente" que, por sua evidência, conquistaria a adesão de todos. "Sua história escrita nos livros sagrados, no Evangelho, na natureza, aqui, maçons, está aberta em escrita francesa aos seus olhares submissos... Recebam o louvor dos bons servos, entrem na alegria do seu Senhor. A pureza da linguagem vai suceder às inversões que foram a prova das vaidades do espírito, que o ouro puro as admita, onde eles desejaram o amor. Agente favorecido, seu pastor foi destinado a nunca forçá-los a vê-lo senão como um Irmão. Uma mesma ação os unia desde os primórdios. O véu está livremente aberto para sua feliz iniciação."


Jean-Baptiste Willermoz traduziu essas promessas, revelando ao príncipe Charles de Hesse que o círculo dos Iniciados de Lyon tinha a garantia de receber, de seu instrutor maravilhoso, a "tradução literal e original dos livros de Moisés e do Novo Testamento".


Mas a concepção que o Agente tinha da língua francesa, da pureza do estilo e da clareza nos deixa perplexos. Sabendo tudo o que poderia interessar seus discípulos e não sendo nenhum assunto estranho a ele, enviava muitas instruções sobre todos os tipos de questões, tanto materiais quanto espirituais. A criação do mundo, a prevaricação, a natureza do Redentor, as condições da reintegração, bem como a botânica, a zoologia, a fisiologia e até a puericultura, sem esquecer a ciência maçônica, forneciam temas para seus ensinamentos. Os cadernos se acumulavam; apesar das promessas solenes, as mensagens continuavam cheias de repetições, contradições, palavras incompreensíveis e frases cujo sentido, mesmo simbólico, era difícil de entender.


No entanto, desde o início da revelação, em 18 de abril de 1785, o Agente havia tomado o cuidado de enviar aos seus fiéis uma espécie de comentário dos termos principais de sua língua desconhecida; o caderno tinha o título de "A lei do amor com explicação". Era um título enganoso, pois a explicação, mal esboçada, se perdia em obscuras considerações. Os Iniciados tiveram que refazer por conta própria, com um método melhor, esse dicionário indispensável, e se esforçaram para classificar as palavras "primitivas" em ordem alfabética com datas, referências e variantes ortográficas. Restam vestígios desses esforços nos papéis de Jean-Baptiste Willermoz, principalmente um pequeno léxico que forma a introdução do Livro dos Iniciados. O autor desse compêndio, e consequentemente do léxico, pode muito bem ser Claude de Saint-Martin, pois ele anexou a esses documentos as atas das experiências magnéticas realizadas por Barberin, em Paris em 1785, das quais sabemos que Saint-Martin participou. Seja como for, o trabalho não é nem claro nem completo. Mas ao impossível ninguém é obrigado, e as informações classificadas não deixam de ter interesse.


Lemos, por exemplo, que “anos” ou “annos” é a “voos amor”; que”la voos” é o amor "focando sua visão no objeto que invoca" e, em geral, uma espécie de suporte; que mos é o ato das armaduras, a união de vontade, toda ação em geral; que Marios é a "voos de nosso Mestre", mos admirável para os Elohim; que espos significa manifestação, nememoum, regeneração e omeros, perfeito iniciado; que soos é um lugar, seos uma família e que gouromador significa submergir completamente, etc. Muitos termos catalogados, infelizmente, têm apenas referências. Nenhuma explicação acompanha, por exemplo, o termo ur, que o Agente usa frequentemente, e não sabemos o que significam muitas palavras sonoras e pitorescas como asinodore, aseamos, consistos, cosusuros, enviosiros, framamamcore, etc. Apesar de seu esforço para estudar essa linguagem, os Iniciados ou Omeros tinham dificuldades para se orientar. Cada nova mensagem, em vez de esclarecer o enigma, apenas o complicava.


O Agente havia feito mais duas promessas. A primeira, expressa desde as primeiras instruções, era encontrar um livro com valiosas indicações sobre as origens da Maçonaria. Apesar do tom enigmático, entendia-se que se tratava de um trabalho de São João Crisóstomo, que seria encontrado na Biblioteca Real, em um local específico "ao entrar, na segunda prateleira". Willermoz, com base nessas indicações, inicialmente incumbiu Tieman e depois Saint-Martin de encontrá-lo. O Filósofo Desconhecido colocou todo o seu zelo nessa busca, mas não conseguiu encontrar nada que se assemelhasse ao livro anunciado. No entanto, o Agente acrescentou novas especificações e escreveu que o livro deveria estar "acima de uma porta onde estão em n° 27". Foi em vão. Todas as investigações foram infrutíferas e Saint-Martin, desanimado, sugeriu passar sua missão para Barberin, embora este último ainda não fosse designado como membro dos Iniciados. O novo pesquisador também não teve mais sorte que os outros.


A segunda promessa era de uma natureza mais séria. O Agente anunciou que sua ação teria consequências, que em breve surgiria na Sociedade um ser providencial que sucederia às lições de Maria pelas lições de Cristo e levaria a Iniciação a uma fase decisiva. Um prazo foi até estabelecido para essa maravilhosa manifestação: "Recebam como vivos alunos as lições de Maria por mais um ano, na terceira, Jesus Cristo se tornará seu mestre, Sua sábia voz escolheu o tipo entre vocês". Infelizmente, o tipo escolhido não se manifestou, mesmo após o segundo aniversário, e os Iniciados se cansaram de esperar pela aparição do segundo Agente Desconhecido, a encarnação da Palavra, que deveria completar o milagre.


A essas preocupações se somavam muitos outros motivos de inquietação. Vários dos eleitos, incluindo um certo conde de Rully, pareciam a Willermoz, pastor do rebanho, ter sido escolhidos de forma muito leviana pela misteriosa autoridade. Além disso, apesar das promessas de não tomar nenhuma decisão sem ele, o Agente se permitia enviar ao conde de Castellas uma carta selada. O poder do líder estava comprometido? Willermoz começava também a duvidar que o intermediário do ser celestial fosse tão ignorante, quanto afirmava, sobre questões maçônicas e até mesmo sobre os pequenos assuntos de suas lojas. É preciso dizer também que, com o tempo, todos os elogios que recebia, nas mensagens, chocavam seu senso de medida, seu gosto pela discrição. O Agente não estava tentando lisonjeá-lo? Mal havia se passado um ano desde a surpreendente manifestação, e Willermoz já sentia seu entusiasmo diminuir. Seu zelo estava se transformando em uma preocupada perplexidade.


Todo o ano de 1786 foi preenchido apenas pelos seus esforços para formar uma opinião séria sobre essas questões primordiais: o trabalho do Agente é puro? Vem de Deus? Ou é apenas uma obra de imaginação? Ele temia ter sido enganado pelas aparências e questionava o valor das instruções do Agente, a utilidade da Sociedade dos Iniciados, a importância do seu papel como correspondente e depositário.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Apesar das inquietações de Willermoz, os elementos apresentados pelo Agente foram incorporados e ainda estão presentes em nosso rito. Isso deveria nos levar a uma reflexão séria sobre a cosmovisão que adotamos como caminho para a reintegração, bem como sobre a validade desse sistema. Será ele efetivo? Será legítimo? Não estaríamos sendo iludidos pelo delírio de um messianista com um ego exagerado? Estas são questões que um verdadeiro buscador da verdade deveria levantar… Fazer ouvidos moucos a essa realidade é, no mínimo, colocar-se contra tudo aquilo que a maçonaria em sua essência representa. ] 


O Agente tinha uma maneira muito simples de se defender. Ele se declarava completamente ignorante e irresponsável pela doutrina que transmitia. Mesmo assim, teve a ideia de apontar que esse "dilúvio de repetições" de que o acusavam era, na verdade, uma marca da unidade de seu ensinamento. O fato de não terem encontrado o livro prometido também era uma prova de sua sinceridade. Era preciso aceitar esse contratempo como uma nova garantia de sua "lei ignorante", de seu estado passivo de "espelho infatigável", pois "se ele quisesse enganar, sua habilidade teria verificado os manuscritos". Apesar dessas razões duvidosas, dessa habilidade em prever problemas e dificuldades e dessa dedicação em enviar cadernos e mais cadernos de instruções, a Sociedade dos Iniciados estava muito longe de alcançar uma apoteose luminosa de sabedoria e certeza.


Para nós, uma pergunta surge no meio de todos esses mistérios acumulados com prazer pelos envolvidos: quem era, afinal, a personalidade humana adotada por esse Agente prolixo e supraterreno? Será que seu anonimato é impossível de ser desvendado?


M. P. Vuillaud, que teve em mãos os cadernos de instruções da Sociedade dos Iniciados, habilmente destacou a semelhança que ele via entre os cadernos do Agente Desconhecido e os documentos escritos pelos médiuns em sessões espíritas. M. Van Rijnberk, outro estudioso do passado das ciências ocultas, usou no artigo da Revue Métapsychique, ao qual fizemos referências frequentes, o termo "médium psicógrafo"; ele admite que o Agente é uma figura do círculo de Willermoz, muito familiarizado com a doutrina de Pasqually e com as particularidades dos círculos de Lyon.


Mas qual personagem seria esse?


O estudo que acabamos de fazer permite, em primeiro lugar, algumas hipóteses. Esse viés para efusões ternas, essa importância dada à mulher na obra da salvação, esse lugar proeminente concedido à Virgem Maria e até mesmo essa insistência, às vezes de gosto duvidoso, em tratar o aspecto sexual das relações humanas, como transformar em falta carnal o pecado de Adão, tudo isso nos leva a pensar que o Agente deveria ser uma mulher. Além disso, as mulheres fornecem uma proporção tão significativa de inspirações originais que podemos, quase com certeza, fazer essa suposição. Uma expressão do Livro dos Iniciados, aliás, contém a confissão: "Ó bom servo", escreveu o Agente a Willermoz, "seu donicilarion é puro sob um vestido frágil, assim como o meu é obediente sob um traje modesto."


Nada nos documentos da Sociedade dos Iniciados nos permite ir além. Provavelmente, podemos admitir que o oráculo enigmático pertencia ao sexo feminino, que era amiga ou parente de um dos sete primeiros Iniciados, instruída na doutrina Coen, familiarizada com as sociedades lideradas por Willermoz, sabendo pelo menos algumas palavras em hebraico e inglês e tendo tempo suficiente para se dedicar a longos trabalhos de escrita. Teríamos ficado apenas com essas suposições, bastante vagas, se Willermoz ele próprio não nos tivesse fornecido a chave do enigma.


No entanto, o homem de Lyon sabia o valor do segredo que lhe fora confiado. Manter o anonimato do Agente era o principal de seus deveres como líder e pastor. Ele havia prometido ser discreto "enquanto Deus quiser, sob pena de interromper a ação providencial".


Pode-se argumentar, em sua defesa, que o tempo escolhido por Deus talvez tenha chegado, pois o Agente descoberto não parou de escrever por isso; no entanto, também podem ser encontradas melhores desculpas para ele. Willermoz quebrou sua promessa de silêncio apenas por excesso de zelo. Foi para corrigir os erros do Agente, sua ação cada vez mais estranha e obscura, que ele o levou a se revelar e a se nomear.


A história é curiosa em mais de um aspecto; ela lança uma luz peculiar sobre o mecanismo da divinação de um sujeito extra-sensível e a psicologia original dos fervorosos do magnetismo e do sonambulismo. M. Van Rijnberk fez um belo elogio a Jean-Baptiste Willermoz por sua "integridade intelectual e moral", que merece algumas pequenas observações. Seria um equívoco considerar que o homem de Lyon poderia ser conduzido pelo bom senso e pelas regras da crítica em assuntos de fé. Para decidir sobre algo sobrenatural, Willermoz precisava de uma prova sobrenatural. Portanto, não foi com sua razão que ele se permitiu julgar o Agente Desconhecido, mas com a ajuda das predições de outra inspirada. Ele fez de M.lle Rochette a árbitra de suas perplexidades.


"Quoi de plus sûr? (“o que há de mais seguro?”) Ao explicar a uma sonâmbula as questões que tanto lhe preocupavam, ele evitava incorrer no reproche de indiscrição que poderiam, de outra forma, endereçar-lhe. Graças ao magnetismo, de fato, Rochette acordada não se lembrava do que lhe fora confiado enquanto estava adormecida. Mas ele não se contentou em fazer algumas consultas verbais; o assunto era muito sério e ele tinha uma mente muito metódica para confiar na memória. Ele tomou o cuidado de redigir um resumo dos pontos mais delicados que deveriam ser submetidos à vidente, e guardou em suas anotações as respostas que recebeu. Suas habilidades como bom arquivista fizeram o resto. O segredo do Agente permaneceu registrado nos pequenos cadernos rabiscados em papel amarelado ou azulado, onde Willermoz e Jean Millanois registravam as palavras do sonâmbulo, entregues ao capricho do acaso e à curiosidade dos pesquisadores.


Durante os três primeiros meses da Iniciação, Willermoz havia negligenciado bastante as sessões onde o decano Castellas vigiava os sonos de M.lle Rochette; no entanto, já em 14 de maio de 1785, ele não pôde deixar de testar a vidente, perguntando-lhe o que ela pensava das bênçãos que havia recebido, especialmente da iniciação de 10 de abril. A sonambula foi bastante encorajadora, embora vaga; ela via "tudo bonito e sem nuvens" na ação de que lhe falavam. Na verdade, porém, havia algumas nuvens. Desanimado por não encontrar o livro da Biblioteca Real, Willermoz também havia pedido a ajuda da sonâmbula extra-sensível "para um certo manuscrito grego que não conseguia encontrar"; tudo o que ele obteve foi o conselho de dedicar uma semana à oração para merecer a graça de encontrá-lo.


A opinião de Rochette mudou muito quando, no decorrer do ano seguinte, Willermoz, sem saber mais o que pensar nem a que ação miraculosa se dedicar, decidiu confiar a ela não enigmas obscuros, mas um relato completo das dificuldades em que estava envolvido. Antes de iniciar suas consultas, ele a informou, em duas reuniões realizadas em maio e junho de 1786, de tudo o que era a Sociedade dos Iniciados, em que circunstâncias ela havia surgido, qual era o papel do Agente Desconhecido e quais eram as condições de sua atuação.


A sonâmbula sempre demonstrara um condescendente desprezo pelos crisíacos, que compartilhavam com ela a atenção dos magnetizadores da Concorde. Ela conseguiu rapidamente criar uma situação privilegiada e monopolizar ciumentamente o decano Castellas e até mesmo Jean-Baptiste Willermoz, testemunha conscienciosa de seus sonos. Ao revelar a ela a importância do Agente Desconhecido, este último apontava para um perigo muito mais sério do que aqueles representados por Mion ou Berger, suas rivais habituais; assim, Rochette fez o seu melhor para se tornar indispensável para aqueles que depositavam tanta confiança nela, a fim de manter seu prestígio e as graças das quais ela e seu filho dependiam.


Era ainda mais necessário para ela fazer isso porque também havia provocado o descontentamento de seus protetores em muitos pontos. Em junho de 1786, Willermoz achou útil resumir em 12 artigos uma agenda de críticas que tinham para lhe dirigir. Ele pensava que, em estado de sono, a senhorita seria mais capaz de tomar resoluções sábias e até mesmo indicar como corrigir seus erros. Na verdade, sua conduta não condizia bem com a vocação de uma vidente iluminada pela luz divina; embora Castellas sempre tenha buscado fazê-la viver de maneira pacífica e edificante, Rochette se deixara envolver em todo tipo de aventuras meio magnéticas, meio sentimentais. Além das sessões presididas pelo decano, havia sessões menos serenas, onde um jovem magnetizador, o Irmão O'Brenan, desempenhava um papel bastante duvidoso. Castellas foi praticamente excluído. Houve cenas de acalorados reproches que, segundo a própria interessada, pouco combinavam com a idade e o caráter do bom eclesiástico. Millanois foi escolhido como diretor particular e confidente íntimo; ela despejou sobre ele suas explicações, suas protestações de inocência e virtude e também a expressão de sua dor, pois O'Brenan, fugindo de um relacionamento complicado, havia deixado Lyon, aparentemente insensível aos argumentos da senhorita e aos conselhos de seus amigos. Se essa partida resolvia a questão, não restaurava a confiança da sonâmbula em Castellas. Millanois permaneceu seu magnetizador favorito, a quem eram reservados sonos particularmente íntimos que o decano desconhecia. Pelo contrário, Willermoz compartilhava confidências e se envolvia em todas as intrigas que essa pessoa surpreendente conduzia, seja em estado de vigília ou de sono, com uma serena impudência.


Ela estaria errada em se sentir constrangida. Sabemos que essas aventuras não abalavam em nada a confiança de Jean-Baptiste Willermoz no sonambulismo magnético e em sua sonâmbula específica. Foi justamente nessa época que ele organizou suas ideias sobre essas questões atuais. Ele contemplava três tipos de sono: aqueles que são falsos e mentirosos; aqueles que são quase exclusivamente resultantes da vontade do magnetizador e têm apenas virtudes terapêuticas; aqueles que são causados pela vontade combinada do magnetizador e do sujeito, que são concedidos pela misericórdia divina para a cura dos males da alma e a instrução espiritual dos homens. Este terceiro caso era claramente o único ao qual Willermoz se apegava. Ele descrevia as peculiaridades que apresentavam, sua frequência, sua regularidade, o fato de dependerem de um único magnetizador, instituído diretor e guia de toda a ação. Ele comparava o estado do sujeito adormecido, desprendido de todo o seu corpo e das imperfeições da matéria, às qualidades gloriosas do homem antes da queda. Ele descrevia as diversas características da clarividência, que ocorre por inspiração, audição ou visão espiritual. Não podemos nos iludir sobre como ele entendia esses fenômenos. Ele simplesmente os via como uma manifestação miraculosa da Providência, "querendo, pela sua extrema bondade, socorrer os homens cegos que não veem mais no Evangelho senão uma história feita para agradar"; ele acreditava que Deus queria impressionar os sentidos dos incrédulos com "esse gênero extraordinário de manifestação", e que esse método de comunicação entre Deus e os humanos duraria até o fim dos tempos.


Uma foi tão total e tão sinceramente expressa - com as únicas ressalvas usuais sobre a perversidade do maligno - explica a influência que M.lle Rochette pôde exercer sobre a mente de Jean-Baptiste Willermoz. Convencido de possuir um meio providencial para comunicar-se com Deus, o homem de Lyon teria sentido escrúpulos em não usá-lo em todas as ocasiões possíveis. Oportunidades materiais, em primeiro lugar: conselhos e tratamentos médicos são numerosos nos relatos dos sonos. A sonâmbula nunca está sem receitas de caldos estranhos destinados a curar uma grande variedade de males. Sua clarividência também se estende a todos os tipos de outros assuntos. Willermoz a interrogou sobre sua irmã Marie, que estava tendo muitos problemas de negócios e parecia também se dar muito mal com seu marido, Jean Saunier. Ela também aprovava Millanois em vender sua posição como advogado. Em suma, ela se envolvia, tanto quanto possível, na vida privada daqueles que a procuravam.


O Presidente do Colégio dos Grandes Professos e Venerável Mestre da Beneficência, Guillaume de Savaron, faleceu em 12 de julho de 1786, sendo cuidado pelo Dr. Willermoz. Sua morte naturalmente trouxe longas cenas dramáticas nos sonos, onde Rochette via o falecido, assegurava a seus amigos de sua felicidade celestial e transmitia mensagens à sua irmã, a Sra. de Saint-Didier. Isso foi um caso excepcional, pois desde maio de 1786 observa-se que, para a sonâmbula, os assuntos dos vivos estão cada vez mais em primeiro plano do que os dos mortos.


A substituição de Gaspard de Savaron e as promoções dos oficiais da Beneficência dão origem às suas exortações inspiradas. O destino da sociedade da Concorde preocupa-a, e ela aconselha que seus fiéis não deixem sua loja magnética perecer e não abandonem suas antigas ocupações de curadores. Os trabalhos de Barberin em Paris, a sociedade especial que os Grandes Professos de Estrasburgo estavam prestes a fundar em Estrasburgo para experimentar, por sua vez, o magnetismo animal, dão origem a consultas; o Dr. Giraud recorre a ela para aprender a magnetizar; também lhe perguntam qual é sua opinião sobre a Cavalaria maçônica, sobre as relações entre os Templários e a Maçonaria, e naturalmente sobre os códigos e rituais que Willermoz estava sempre elaborando. Rochette dá uma resposta a cada pergunta e, do alto de sua inspiração, repreende magnetizadores e sonâmbulos. É-lhe mencionado um soldado de Besançon cujas habilidades como adivinho estão causando sensação? O militar clarividente é rejeitado como simulador e falso profeta. A pitonisa de Lyon não suporta a concorrência.


Ela não tolerava a contradição. Todos os membros dos círculos ocultos que mostravam algum tipo de indiferença eram sobrecarregados, nos sonos, com julgamentos maliciosos. O Dr. Willermoz é acusado de ter pervertido nele os dons da graça, e a mística Sra. Provensal não é tratada melhor; em várias ocasiões, Rochette a acusa de exercer uma influência negativa em seu círculo social e até mesmo em seu irmão; ela chega a ver nela a causa que prejudica sua inspiração. Assim, Willermoz recebe a ordem de desconfiar de sua irmã e mantê-la afastada de seus segredos. Claude de Saint-Martin, durante suas estadias em Lyon em 1785 e 1786, também não conquistou o favor da sonâmbula. Ela sempre recusou admiti-lo à sua cabeceira e frequentemente desprezava responder às perguntas que ele lhe fazia. Sem dúvida, ela não ignorava que, ao demonstrar desprezo pelo caráter e trabalho desse Irmão, ela certamente agradaria a Jean-Baptiste Willermoz. Mas Saint-Martin, que frequentava O'Brenan, também poderia formar uma opinião sobre a senhorita e se consolar bastante bem com essa severidade.


No meio de todas essas questões, os assuntos da Sociedade dos Iniciados ocupam um lugar importante nas consultas da sonâmbula Rochette. Podemos acompanhar, nos registros dos sonos - anotações de Millanois ou resumos de Willermoz - seus esforços de junho de 1786 a agosto de 1787, inicialmente tímidos e depois muito seguros, para diminuir o respeito dos Iniciados por seu oráculo oculto, a fim de assumir para si mesma o papel de guia e inspiradora. A ambição se delineia de forma bastante clara apenas no final do verão de 1786, sem dúvida quando O'Brenan a abandonou, e ela teve que temporariamente desistir do desejo de se casar, o que escandalizava o decano Castellas. Desde esse momento, a sonâmbula não perdeu nenhuma oportunidade de se envolver na conduta e na doutrina do Agente Desconhecido.


Quanto à doutrina, seu desempenho é medíocre. No entanto, foi nesse ponto específico que ela mais ofereceu aos Iniciados suas luzes sobrenaturais. "Em geral, ouçam", disse ela no sono de 28 de setembro de 1786, "haverá coisas em suas instruções que os confundirão, que serão obscuras para vocês, vocês só precisam me contar, e responderemos claramente." Uma bela promessa que, naquele momento, deve ter trazido um verdadeiro alívio para aqueles que realmente precisavam de comentários e clareza para se encontrar em suas instruções. O infortúnio é que Rochette, não tendo nenhum conhecimento dos ensinamentos de Pasqually, que eram a base das elaborações do Agente, não podia de forma alguma cumprir o papel que pretendia.


Ela tentou mesmo assim. Primeiramente, para garantir todas as vantagens em uma área tão delicada, ela não deixou de especificar que só falaria sobre essas questões mediante uma pergunta precisa. Ela desconfiava com razão da confiança que seus amigos depositavam em sua lucidez; enquanto ela tinha uma grande necessidade de entender o que eles esperavam dela e qual era o motivo de suas preocupações. Isso não poderia ser adivinhado apenas pela metade. Em 6 de outubro, percebendo as dificuldades de sua tarefa, ela declara que só promete respostas para perguntas suficientemente claras: "aqui está a maneira de instruí-los. Vocês precisarão expor as coisas, mas não devem colocar o último como o primeiro. Eu prometo responder a todas as perguntas claras e diretas, feitas para serem compreendidas". Para melhor ajudar sua compreensão sonâmbula, ela começou a se informar sobre as ideias da Iniciação, assim como já tinha se informado dos fatos. Willermoz atendeu a esse desejo, instruindo-a durante os sonos de 25 e 26 de outubro. De maneira prestativa, como exemplo, ele leu para ela os cadernos da Doutrina da Verdade.


Uma pergunta surge: como Willermoz continuava a admirar a clarividência de alguém que ele próprio era obrigado a instruir? Que valor poderiam ter para ele conselhos dos quais ele mesmo tinha que fornecer todos os elementos? O fato é que essas condições, que nos deixam perplexos, não pareciam detê-lo. Tudo o que acontecia nos sonos de Rochette lhe parecia de natureza sobrenatural, e ele não via motivo para se surpreender. A sonâmbula, que não era desprovida de habilidade, cuidou de explicar a razão de suas exigências; ela declarou que não era para si mesma que colocava essas condições, pois, pela graça do sonambulismo, ela conhecia todas as coisas, mas sim para o bem dos Iniciados. Ela pretendia obrigá-los a esse árduo trabalho de esclarecimento, classificação e exposição apenas para economizar tempo para eles - pois às vezes é demorado decifrar o pensamento - e principalmente para obrigá-los a corrigir suas próprias fraquezas e recuperar a calma de seus espíritos. Se eles esperavam contar com ela para evitar o trabalho de desenrolar o emaranhado de suas instruções, estavam, como se vê, enganados.


Ela também não teve grande sucesso quando foi solicitada a opinar sobre a classificação dos seres imateriais. As comunicações recebidas pela Sociedade dos Iniciados enriqueciam as instruções de Pasqually com todos os tipos de nomes e detalhes, que não eram muito fáceis de compreender. Apesar de seus dons divinatórios, M.lle Rochette não foi de nenhuma ajuda para esclarecer a descrição do mundo espiritual dos Cohens, que já era bastante complexo, e que o Agente complicava ainda mais deliberadamente. No entanto, Willermoz a ajudava com seus comentários, e Millanois se deu ao trabalho de expor a ela a hierarquia dos agentes, espíritos e virtudes, dos quais Jesus é o chefe absoluto, as classes de espíritos puros, as virtudes celestes dirigidas pelo anjo Miguel, as virtudes celestes secundárias das quais Maria é a rainha, as virtudes secundárias terrestres que têm Oulog como agente, a seção dos seres impuros chamados seos, e todo o emaranhado dos agentes Nictos, Soctos, Matros, com a história de suas promoções ou quedas, até a classe chamada "doncilarion", onde se encontravam os agentes passivos, nem bons nem maus, nem materiais, nem espirituais. Mas, apesar do cuidado em instruí-la, a senhorita não tinha nenhum gosto por essas sutilezas e achava muito cansativas as preocupações de seus amigos e absurdos os ensinamentos do Agente. Desde o início dessas consultas, ela tomou a decisão de negar em bloco, como errôneo, tudo o que não fosse facilmente compreensível, e manteve-se firme nessa posição. Ela se recusou a admitir a existência de outros seres além de Deus, os anjos, os demônios e os homens, nem outras distinções na natureza humana além da do corpo e da alma. Sua convicção se baseava em um argumento irrefutável: "Deus não quis dar aos homens ideias elevadas para afundá-los e lhes dar ideias sombrias". Embora não tivesse gosto por devaneios metafísicos, não lhe faltava bom senso, e os conselhos que dava aos Iniciados eram bastante sensatos: "comecem por se libertar das ideias obscuras e sombrias e digam: não as compreendi, são apenas fantasmas. Deus não disse que iria lhes dar luzes para mergulhá-los em um abismo. E por que se está no atoleiro? Porque se colocou ideias sombrias sobre ideias sombrias, e enquanto se continuar a colocar imaginação sobre imaginação, não sairão disso".


O infortúnio era que essa sabedoria prática, que oferecia um critério conveniente para discriminar o verdadeiro do falso, estava em contradição com tudo o que Willermoz havia se acostumado a acreditar, tudo o que constituía o essencial de suas convicções. Sua educação como maçom, as instruções de Pasqually, o estudo assíduo que ele havia realizado para compreender o Tratado da Reintegração, o conhecimento que ele havia adquirido das doutrinas do ocultismo contemporâneo, tudo isso o havia persuadido de que o universo não é mais do que um conjunto de mistérios e símbolos, que o mundo material, o homem, as religiões, os eventos da história, as doutrinas filosóficas, os rituais da Maçonaria, assim como a linguagem e os números, são um tecido de hieróglifos onde Deus inscreveu sua verdade. Willermoz estava demasiado habituado às explicações simbólicas, demasiado acostumado aos fantasmas, para adotar sem hesitação a postura simplista que lhe aconselhava a voz inspirada. Ele objetou, em 5 de outubro de 1786, que as palavras incompreensíveis e as frases enigmáticas das mensagens do Agente Desconhecido eram tipos de "figuras e muitas vezes provações". Rochette era completamente incapaz de compreender a extensão dessa objeção e até mesmo o sentido que Willermoz lhe atribuía. Ela respondeu com segurança e utilizando o termo "tribulação": "Deus não envia tais provações, 'provação' no sentido de... Ele não quer prová-los afundando-os nos abismos...". Nenhuma consideração pôde fazê-la desviar-se dessa lógica sensata: "se querem dar figuras, que deem coisas sensíveis que vocês possam entender e não este abismo de obscuridade". Por outro lado, ela anunciava que apenas ela poderia resolver os enigmas do Agente Desconhecido e que nada de bom seria feito sem ela; mas, enquanto isso, ela não trazia aos Iniciados senão a ajuda negativa de um senso comum bastante banal.


A sonambúlica acusava a outra de se deixar levar pela imaginação e pelo orgulho, contrariando assim a inspiração divina; ela não admitia que a pessoa que escrevia fosse tão irresponsável e ignorante quanto pretendia. Baseada em sua própria experiência, suspeitava da sinceridade da outra inspirada e insinuava que a influência de um homem familiarizado com os círculos secretos de Lyon poderia ser a fonte de onde o Agente tirava parte de suas informações. Contudo, ela não negava o papel do outro como intermediário divino, mas o acusava de desempenhá-lo de maneira errada e de perturbar, por sua culpa, a ação sobrenatural. Para reparar esse dano e devolver aos Iniciados a verdade em sua pureza original, Rochette oferecia apenas um meio: sua estreita colaboração com o Agente Desconhecido. Ela faria o trabalho e o Agente o redigiria; sem dúvida, nessa colaboração, ela pretendia assumir o papel principal e relegar o misterioso inspirador dos Iniciados ao papel de um secretário dócil.


Para alcançar seus objetivos, Rochette precisava primeiro descobrir a identidade da pessoa desconhecida, autora das mensagens. A sonâmbula se esforçou ao máximo para isso. Já no final de setembro de 1786, ela deu a Willermoz a autorização sobrenatural — entende-se — de se abrir com Millanois e de não carregar mais sozinho o "fardo de seu segredo". Dois meses depois, sem ter obtido sucesso, ela insistiu novamente; dessa vez, também pediu confidência ao decano Castellas, pois, para ela, sua clarividência magnética tornava qualquer revelação desnecessária. Ela acrescentou que não era para cumprir a vontade de Deus, mas por vaidade, "ação ruim" e medo humano que o Agente queria permanecer desconhecido. Ela insinuava que o decano já tinha alguma ideia da verdade e que, se ela mesma não a revelava, era por complacência para com o Agente e para deixá-lo ter o mérito de corrigir seu erro. Essa complacência privou Rochette de dar aos seus magnetizadores uma prova de seus dons de adivinhação. Para nós, resta a dúvida sobre o quanto ela estava segura de si mesma, ao ver o quanto ela insistia para que Willermoz revelasse o Agente ao decano e a Millanois, e sem dúvida a ela mesma por meio deles.


A sonâmbula também seguia outro método. Ela declarou que estava encarregada de dar conselhos importantes ao Agente Desconhecido, mas que não podia confiar esses conselhos a ninguém além dele mesmo. Willermoz teve que intervir e servir de intermediário entre essas duas influências rivais, para que o Agente considerasse os motivos superiores que justificavam essa iniciativa e viesse receber as lições da crisiaca.

O Agente Desconhecido não se deixou persuadir facilmente. Parece que ele tentou discutir a importância dos sonhos e o valor das críticas que eles continham a seu respeito. Ele mencionou a Willermoz que essas profecias refletiam tão fielmente suas próprias preocupações que se poderia pensar que ele as inspirava. Essa objeção impressionou o líder dos Iniciados, mas ele tinha apenas um meio de resolvê-la, o mesmo que vinha empregando há meses para descobrir a verdade sobre qualquer tipo de questão. Ele fez da sonâmbula a juíza da crítica que o Agente Desconhecido lhe fazia. Em 6 de dezembro de 1786, a interessada, adormecida, declarou que era totalmente impossível para ela sofrer qualquer influência humana, porque o ato de tentar influenciar suas respostas justamente interromperia sua inspiração; o que pareceu uma resposta decisiva para os presentes. Menos respeitosos da ação magnética e dos fenômenos do sonambulismo, notamos que, se a vidente adivinhava muito bem o Agente, este lhe retribuía na mesma moeda. Os dois augúrios dos círculos secretos liderados por Willermoz tinham, para se criticar mutuamente, muita finesse e penetração. No entanto, nesta luta de influências, o Agente foi derrotado, sem dúvida porque era o mais sincero.


Ele admitiu o princípio de se fazer conhecido, e isso foi feito no início do ano seguinte. No final de abril de 1787, duas pessoas vieram ouvir os conselhos da sonâmbula: o comandante de Monspey e sua irmã, Madame de Vallière.


Assim se desvendava todo o mistério. Foi pela mão de Madame de Vallière, Marie-Louise de Monspey, canônesa de Remiremont, que foram compostas as singulares mensagens do Agente, por sua instigação que se formou a Sociedade dos Iniciados de Lyon, e era seu irmão quem servia de mensageiro entre ela e Jean-Baptiste Willermoz.


Devo admitir que estamos um pouco decepcionados, ou pelo menos nos perguntamos o que o Lyonnais achava tão surpreendente, tão inesperado nesse milagre? Parece-nos de certa forma normal que tal fenômeno tenha ocorrido no círculo de Alexandre de Monspey, um dos primeiros magnetizadores da região, amigo e mestre de Barberin e, como ele, um experimentador tão zeloso quanto engenhoso. Entendemos muito bem que uma mulher que vivia em sua intimidade tivesse a oportunidade de se envolver em experimentos magnéticos, de aprender os princípios da Maçonaria ocultista e também de se maravilhar com a linguagem especial com a qual Pasqually expressava suas doutrinas e as figuras cabalísticas com as quais as ilustrava. Precisamos lembrar que o comendador era um Coen muito avançado, que se entregava a cálculos de aritmosofia e compartilhava, sem dúvida, o interesse de seus colegas pela língua hebraica? Sua irmã, a canônesa, participava de seus estudos e pesquisas? Era apenas uma confidente apaixonada? Ele a magnetizava? Estamos aqui no reino das hipóteses. Nos faltam documentos para saber em que circunstâncias surgiu essa curiosa vocação e como a mão inspirada dessa piedosa senhorita, traçando desenhos fantásticos, caracteres bizarros, palavras ainda mais estranhas, tornou-se o instrumento de uma inspiração extraordinária que pretendia revelar a verdade aos homens.


Esses fatos são suficientes para julgar que Willermoz exagerava ao afirmar que a "misericórdia divina", ao escolher Mme de Vallière como intermediária, tinha tomado "o caminho mais inesperado, mais extraordinário que a mente humana pode conceber". Certamente, a autoridade tanto mundana quanto moral da família de Monspey o protegia contra qualquer fraude interessada; mas é certo que, ao escrever esses comentários entusiásticos para Ferdinand de Brunswick, Willermoz cedia ao desejo muito natural de apresentar, sob as cores mais sedutoras, a estranha graça que lhe era concedida e à tentação de tornar seu milagre ainda mais belo do que era. Além disso, não nos deteremos por mais tempo sobre os caminhos da misericórdia divina...


Os tempos haviam mudado; a ilusão maravilhosa se dissipava. Mme de Vallière, para confortar Willermoz, concordou em seguir os conselhos da sonâmbula, a fim de corrigir sua inspiração cada vez mais confusa e delirante.


Antes disso, a astuciosa Rochette cuidou de se informar com Willermoz e Millanois sobre essa ação e as forças que dirigiam a mão inspirada. O jovem advogado era especialmente qualificado para explicar as condições desse estado específico. Ele próprio, por viver no meio dos fenômenos e das fantasias magnéticas, às vezes sentia-se tornar um agente por conta própria. Ele ambicionava o papel desse Mestre desconhecido, que deveria suceder ao primeiro Agente e estabelecer o reinado de Cristo entre os Iniciados? Eu não sei. Às vezes, uma força sobrenatural se apoderava dele e o obrigava a escrever. Mas sua inspiração não era única. Ele distinguia a intervenção de seu anjo da guarda ou a dos "volong", espíritos malignos. Deve-se admitir que o estranho dom de Mme de Vallières tinha algo de contagioso, pois uma dama vizinha e amiga dos Monspey, Mme de Bellescize, apresentava, em setembro de 1786, a mesma habilidade de escrita automática.


Rochette não se deixou intimidar por esses prodígios; ela conhecia muito bem o processo de sua própria inspiração para respeitar a dos outros. Primeiramente, ela se opôs à pretensão de irresponsabilidade do Agente. As instruções dos sonos obrigaram Mme de Vallière a aceitar um tratamento específico, que deveria acalmar sua excitação nervosa e ensiná-la a se controlar, para que ela pudesse, mesmo sob a influência da ação sobrenatural, guiar sua mão ao traçar caracteres legíveis e sua mente ao escolher ideias claras. A cura consistia principalmente em copiar, todas as noites e todas as manhãs, uma invocação composta para esse fim. A eficácia não estava ligada ao significado eminentemente respeitável da oração, mas principalmente no ato de escrevê-la. De fato, as duas cópias deveriam ser comparadas; se a escrita da noite fosse diferente da da manhã, era um sintoma grave de que ela não havia sido capaz de se proteger das influências perversas.


Estabelecido em maio, o tratamento deveria durar seis semanas. Parece que foi seguido e até mesmo que produziu resultados favoráveis. De qualquer forma, no mês de julho seguinte, vemos Rochette muito contente por ter sido bem-sucedida e aproveitando um sono para triunfar sem modéstia sobre Mme de Vallière: "você percebeu muito bem", insiste ela, "que você tem uma vontade própria e que pode fazê-la agir, você a distinguiu muito bem e que ela tinha um poder". O trecho é bastante curioso. Ele lança luz sobre a natureza real desses estados de inspiração, que parecem independentes da vontade, mas que, no entanto, não são passivos apenas em aparência.


A médium poderia agora abandonar sua severidade em relação ao Agente, agora conhecido e dócil, e trazer de volta alguma esperança aos Iniciados desanimados. Ela anunciou então que sua colaboração em breve tornaria Mme de Vallière capaz de retomar sua ação de maneira brilhante. Ambas escreveriam uma obra limitada à natureza humana e ao seu destino, mas tão perfeita e luminosa que todos os homens de boa vontade seriam convencidos e convertidos. Em tais circunstâncias, era necessário preparar Mme de Vallière para se tornar o instrumento dessa grande empreitada. Rochette lhe forneceu uma oração que ela recomendava recitar frequentemente e cujas intenções eram tão edificantes quanto o estilo fraco.


“Estou aos vossos pés, Deus todo-poderoso, Deus conhecedor, para vos servir e ser um Agente para a instrução dos meus irmãos. Sinto os dons e as graças que quereis derramar sobre mim, e quero senti-los apenas. Destes-me uma vontade, da qual posso dispor; não soube usá-la de forma a vos ser agradável. Mas agora que sinto todo o meu poder nela, quero usá-la apenas para a vossa vontade. Estou em vós sozinho com alegria, com tranquilidade, com calma, e me perturbaria às vezes? Não, não me perturbarei, porque estou convosco. O que perturba é mau, e o que perturba afasta-vos. Não me afastarei, porque não quero, e o que quero e desejo é servir-vos permanentemente e servir aos meus irmãos e, no final deste tempo, devolver-vos a minha alma.” Depois disso, restava apenas a Mme de Vallière esperar a ação do espírito na tranquilidade, nas tarefas domésticas, nos cuidados com as crianças.


Um programa sábio e relativamente moderado, mas do qual não temos muitas notícias além das um pouco lacônicas que o catálogo dos Cahiers de l'Agent inconnu nos traz. No entanto, sabemos que em 1788, após o seu tratamento, o Agente retomou a dar regras à Sociedade dos Iniciados e enviou novas instruções. Mas a sua docilidade em corrigir o seu trabalho e em obedecer às observações de Willermoz e da sonâmbula não melhorou as coisas; as últimas mensagens não eram mais claras do que as anteriores e, assim como as primeiras, não estavam isentas de repetições irritantes. A obra de luz ainda não se revelava.


Em 10 de dezembro de 1788, Willermoz convocou uma reunião geral, onde expôs suas dúvidas e ansiedades à Sociedade "inquieta e perturbada". Ele propôs a dissolução do grupo? Não disse. Talvez a esperança persistente de uma recuperação ainda estivesse latente em seu coração, já que ele se contentou em enviar ao Agente uma nova reprimenda. Ele ainda mantinha seu papel de depositário e pastor.


A intervenção da Sonâmbula, no entanto, mudou suas próprias convicções. Willermoz passou a ter uma visão mais cautelosa dos dons de Mme de Vallière, achando que nela a fraqueza humana atrapalhava um pouco a graça. Embora ele ainda mantenha um grande interesse por ela, esse sentimento está longe do entusiasmo emocionado e reverencial que ele expressou três anos antes diante do milagre. A ação do Agente não era mais o objeto de meditações quase religiosas para ele, mas sim um assunto de conversa e discussão com seus amigos Millanois, Périsse e Paganucci, que estavam a par do segredo.


Será que alguém se preocupará em saber o que aconteceu com Rochette? Ao folhear apenas os documentos secretos de Jean-Baptiste Willermoz, nada se pode deduzir. Após 12 de agosto de 1787, data do último sono que conhecemos, não há mais nenhuma pista dela. Nem Millanois, nem Willermoz acrescentaram qualquer nota à breve biografia da moça, que um ou outro compôs como prefácio para os primeiros dos seus sonos. O próprio nome da sonâmbula foi cuidadosamente riscado de todos os lugares nos registros onde havia sido inscrito.


Qual poderia ser o motivo para essa discrição? Na verdade, podemos imaginar. Os últimos sonos da vidente mostram bastante que ela sofria por se sentir caluniada e desejava melhorar sua reputação. Em julho de 1787, ela pediu aos seus seguidores para fazê-la passar por uma viúva cujo marido teria falecido no exterior, como na Espanha ou na Itália. Essas preocupações me pareceram sintomáticas; por isso, folheei, pensando nela, os registros paroquiais de Lyon. No volume dos casamentos da paróquia de Saint-Nizier, datado de 1 de outubro de 1787, há um registro do casamento de Antoine Saunier, "filho legítimo de Sr. Jean Saulnier e da senhorita Marie Willermot", com a senhorita Gilberte Rochette. O casamento, de fato, ocorreu em Chaponost em 3 de outubro seguinte. A mãe do noivo e seu tio não compareceram à cerimônia. Nenhum dos fiéis da capela magnética figura como testemunha dessa união, que introduziu sua vidente na família de seu guia espiritual.


Em junho de 1788, Willermoz, depositário geral dos círculos místicos que havia constituído, reuniu em seus arquivos pessoais todos os pequenos cadernos onde foram registrados os relatos dos sonos que Rochette teve, de 1785 a 1787, sob a direção de Castellas e de Millanois.


Os Maçons de Lyon não foram os únicos a vivenciar, durante esses anos, experiências curiosas e decepcionantes. A prática do magnetismo animal causou, em todos os círculos ocultistas, profundas transformações. Os tratamentos médicos, as crises e os sonos eram tão ricos em incidentes extraordinários que todos abandonaram suas dissertações sobre os símbolos da Arte Real, seus alambiques de alquimistas, seus cálculos de aritmosofia. A moda alcançou todos os centros: Savalette presidia a Sociedade Mesmérica e fundava uma Sociedade Olímpica dedicada aos tratamentos magnéticos; entre os discípulos de Willermoz, em Grenoble e Estrasburgo, assim como em Lyon, os Colégios de Professos se transformavam em lojas de magnetizadores; até mesmo em Bordeaux, o abade Fournié se gabava de saber adormecer os sujeitos sem contato, segundo os melhores princípios do magnetismo místico.


Esse entusiasmo geral teve a vantagem de pôr fim às antigas disputas de preeminência que dividiam o mundo dos iluminados desde o Convento de Wilhelmsbad. Savalette de Lange se reconciliou com Willermoz. Ele falava elogiosamente da Concorrência de Lyon em seus jornais e proclamava que faria de bom grado a viagem de quatro patas para ser admitido lá. Mas era prudente desconfiar, pois muitas mulheres "de cabeça viva" se envolviam em promover o magnetismo e apoiar os magnetizadores, e Savalette se dava muito bem com as duquesas exaltadas. Por outro lado, o Dr. Sébastien Giraud dedicava todos os seus cuidados a uma só pessoa, a duquesa de Brissac, a quem ele tratava e introduzia nos círculos de seus colegas e amigos, para que contribuíssem para sua cura e instrução mística. As "escolas da matéria e da irracionalidade" estavam ganhando terreno nos templos espiritualistas. Saint-Martin, com seu primeiro entusiasmo acalmado, lamentava o "jugo de ferro das paixões" e se preocupava com os caminhos singulares que as pessoas seguiam. O tempo estava longe em que a verdade se mantinha escondida em círculos discretos, dissimulada sob o véu dos símbolos, um mistério supremo e última recompensa prometida ao buscador no final de longas iniciações; ela se entregara a todos, corria pelas ruas como uma prostituta, e não era tratada melhor. O barão de Gleichen declarou, em 1785, a Tieman, "que a verdade é como uma virgindade" que todo mundo busca e julga cara, e da qual se diz, corando após tê-la alcançado, que é muito pouco.


Uma correspondência, preservada nos arquivos da Grande Loja de Copenhague, permite acompanhar passo a passo a progressão desse desencantamento entre alguns Grandes Professos de Estrasburgo. Aqueles que haviam se mostrado defensores das doutrinas de Willermoz e campeões de sua reforma mística, aqueles que aceitavam sem discussão apagar a palavra de passe Tubalcaína e até mesmo se esforçavam para demonstrar aos seus irmãos na Alemanha a validade dos argumentos do Diretório da Auvergne sobre esse ponto delicado, agora se mostravam completamente mudados e completamente desiludidos de seu antigo entusiasmo. Bernard de Turkheim, a Navibus, expressava, em agosto de 1786, um vivo desejo de sair "do círculo dos mistérios e das iniciações". Essa conversão não era resultado de seu fracasso em penetrar nos segredos dos místicos. Pelo contrário, a razão era oposta. Ele se dobrava sob o peso das promessas, das eleições, dos apelos e das instruções; as graças espirituais, que ele havia aguardado com desejo e aceitado com prontidão, haviam acabado por se tornar uma mistura indigesta que sua mente não conseguia mais suportar. Isso é compreensível. Os habitantes de Estrasburgo não estavam apenas associados às descobertas do círculo de Willermoz e de seus amigos, eles também desfrutavam da confiança de Charles de Hesse. Provavelmente em 1784, o landgrave havia passado algum tempo com eles para aperfeiçoar sua instrução nesses graus secretos, que Willermoz trouxera de volta do Convento de Wilhelmsbad. Ele havia derramado sobre eles toda uma série de "novas verdades". Ele ofereceu afiliá-los a uma nova igreja da qual ele havia recebido a revelação durante o inverno de 1785, e que nada menos era do que a descendente daquela fundada pelo apóstolo São João, para guardar o valioso depósito das confidências particulares de Jesus Cristo. Essas promessas maravilhosas se cruzaram com as de Willermoz, que, ao mesmo tempo, estava formando sua Sociedade dos Iniciados.


Bernard de Turkheim, alvo desses favores, inicialmente respondeu ao chamado do Agente Desconhecido e recebeu em Lyon, durante os anos de 1785 e 1786, uma "instrução imensa", na qual colaboraram Willermoz, Millanois e Saint-Martin. Ele leu os cadernos de instruções, os mensagens dos sonâmbulos, e refletiu sobre essa revelação que pretendia abranger a natureza espiritual, material e temporal do universo, e também pretendia ser a verdade divina, à qual todas as religiões inspiradas e todos os fervorosos cristãos deveriam se unir. Ele voltou de Lyon completamente perturbado e decepcionado. No entanto, é provável que o Professo de Estrasburgo não conhecesse os bastidores da Loja Eleita e Amada, nem as preocupações de Willermoz diante das contradições de Mme de Vallière e das inconsistências de Mlle Rochette. A experiência que ele adquiriu, no entanto, foi suficiente para tirar dele qualquer desejo de ir até Charles de Hesse para ouvir as instruções originais do amado apóstolo.


O catolicismo excêntrico e exaltado, presente nas instruções do Agente Desconhecido, acabou por desagradá-lo. Ele havia aceitado anteriormente, mas mais por disciplina do que por vontade própria, as tendências católicas que já inspiravam tantos aspectos da Maçonaria templária e da Ordem dos Grandes Professos. No entanto, sob a influência dos sonâmbulos devidamente catequizados, as doutrinas do círculo de Lyon tornavam-se cada vez mais difíceis de serem aceitas por um protestante sério; o espírito de sistema, a obrigação de se submeter a uma autoridade superior e infalível, a confiança no valor mágico ou sagrado das palavras, sinais e cerimônias, tudo isso tinha a marca do mais puro papismo. Uma ignorância dócil era proclamada como mais útil para a salvação da alma do que uma adesão voluntária e livremente refletida. Turkheim recuou. Sua aversão foi acompanhada de decepção. Ele havia esperado receber, pela colaboração de Willermoz com o Espírito Santo, o dom da força; mas em Lyon ele não viu nenhuma evidência da bênção divina. Os Iniciados não demonstravam possuir nenhum poder especial. Eles tinham apenas a promessa dos dons do espírito, e essa promessa não se realizava nem para eles, nem para ele. Não era isso uma prova de que o trabalho não era divino?


As cartas que Bernard de Turkheim escreveu, de 1785 a 1787, mostram que ele passou por uma séria crise de consciência, onde a maioria das ilusões de sua vida espiritual se desfez. Ele vinha de longe. Por muito tempo, ele foi um daqueles que imaginavam que certas sociedades maçônicas possuíam o depósito de uma tradição venerável vinda da religião primitiva; ele acreditava na doutrina da reintegração e praticava as operações de Pasqually, convencido de reagir, assim, na "imensidão do espaço criado". Agora, ele reconhecia que tudo isso não se baseava em nada, exceto nas pretensões insensatas dos chefes de seitas e dos inspirados de todos os tipos. Ele rejeitava o próprio princípio das iniciações; o magnetismo, aumentando o número de suas variações decepcionantes, só acentuava os perigos. Cada pequena capela não mais pretendia possuir um depósito de conhecimento conservado humanamente, mas receber diretamente a inspiração celestial, possuir sua própria verdade original, fundar seu reino de Deus particular. Para onde essas quimeras levariam? Qual o sentido de esconder a verdade dos homens, se ela deve ser útil? O reino de Deus já não estava constituído por aqueles que seguiam os ensinamentos de Cristo? Os cristãos poderiam, sem perigo, cultivar a magia e a filosofia oculta e compor teosofias fantasiosas? Bernard de Turkheim não acreditava nisso e se esforçava para lembrar à razão, para "provocar a Bíblia", aqueles que tinham a responsabilidade da Ordem retificada: Charles de Hesse e Ferdinand de Brunswick. Em 2 de março de 1787, ele enviou ao Grande Mestre em Victoria uma longa súplica onde o implorava para tirar a Ordem do impasse perigoso em que se encontrava seguindo os místicos; no interesse de todos, ele clamava por uma nova reforma e aconselhava que desta vez fosse confiada a sábios filósofos cristãos. Para ele, não desejava mais nenhuma novidade extraordinária e os graus simbólicos mais simples lhe pareciam os melhores. Há muito tempo, ele não aspirava mais do que esquecer os tipos e os emblemas e redescobrir a "simplicidade da criança cristã".


Este exemplo é extremamente típico da fadiga que muitos sentiam, naquela época, aqueles que haviam sido fervorosos seguidores do mistério. Certamente, poucos haviam alcançado a lúcida desilusão do Grande Professo de Estrasburgo; mas enfim, mais ou menos, quase todos estavam se afastando das ciências secretas e do magnetismo, que já não tinham o atrativo da novidade. O convento dos Philalèthes de 1785 terminou em desordem e discussões estéreis. Outras reuniões do mesmo tipo falharam no meio da total indiferença. Aqueles que esperavam que a Ordem dos Cavaleiros Benfeitores seria a escolha natural para acolher os irmãos desiludidos com os métodos e conhecimentos de Savalette de Lange estavam muito enganados. Eles pensavam que as pessoas "emocionadas por essas reuniões misteriosas" poderiam ser mais facilmente conquistadas pela verdade. Mas tudo cansa, e os entusiastas do ocultismo estavam cada vez mais entediados, cada vez menos emocionados.


Willermoz, ele próprio, tinha passado pela evolução comum, apesar de sua capacidade de trabalho, seu desejo ardente de conciliar tudo e não negligenciar nada, e sua capacidade de ilusão; ao assistir aos sonhos de Rochette e estudar os escritos do Agente Desconhecido, ele havia esquecido muitas de suas antigas obrigações, talvez até mesmo suas crenças, mas ainda assim havia ganhado um pouco mais de cautela. Não sabemos se ele havia preservado, do dilúvio de novidades, seus deveres como Réau-Croix e se imitava Saint-Martin, sempre fiel em observar os períodos de equinócio. Em todo caso, foi nessa época que ele rompeu com o abade Fournié e parou de enviar-lhe sua pensão.


O abade não reagiu bem a uma decisão que o incomodou muito. Era de se esperar um tratamento diferente, já que ele sempre se esforçou para enviar fragmentos de dissertações místicas e garantias de orações, em agradecimento ao dinheiro que recebia, e sempre mostrou extrema deferência em relação às ideias de seu benfeitor, o Chanceler de Lyon. Mas, em 1787, o tom mudou. Willermoz o teria cansado ao convidá-lo a se unir à Benevolência? Estaria ele ressentido com seu desprezo ou o acusando de denegrir a atividade do centro de Lyon? Seja qual for o motivo, sem mais cerimônias, o pobre homem expressa sua indignação em termos desprezíveis. Ele fez saber a Willermoz que, tendo encontrado a verdade com Pasqually, não tinha mais interesse em buscá-la sob outras tutelas. Além disso, ele não desaconselhava os "homens de desejo" a se colocarem sob a direção do Chanceler de Lyon, pois, desde que buscassem a verdade, "mesmo que caíssem nas mãos do demônio, a encontrariam, contanto que se entregassem a Deus com todas as suas forças". Sua raiva, misturada à sua imaginação, muitas vezes delirante e apocalíptica, o levava a acusar seu colega de um orgulho desmedido e a exigir que ele confessasse o verdadeiro nome de sua Ordem: "pois seu verdadeiro nome, escrito na natureza, proclama o fim do mundo e o reinado da eternidade". Não sabemos o que Willermoz pensou ao ser comparado ao Anticristo, pois ele não respondeu e assim encerrou uma correspondência que durava quase quinze anos.


Outros laços também estavam se desfazendo. Os príncipes alemães estavam negligenciando seu correspondente de Lyon. Saint-Martin, encontrando d'Hauterive na Inglaterra, em janeiro de 1787, relatou a Willermoz a frieza de sua reunião. O visconde de Tavannes estava definitivamente afundando na loucura, e era de se temer que o público culpasse o círculo de seus amigos e seu gosto pelas ciências secretas pelo desvio de sua mente. Em Estrasburgo, Saltzmann e os Turkheim seguiam seus negócios sem grande entusiasmo pelas reuniões místicas. Em Grenoble, Prunelle de Lière se dedicava às ciências naturais e geográficas e colaborava nas publicações científicas do abade Rozier. O próprio Saint-Martin, após se recuperar de seu entusiasmo delirante de maio de 1785, sentia ressurgir nele seu gosto pela paz, liberdade e solidão. As regras das associações às quais Willermoz o havia inscrito começavam a pesar sobre ele, mas ele ainda refletia e queria poupar seu amigo de novas preocupações.


As preocupações, de fato, estavam se acumulando para o Chanceler de Lyon. As simples lojas da Ordem Retificada, mantidas à parte das preocupações reais da Regência, não se esqueciam de sua existência. A Benevolência de Paris mostrava uma tendência irritante de querer se governar sozinha e discutir as diretrizes de Lyon. Em várias ocasiões, de 1785 a 1788, Willermoz teve que lembrar os irmãos da obediência e da moderação. Mas será que ele não tinha nada do desordem e ignorância em que pareciam estar mergulhadas algumas lojas de sua jurisdição? Os graus, rituais e códigos, supostamente reformados em Wilhelmsbad, ainda não haviam sido publicados. Era compreensível que os irmãos se surpreendessem com a lentidão na aplicação das reformas de um convento que havia sido tão amplamente discutido durante as polêmicas anteriores. Willermoz dava explicações embaraçadas aos insatisfeitos e prometia para o ano seguinte os documentos oficiais que estavam sendo solicitados.


A proibição da palavra Tubalcaína também não foi aceita sem murmúrios. No entanto, sabemos que Willermoz teve o cuidado de apresentar essa decisão, e a escolha da palavra Phaleg, como conforme às diretrizes adotadas em Wilhelmsbad, e de explicá-la por meio de várias razões plausíveis. A oposição não contestou essa afirmação equivocada e não discutiu essas explicações; apenas objetou que essa particularidade criaria um cisma e isolaria as lojas retificadas da comunidade maçônica. Mas Willermoz não quis ouvir. Em 1786, a confiança absoluta que ele tinha nas revelações do Agente Desconhecido o impedia de entrar em negociações sobre esse ponto. Ele respondeu que não acreditava que a Maçonaria tivesse como objetivo ser "um elo para unir os homens" e apenas exigiu que confiassem nele, acrescentando que era um momento importante para as sociedades maçônicas e que os iniciantes deveriam se deixar guiar, "com os olhos vendados", sem tentar entender. Era de se surpreender que houvesse mistério em coisas essencialmente misteriosas? Deveríamos nos irritar por ter que praticar a virtude da obediência, que ele habilmente tentava batizar com o nome de liberdade, sob o pretexto de que o dever do verdadeiro Maçom era se submeter livremente? Ele recomendava a seus correspondentes que não invejassem nenhum outro regime e que soubessem se contentar consigo mesmos, dando como exemplo o Diretório de Lyon, que, formado por bons irmãos, há muitos anos se dedicava à busca da verdade e não precisava de filiais para destacar sua importância e seu valor.


Nas outras cidades onde havia lojas da Ordem Retificada da Alemanha, a situação não era melhor: como a decadência que Prunelle havia observado em Grenoble; como o esquecimento que Saint-Martin constatou em Estrasburgo, durante o ano de 1788. Em Marselha, a loja, fundada em 1785 sob o nome de Triple Union, cujo Irmão Achard era o Venerável, recebia todo tipo de documentos oficiais, incluindo o famoso decreto sobre Tubalcaína; no entanto, ela não mostrava grande disposição para a verdadeira Maçonaria. Apesar do nome que ostentava, seus membros eram irmãos inimigos, que não buscavam tanto cultivar os princípios morais e religiosos, quanto se acusar mutuamente de malfeitos, indiscrições e abusos de poder. Em 1787, notícias de um "cisma", como Willermoz escreveu, chegaram a Lyon na forma de uma petição daqueles que alegavam estar insatisfeitos com a liderança do Venerável Achard. O Diretório emitiu, em 17 de fevereiro de 1788, uma ordem contra a loja marselhesa, que nem mesmo os protestos do Irmão Achard conseguiram reverter. O Venerável cometeu o erro de pedir dinheiro para lidar com suas dificuldades financeiras. A resposta foi novamente negativa, sob o pretexto de que o Diretório de Lyon ainda não havia reembolsado, até aquela data, os empréstimos contraídos para a construção de sua casa em Brotteaux.


Um golpe significativo foi finalmente dado pela renúncia do Grande Mestre d'Havré de Croy. O duque parece ter ponderado por muito tempo a ideia de renunciar ao cargo. Sua decisão estava tomada desde abril de 1787, e nem as cartas de Willermoz nem os comentários do conde de Virieu o fizeram mudar de ideia. Sua carta oficial é datada de 18 de fevereiro de 1788. Ele mencionou a impossibilidade de conciliar seus deveres estaduais, sua carreira militar e suas funções maçônicas. É provável que Willermoz tenha esperado até o último momento que o Irmão optato de Croy voltasse atrás em sua decisão, que ele considerava prejudicial para sua sociedade, que já estava tão pouco próspera. A notícia só foi anunciada às lojas do distrito no ano seguinte, na forma de uma deliberação da Regência Escocesa, datada de 28 de janeiro de 1789. O chevalier de Rachais, presidente da Regência, foi escolhido para ser eleito para a mesma dignidade. Willermoz escreveu que esperava que "o nome e as virtudes do respeitável Irmão contribuíssem para o progresso da Ordem e para a manutenção do esplendor deste distrito". Tratava-se realmente de "progresso" e "esplendor"!


I.C.J.M.S.

Que Nossa Ordem Prospere !!!

104 visualizações0 comentário

Comentários


Os comentários foram desativados.
bottom of page