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As Sagradas Escrituras e os Livros Apócrifos

Atualizado: 16 de out. de 2020

Constantemente recebemos de alguns irmãos retificados pedidos de orientação a respeito dos chamados “livros apócrifos”. Fazem-no geralmente na ânsia de responder a outros irmãos que, ao ouvi-los defender a Sã Doutrina Cristã em uma discussão qualquer, opõem-lhes esses tomos na tentativa de silenciá-los levando-os a crer que existe uma outra forma de cristianismo que a Igreja Cristã Oficial (em suas muitas faces) nos negou através dos séculos unicamente para manutenir seu poder temporal. Na maioria das vezes (e isso se percebe com no máximo cinco minutos de transcorrer desses embates) os irmãos que referenciam tais livros deixam claro (explicita ou implicitamente) que desconhecem a cristandade, os Evangelhos Canônicos e até mesmo os livros apócrifos os quais se referem (na esmagadora maioria das vezes tomaram conhecimento desses livros por meio de canais de TV como History Channel - aquele dos discos voadores - revistas como a Superinteressante ou, ainda, por meio de seitas esotéricas duvidosas ou sites diversos sobre esoterismo).


Há uma aura de atração em torno dos apócrifos, especialmente pela marca do “maravilhoso e misterioso” que, para tantos, os caracterizam. Não são poucos os “pensadores ecléticos” e sistemas pseudo-espiritualistas que os têm explorado como expressão verdadeira de uma antiquíssima sabedoria atualmente a nós negada pelas Igrejas Oficiais. Só para dar um exemplo: E. Bunsen, conceituado autor inglês de seu tempo, em sua obra "The hidden Wisdom of Christ and the key of knowledge, or History of the Apocrypha" chegou a dar como certo o fato de que os apócrifos referem doutrinas provenientes do Paraíso Terrestre pela Pérsia ou a Bactriana, legadas aos judeus durante o exílio na Babilônia e finalmente transmitidas a Cristo e Seus Apóstolos. Claro que tal asserção provocou risos irônicos nos meios acadêmicos.


Obviamente que a constatação dessa realidade não lhes tira o valor real; pois apesar dos seus muitos aspectos negativos e outros tantos até mesmo ridículos (falaremos a respeito adiante), refletem algo do que se dava na Igreja antiquíssima: Percebe-se neles as ideias que mais estavam em curso, os embates em torno delas travados e o fervor da alma popular. Além disso, há espaço para se crer que neles não estão inseridos apenas lendas, mas também traços de alguns elementos históricos e doutrinários correspondentes à verdade, elementos que os autores bíblicos não consignaram nos Evangelhos e nas epístolas e que ficaram na Tradição oral dos cristãos (certos dados, referidos pelos apócrifos, até hoje são afirmados pelo povo cristão... em alguns casos, com o consentimento das autoridades da Igreja, em outros casos com o apoio, algumas vezes mais, outras vezes menos explícito das mesmas…também trataremos desse assunto adiante… ) ... E é justamente por tal motivo que os estudiosos se veem obrigados a lhes dar certa atenção.


O que são os Apócrifos ?


Por “apócrifos” (em grego, livros ocultos ou livros dos quais não se faz uso nas públicas assembleias de culto) entende-se uma série de escritos cuja autoria geralmente se atribui a Patriarcas, Profetas ou Apóstolos que, apesar da aparente afinidade com a Bíblia Sagrada não foram reconhecidos pela Tradição Cristã como livros inspirados pelo Divino; em consequência, foram definitivamente banidos da leitura pública e, ainda que alguns fossem utilizados esporadicamente por algumas comunidades, não chegaram a impor-se e nunca foram reconhecidos pela Igreja universal (de forma especial os que estavam carregados de erros doutrinários como por exemplo os de Nag Hammadi).


Origem


Originalmente sóbrias em suas narrativas sobre o passado e em suas expedições sobre o futuro, as Escrituras Sagradas apresentam-nos aquilo que a Igreja chama de Plano Salvífico: Os autores bíblicos, inspirados pelo Espírito Santo, consignaram por escrito a experiência fundamental da salvação e a revelação de Deus, que começa no Antigo Testamento e termina no Novo Testamento. “Deus, que inspirou os livros de um e de outro Testamento e é seu autor, sabiamente dispôs que o Novo estivesse escondido no Velho e o Velho se tornasse claro no Novo” (DV 16). Ela contém as etapas da história da salvação do início até o seu cume, o mistério pascal de Cristo, com o envio do Espírito Santo, deixando de lado tudo aquilo que é irrelevante para tal plano. Todavia essa sobriedade com que Bíblia nos apresenta os fatos narrados, acabou excitando a curiosidade e a fantasia dos leitores antigos, que desejaram, nos últimos tempos antes de Cristo e nos primeiros séculos da era cristã, suprir as lacunas que imaginavam ter sido deixadas por essa parcimônia.


Consequentemente, forjaram-se escritos dotados de títulos e vocabulários característicos dos livros tradicionais da Bíblia: Alguns referiam dados históricos ou reais que os autores sagrados julgaram desnecessário consignar nas Sagradas Escrituras; a maioria, porém, exprimia a imaginação popular e/ou ainda conceitos e ideias heréticas. Tais escritos, após terem sido objeto de controvérsia, foram rejeitados do catálogo bíblico, tomando então o nome de “apócrifos” (como explicado acima).


Como Estão Distribuídos


Os apócrifos dividem-se em duas classes: Os do Antigo Testamento e os do Novo Testamento.


Apócrifos do Antigo Testamento


Geralmente de origem judaica (tendo muitos porém sofrido interpelações por mãos cristãs) foram em sua maioria escritos no desejo de exaltar as glórias do povo de Israel ou exprimir seu sofrimento e esperança quando oprimido pelo jugo estrangeiro nas imediações da era cristã, assumindo assim a feição de profecias ou apocalipses (= revelações). São eles:


  1. Os Apócrifos Narrativos: Livros dos Jubileus, 3o de Esdras, 3o dos Macabeus, Vida de Adão e Eva, Testamento de Adão, Escritos armênios de Adão, Apocalipse de Moisés, Ascensão de Isaías, História dos Recabitas, Paralipômenos (ou Restantes escritos) de Jeremias, Oração de Aseneth, Testamento de Jó, Testamento de Salomão.

  2. Os Apócrifos morais ou didáticos: Testamentos dos XII Patriarcas, Salmo idiográfico de Davi, Salmos de Salomão, Odes de Salomão, Oração de Manassés, 4o dos Macabeus.

  3. Os Apócrifos proféticos e apocalípticos: Livro de Enoque (etíope, hebraico e eslavo), Assunção de Moisés, 4o de Esdras, Apocalipse de Baruque (sírio e grego), Apocalipse de Abraão, Apocalipse de Elias e Sofonias, Apocalipse de Ezequiel, Oráculos Sibilinos.


Tais escritos, em geral, portam pouquíssimo ou nenhum valor doutrinário real; contendo, porém um grande fervor religioso e uma encantadora beleza poética.


Apócrifos do Novo Testamento


Antes de seguir é necessário conceituar: Os evangelhos são um gênero de literatura do cristianismo primitivo que conta a vida de Jesus Cristo, a fim de preservar seus ensinamentos ou revelar aspectos da natureza de Deus; eles não são e nunca se prestaram a ser uma biografia de Jesus. A Biografia é um gênero literário em que o autor narra a história da vida de uma ou mais pessoas. A grosso modo as biografias contam a vida de alguém depois de sua morte, requerem que sejam narradas as origens do personagem (nascimento, infância...) e que suas principais façanhas sejam descritas e, finalmente, se chegue então a narrativa de sua morte.

Em um esquema biográfico temos:


  • Narrativas do Nascimento;

  • Narrativas Sobre a Infância;

  • Narrativas Sobre a Adolescência;

  • Narrativas Sobre Maturidade;

  • Narrativas Sobre o Declínio.


Muitos, desde os tempos antigos, tentaram encarar os Evangelhos como uma biografia entregando-se a uma concepção completamente errônea. Nunca foi do desejo dos evangelistas relatar a vida de Cristo como uma biografia. A função deles foi fazer eco a tradição oral que os apóstolos transmitiram sobre Jesus de Nazaré. A pregação oral anunciava primeiro a Páscoa do Cristo - Sua paixão, morte e ressurreição e seu valor salvífico para o homem; esse era o ponto culminante da pregação oral e mais tarde dos evangelhos: o Plano da Salvação.


Dito isso podemos seguir em frente. Todos os apócrifos do Novo Testamento são de origem cristã e manifestam o desejo de completar as poucas notícias transmitidas pela Bíblia Sagrada a respeito da vida de Jesus, de Maria e dos Apóstolos; por isto os seus temas preferidos são a infância de Nosso Senhor, a história de sua Maria Ssma. e os feitos missionários dos Apóstolos; alguns descrevem também quadros proféticos e apocalípticos de índole fantasista. Como dissemos, uma atitude de piedade misturada à curiosidade e à veneração para com os personagens sagrados foi o que inspirou essa literatura, seu caráter é eminentemente popular.


Conforme o gênero literário em que se encaixam os apócrifos do Novo Testamento podem ser classificados como:


  1. Evangelhos apócrifos: Evangelho dos Hebreus, E. dos Egípcios, E. dos Ebionitas, E. dos Doze Apóstolos, E. de Pedro, Proto-evangelho de Tiago, E. de Tomé, E. da Infância do Salvador (em árabe), E. do Pseudo-Mateus, História de José o Carpinteiro, E. de Nicodemos (consta dos Atos de Pilatos e da Descida de Jesus ao limbo), Trânsito de Maria, E. de Bartolomeu, E. de Filipe.

  2. Atos apócrifos: Atos de Pedro, Pregação de Pedro, Atos de Paulo, Atos de Pedro e Paulo, Atos de João, Atos de André, Atos de Tomé, Atos de Filipe, Atos de Mateus, Atos de Barnabé.

  3. Cartas apócrifas: Cartas de Jesus e Abgar rei de Edessa, Carta dos Apóstolos, Cartas de Paulo aos Laodicenses, aos Alexandrinos, aos Coríntios, Cartas de Paulo a Sêneca e de Sêneca a Paulo, a epístola do Pseudo-Barnabé.

  4. Apocalipses apócrifos: Apocalipse de Pedro, A. de Paulo, A. de Tomé, A. de Estêvão, A. de João, A. da Virgem Maria, A. de Bartolomeu, A. de Zacarias, o Pastor de Hermas.


Não são poucos desses escritos mencionados acima que nos são conhecidos apenas pelo título, ou por fragmentos, ou por traduções (tendo-se perdido a íntegra dos originais). De umas décadas para cá, partes dos mesmos vem sendo descobertas em papiros ou bibliotecas de antigos mosteiros orientais; julga-se que ainda exista, ocultos e dispersos, vários documentos que se enquadram nesse gênero.


E é nesses apócrifos, os do Novo Testamento, que concentraremos nossa atenção nas próximas linhas desse texto. Os mais antigos datam do séc. II; embora às vezes se refiram a tradições orais ainda anteriores, provenientes talvez de Cristo ou das testemunhas oculares da vida de Cristo; o número de apócrifos se foi aumentando no correr dos séculos III, IV e V (período de sua maior eflorescência) até o séc. X aproximadamente.


O Discernimento Entre os Escritos Espúrios e os Verdadeiramente Autênticos.


Os Evangelhos canônicos foram recebidos como tradição autêntica dos apóstolos pelas igrejas do Oriente e Ocidente desde a geração imediatamente posterior aos apóstolos, os apócrifos porém, ainda que alguns fossem utilizados esporadicamente por alguma das comunidades, não chegaram a impor-se nem ser reconhecidos pela Igreja universal. Claro que entre os escritores antigos, encontramos aqueles que chegaram a se deixar iludir pela literatura apócrifa, atribuindo a um ou outro desses opúsculos (ao “Pastor” de Hermas, por exemplo, ou à epístola do Ps. Barnabé) alguma autoridade canônica ou bíblica. Todavia o discernimento entre os escritos bíblicos autênticos e os espúrios ou apócrifos não foi algo necessariamente difícil de fazer. Ora, o método foi até bem simples: Os evangelhos canônicos foram escritos na época apostólica, entendendo-a num amplo sentido, isto é, enquanto os apóstolos ou seus discípulos eram vivos. Assim se depreende das citações feitas pelos escritores cristãos da geração seguinte e que ao redor do ano cento e quarenta compuseram com harmonia os evangelhos tendo como base os quatro que se consideravam canônicos (Taciano). Já dos apócrifos somente existem referências posteriores (no fim do século II) e considerando que deles existem apenas fragmentos compreende-se que não eram tão estimados a ponto de serem protegidos para transmissão a gerações futuras.


Outra coisa que ajudou na diferenciação é que, não de maneira artificial nem por decretos bruscos ou inovadores, a Igreja - aos poucos - em virtude de embates e choques doutrinários, refletia sobre o depósito que Cristo lhe confiou, e via-se obrigada a delimitá-lo ou defini-lo com precisão crescente, levando em conta principalmente os pontos sujeitos a controvérsia. E claro que entre esses pontos estava o catálogo das Escrituras Sagradas. Assim sendo, desde o século II, ao lado dos autores que aceitavam um ou outro dos livros apócrifos, figuravam aqueles que os rejeitavam, admoestando o povo cristão contra os perigos de darem crédito a narrativas tão marcadas pelo “maravilhoso” ou pelo “fabuloso” (tais eram, por exemplo, São Justino, +165 aproximadamente, Sto. Ireneu, +202 aproximadamente, Tertuliano, + depois de 220).

Tais homens vigiavam assiduamente a fim de que a Palavra de Deus não sofresse contaminação por parte de curiosos levianos ou de astutos hereges.


O Cânon de Muratori, também conhecido por fragmento muratoriano ou fragmento de Muratori, é uma cópia da lista mais antiga que se conhece dos livros do Novo Testamento. Foi descoberta na Biblioteca Ambrosiana de Milão por Ludovico Antonio Muratori e publicada em 1740, tal documento é estimado datar do ano 200 aproximadamente e contém a mesma lista até hoje assinalada (com exceção das epístolas de São Pedro e São Tiago), rejeitando explicitamente o “Pastor” de Hermas; os apócrifos ai são comparados ao fel que não se deve misturar com o mel (“fel enim cum melle miscere non congruit”). Catálogos semelhantes se multiplicaram nos tempos seguintes; no decorrer do séc. IV, concílios reunidos na África, na Ásia menor, no Egito e em Roma os promulgaram, até que em 393 o concílio regional de Hipona (África setentrional) estabeleceu a lista definitiva dos livros sagrados tal como ela devia permanecer em uso na Igreja até hoje (confirmada, aliás, pelos concílios de Florença, 1439, Trento, 1543, e do Vaticano I, 1870). Assim se vê que não foram critérios de estilo, vocabulário, tema, autor, piedade que nortearam a definição do catálogo sagrado, mas foi algo de mais profundo: foi, sim, a própria vida da Igreja manifestada pelo seu magistério oficial, ao qual Cristo prometeu assistência infalível (cf. Mt 28,20).


Para complementar, vale notar que para o vocabulário protestante o termo “apócrifo” não designa a mesma coisa que na nomenclatura católica: Para os protestantes os apócrifos são os escritos que na antiga Igreja estiveram sujeitos a controvérsia e só aos poucos foram unanimemente reconhecidos pela Tradição cristã; tais seriam os livros de Tobias, Judite, Baruque, da Sabedoria, do Eclesiástico e 1/2 dos Macabeus; os protestantes não os reconhecem como livros bíblicos, ao passo que os católicos os têm como escritos canônicos (também ditos “deuterocanônicos”, para se distinguirem dos escritos que nunca estiveram sujeitos a controvérsia, ou escritos “protocanônicos”). Quanto aos apócrifos dos católicos (livros que nunca entraram no cânon oficial da Igreja), os protestantes os chamam pseudo-epígrafos (“falsamente intitulados”).


Dá-se então a seguinte tabela seguinte:


Nomenclatura católica Nomenclatura protestante

livros canônicos protocanônicos livros canônicos

livros canônicos deuterocanônicos livros apócrifos

livros apócrifos livros pseudo-epígrafos



Traços característicos dos apócrifos do Novo Testamento


Os livros apócrifos possuem características marcantes que podem assim se classificar.


1) Há os que foram redigidos em círculos cujas ideias heréticas predominavam e, consequentemente, estão repletos de erros doutrinários. E são justamente esses que (nem sempre com fundamento) vem a mente das pessoas quando a palavra “apócrifo” é mencionada. Entre eles figuram os que foram encontrados em Nag Hammadi (Egito), de caráter gnóstico.


Vejamos alguns exemplos:


  • O Evangelho dos Egípcios, oriundo no Egito em meados do séc. II, é arauto de ideias encratistas, isto é, de um pessimismo que condena a matéria e particularmente o corpo humano como entidades más, preconizando por conseguinte a continência (enkratéia, em grego) ou a abstenção de vida matrimonial.

  • O Evangelho dos Hebreus afirma que Jesus foi levado ao Tabor por sua Mãe, que era o Espírito Santo (ruach, espírito, é substantivo feminino em hebraico).

  • Os Evangelhos de Tomé e de Filipe compartilham ideias gnósticas, concebendo Jesus como um “eón”, ou substância emanada da Divindade e intermediária entre o céu e a terra. Trazem fragmentos de pensamentos que possivelmente foram retirados de catequeses ou homilias da época.

  • O Apócrifo de João - traria revelações do Senhor ressuscitado explicando as origens do mundo material.

  • O Evangelho de Maria Madalena - Tratariam sobre o processo de ascensão da alma.


2) Há outros que não professam propriamente heresias, mas são fruto da curiosidade popular ou infantil dos antigos cristãos, que queriam reconstituir com o maior número possível de minúcias os acontecimentos da vida de Nosso Senhor. Algumas dessas tentativas chegam a beirar o ridículo e constituem verdadeiras aberrações que ora provocam o riso, ora provocam o asco dos estudantes mais sérios.


Vejamos alguns exemplos:


  • O Evangelho de Tomé (já referido acima) afirma que a mulher não vai para o céu: “Simão Pedro disse-lhes: ‘Que Maria saia de nosso meio, pois as mulheres não são dignas da vida’. Jesus disse: ‘Eu mesmo vou guiá-la para torná-la macho, para que ela também possa tornar-se um espírito vivo semelhante a vós, machos. Porque toda mulher que se tornar macho entrará no Reino do Céu’”.

  • No mesmo evangelho, quando Jesus via algum adulto fazendo uma maldade, costumava deixá-lo cego, doente ou aleijado. Em poucas semanas amaldiçoou metade do vilarejo onde morava. Quando os aldeões se acercaram da casa de José para reclamar, o menino suspendeu a maldição, dizendo: "Vocês não sabem que eu vim ao mundo para amaldiçoá-los e depois abençoá-los". Sua fúria também não poupou crianças … uma delas é amaldiçoada depois de dar um soco em Jesus. Os pais da vítima procuram José e Maria para reclamar e Jesus faz com que fiquem cegos…

  • Em outra passagem compartilha um conto que depois seria citado também no Alcorão: “O menino Jesus fez 12 pássaros de barro durante o sábado. Seu pai, José, o repreendeu, por trabalhar em um dia considerado santo para os judeus. Como resposta, ele soprou os pássaros, que imediatamente ganharam vida.

  • Há ainda uma em que o menino Jesus dá vida a um peixinho morto; ou outra em que desafiou seus amigos a subir por um raio de sol que entrava pela janela. Ninguém topou, e então ele mesmo caminhou sobre o raio.

  • O Evangelho de Pedro por sua vez também nos apresenta em seu capítulo 46 um Jesus maldizente: “Um dia, o Senhor Jesus estava na beira do rio com outras crianças. Haviam cavado pequenas valas para fazer escorrer a água, formando assim pequenas poças. O Senhor Jesus havia feito doze passarinhos de barro e os havia colocado ao redor da água, três de cada lado. Era um dia de Sabbath e o filho de Hanon, o Judeu, veio e vendo-os assim entretidos, disse-lhes: - Como podeis, em um dia de Sabbath, fazer figuras com lama? Ele se pôs, então, a destruir tudo. Quando o Senhor Jesus estendeu as mãos sobre os pássaros que havia moldado, eles saíram voando e cantando. Em seguida, o filho de Hanon, o Judeu, aproximou-se da poça cavada por Jesus para destruí-la, mas a água desapareceu e o Senhor Jesus disse-lhe: - Vê como está água secou? Assim será a tua vida. E a criança secou e MORREU”

  • Já no capítulo 47 do mesmo evangelho Jesus parece ter ampliado sua capacidade de ferir e causa morte imediata a um opositor: “Certa noite, o Senhor Jesus voltava para casa com José, quando uma criança passou correndo na sua frente e deu-lhe um golpe tão violento que o Senhor Jesus quase caiu. Então Jesus disse a essa criança: - ‘Assim como tu me empurraste, você vai cair e não levantará mais.’ No mesmo instante, a criança caiu no chão e morreu.”


O narrado acima, obviamente, contradiz a sã doutrina sobre a personalidade de Nosso Senhor, sobre a compreensão daquilo que Deus é, bem como, do profundo amor que dispensou para a humanidade.


São tão despropositadas tais narrativas dos apócrifos que o racionalista Renan observava : “Faria injúria à literatura cristã quem pusesse no mesmo plano essas toscas histórias e as obras-primas de Marcos, Lucas, Mateus... Quanto aos pormenores, é impossível conceber algo de mais vazio e desprezível. Tem-se a impressão de ouvir a tagarelice cansativa de uma velha comadre ou o tom abusivamente familiar de uma literatura de ama de leite ou de ama seca”.


3) E por fim há uma última linha de apócrifos (já mais teológica) que tende a apresentar os episódios da vida do Salvador de modo em total consonância aos textos e vaticínios do Antigo Testamento (principalmente à tradução grega desses textos, dita “dos LXX Intérpretes”) .


Vejamos alguns exemplos:


  • No texto dos LXX encontra-se: “Ele habitará a gruta cavada na rocha” (Is 33,16). Em consequência, a literatura apócrifa (Proto-Evangelho de Tiago c. 18) apresentou a natividade de Jesus como se tivesse tido lugar em uma gruta (traço este que ainda hoje caracteriza as nossas representações do presépio).

  • A cena da anunciação do anjo a Maria é, pelo Proto-Evangelho de Tiago c. 11, colocada junto a uma fonte de água... Por que? — Provavelmente a fim de evocar a cena do Antigo Testamento em que o servo de Abraão, enviado por seu amo à procura de esposa para Isaque, encontrou Rebeca junto a uma fonte (cf. Gên 24, 10-27).

  • Ainda o Evangelho do Ps. Mateus c. 14 menciona dois animais (o boi e o asno) junto ao presépio do Senhor, muito possivelmente para fazer eco ao texto do profeta Isaías: “O boi reconhece o seu dono, e o asno o presépio do seu senhor” (1,3), assim como às palavras de Habacuque: “Manifestar-te-ás em meio a dois animais” (3,2, texto dos LXX).

  • A estada de Maria no Templo, em seus anos de infância, parece descrita nos apócrifos por sugestão do texto de Eclo 24,14, em que a Sabedoria personificada afirma: “Servi na presença do Senhor, em seu santuário”. Cf. Proto-Evangelho de Tiago c. 7.


Apenas a título de ilustrar transcrevemos aqui um dos mais vivos episódios dos apócrifos que narra o momento em que José e Maria levaram o Menino Jesus em fuga:


“Alegres e exultantes, chegaram ao território de Hermópolis e penetraram em uma das cidades do Egito chamada Sotinen. Visto que lá não conheciam morador algum em cuja casa se pudessem hospedar, entraram em um templo tido como o Capitólio do Egito. Nesse templo achavam-se 365 ídolos, aos quais diariamente eram prestadas honras divinas em cerimônias sacrílegas.


Ora aconteceu que, quando a bem-aventurada Virgem Maria penetrou no templo com o Menino Jesus, todos os ídolos foram derrubados, desfazendo-se em frangalhos, com o semblante partido; assim se comprovou que nada eram. Destarte também se cumpriu o que fôra dito pelo profeta Isaías: 'Eis que o Senhor vem sobre uma nuvem tênue e entra no Egito, e todas as obras fabricadas pelas mãos dos egípcios estremecerão perante a sua face'.


Então Afrodísio, governador da cidade, tendo tomado conhecimento do fato, foi ao templo com toda a sua milícia. Os pontífices do templo, tendo-o visto chegar com os milicianos, julgavam que estava para se vingar daqueles que haviam causado a queda dos deuses. Entrando, porém, no templo, e vendo todos os ídolos por terra, aproximou-se de Maria e adorou o Menino que ela trazia nos braços. E, tendo-o adorado, disse a toda a sua milícia e aos seus amigos... : «Se esse não fosse o Deus dos nossos deuses, nossos deuses não se teriam prostrado diante dele; caindo, reconheceram tacitamente que ele é o senhor de todos. Quanto a nós, se não procedermos prudentemente como os nossos deuses, corremos o risco de provocar a sua ira e de perecer todos como aconteceu ao Faraó, rei dos egípcios, o qual, não tendo dado fé a tão grandes prodígios, foi tragado pelo mar com todo o seu exército. Então o povo inteiro da cidade acreditou no Senhor Deus por Jesus Cristo” (Ev. do Ps. Mateus cc. 22s).


Importância dos Apócrifos


Os apócrifos têm certamente valor positivo; como dissemos na introdução do artigo percebe-se neles as ideias que mais estavam em curso, os embates em torno delas travados e o fervor da alma popular. Estas considerações mostram que vale a pena o estudo dos apócrifos para o conhecimento da história do cristianismo e da formação do pensamento ocidental, contanto que sejam analisados dentro do quadro autentico a que pertencem, à luz da corrente doutrinária que os antecedeu e que hoje se manifesta no magistério cristão.


I.C.J.M.S.


Que Nossa Ordem Prospere !!!

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