Neste dia em que o catolicismo celebra com júbilo o dogma da Imaculada Conceição de Maria, todo membro da igreja é convidado a meditar sobre a pureza singular daquela que foi escolhida para ser a Mãe do Verbo Encarnado. Embora o Pai Fundador de nosso Rito/Regime, Jean Baptiste Willermoz, não tenha tido contato com este dogma — proclamado oficialmente pela Igreja apenas em 1854, através da bula Ineffabilis Deus, do Papa Pio IX —, ele, como todo cristão que já pisou sobre a terra, refletiu profundamente acerca da santidade de Maria. Em suas meditações, Willermoz apresenta uma rica reflexão sobre o mistério da Encarnação, oferecendo uma perspectiva que destaca a cooperação de Maria na obra da Redenção. Sob uma ótica cristocêntrica e mariológica, ele ilumina a profundidade do plano divino. Fiel à doutrina cristã, Willermoz constrói uma narrativa que não apenas exalta Maria como Theotokos — a Mãe de Deus —, mas também sugere, com coerência teológica, a necessidade de sua condição imaculada para assegurar a pureza do corpo e da alma de Cristo. Escreve Jean-Baptiste Willermoz em "O Homem Deus - Tratado das Duas Naturezas": Da União do Verbo a Jesus O Divino Reconciliador dos homens, Desejado das nações, Messias prometido à fé de Abraão, pai dos que crêem, predito por um Jacó moribundo a seus filhos, e tão claramente anunciado por um grande número de profetas, que se sucederam uns aos outros por uma longa sequência de séculos, como nascido de uma virgem da raça de Abraão e da família do rei Davi surge, finalmente, sobre a Terra ao fim do quarto milênio do mundo, ao tempo determinado pela Sabedoria incriada para o cumprimento das grandes intenções de sua divina Misericórdia.
O arcanjo Gabriel é enviado por Deus à pequena cidade de Nazaré à virgem Maria, para anunciar-lhe a gloriosa maternidade pela qual é destinada a cooperar na grande obra da Redenção dos homens. O aparecimento súbito do anjo causa perturbação à alma desta virgem tão pura. Seu pudor alarma-se da maternidade que lhe é anunciada, declarando não conhecer homem algum. Só dá o seu consentimento após se tranquilizar inteiramente sobre os meios, quando o anjo lhe declara que sua maternidade seria obra do próprio Deus, pela operação do seu Espírito Santo, e que sua virgindade continuaria intacta.
No momento mesmo do seu consentimento, começa o cumprimento do grande Mistério; pois no mesmo instante o Verbo de Deus, que é o próprio Deus, a segunda Pessoa e potência da Santa Trindade, pressionado pelo seu ardente amor por suas criaturas humanas, une-se indissoluvelmente e para toda eternidade à alma humana, pura e santa de Jesus que, pelo amor por seus irmãos, e para reconciliá-los com Deus, satisfazendo por eles a Justiça Divina, é destinado às ignomínias, aos sofrimentos e à morte. O Verbo todo poderoso de Deus, imagem e esplendor do Pai eterno, desce dos céus para vir se incorporar à alma humana de Jesus, no ventre da bem-aventurada Virgem Maria, para serem eternamente unidos em uma mesma e só Pessoa em duas naturezas distintas. É, portanto, no momento de seu consentimento que o Homem-Deus é formado corporalmente no seio virginal de Maria, de sua pura substância, de seu verdadeiro e puro limo quintessencial da terra virgem de sua mãe. Ele foi formado e composto, como todos os outros homens que vêm por algum tempo sobre a Terra, de uma substância tripla, quer dizer, de um espírito puro, inteligente e imortal; de uma alma passiva ou vida passageira; e de um corpo de matéria, porém de uma matéria pura e não conspurcada, que não provém, como os demais seres humanos, da concupiscência dos sentidos, mas unicamente da operação do Espírito Santo, sem a participação de homem algum, nem de algum agente físico da matéria. É através deste prodígio do amor infinito de Deus por sua criatura querida e seduzida, tornado por seu crime para sempre escravo e vítima do Demônio, que se cumpre o inefável e incompreensível mistério da encarnação divina para a redenção dos homens, por Jesus Cristo nosso único Senhor e Mestre que quis, por vontade própria para garantir o resultado final, unir indissoluvelmente a natureza humana do prevaricador à sua própria natureza divina. A partir de sua abordagem, Willermoz inicia destacando o contexto histórico e teológico da vinda do Messias, descrito como o "Desejado das nações" e o "Divino Reconciliador". A realização do mistério da Encarnação, ao final do quarto milênio do mundo, é apresentada como o ponto culminante do plano divino. Aqui, ele reforça a promessa messiânica feita a Abraão (cf. Gn 12,3), reiterada a Jacó e anunciada pelos profetas ao longo dos séculos (cf. Is 7,14). Tal preparação histórica sublinha a centralidade de Maria, que, como filha da raça de Abraão e da casa de Davi, encarna o elo perfeito entre a antiga e a nova aliança. É justamente nesse contexto que Willermoz coloca em evidência o dogma da virgindade perpétua de Maria e a intervenção do Espírito Santo em sua concepção, antecipando o dogma da Imaculada Conceição proclamado solenemente em 1854 por Pio IX.
Willermoz é particularmente cuidadoso em sua descrição da Anunciação (cf. Lc 1,26-38), na qual o arcanjo Gabriel comunica a Maria sua eleição singular no plano salvífico. A “perturbação” de Maria diante da mensagem celestial é interpretada por ele como um reflexo de sua pureza e pudor, virtudes que ressoam na tradição cristã desde os primeiros séculos. Santo Agostinho, por exemplo, ao falar de Maria, afirma que sua virgindade não é apenas física, mas também moral e espiritual, uma expressão plena de sua santidade original (De Sancta Virginitate, 4). A reação de Maria demonstra sua consciência da magnitude do mistério que lhe é anunciado e destaca a liberdade de seu consentimento, como ensina Santo Tomás de Aquino: "O consentimento de Maria foi necessário, pois, pela Encarnação, Deus quis realizar a salvação do homem através da cooperação voluntária da humanidade" (Summa Theologiae, III, q. 30, a. 1).
Willermoz expõe o momento do consentimento de Maria como o instante decisivo para o mistério da Encarnação. Ele afirma que, ao pronunciar seu "fiat," Maria não apenas aceita a maternidade divina, mas também inaugura o cumprimento da promessa redentora. Nesse contexto, Willermoz faz uma importante reflexão sobre a união hipostática, ou seja, a união das duas naturezas — divina e humana — na única Pessoa de Cristo, um mistério central da fé cristã definido no Concílio de Calcedônia (451). Ele descreve que, nesse instante, o Verbo eterno de Deus se une de forma indissolúvel à alma humana de Jesus, que foi "pura e santa," destinada desde toda a eternidade a sofrer ignomínias, dores e morte por amor aos homens e para satisfazer a justiça divina. Essa descrição ressalta o papel singular de Maria como a nova Eva, uma figura que, segundo Santo Irineu, desfaz, com sua obediência, o nó da desobediência da primeira mulher (Adversus Haereses, III, 22, 4).
A reflexão de Willermoz acerca da formação do corpo de Cristo no seio de Maria também é profundamente mariológica. Ele enfatiza que o corpo de Jesus, embora plenamente humano, foi formado "de uma substância pura e não conspurcada," diretamente da "substância virginal" de Maria, sem a participação de homem algum. Essa descrição alinha-se à tradição cristã, que reconhece Maria como "toda pura" (Panaghia), um atributo reiterado por diversos Padres da Igreja, incluindo São Gregório de Nissa e Santo Epifânio. O próprio dogma da Imaculada Conceição sustenta que Maria foi preservada do pecado original desde o primeiro instante de sua concepção, em vista dos méritos futuros de Cristo, como afirma a bula Ineffabilis Deus de Pio IX: "Ela foi adornada desde o primeiro instante de sua concepção com um esplendor de santidade inteiramente singular" (DH, 2803).
Willermoz aprofunda sua meditação ao afirmar que o corpo de Cristo não foi formado por meios naturais, mas exclusivamente pela ação do Espírito Santo. Aqui, ele reafirma o dogma da concepção virginal de Cristo, proclamado desde o primeiro Credo Apostólico e reiterado pelo Concílio de Latrão (649). Esse milagre, operado pela terceira Pessoa da Santíssima Trindade, é apresentado como um ato de amor infinito, que manifesta a plena participação de Maria no mistério da redenção. Essa visão reflete a teologia de São Bernardo de Claraval, que enxerga Maria como a medianeira por excelência, a "estrela do mar" que conduz a humanidade ao porto seguro de Cristo (Homilia Super Missus Est, 2).
Por fim, Willermoz enaltece a união indissolúvel entre as naturezas divina e humana de Cristo como o fundamento do mistério redentor. Ele destaca que, ao unir-se à humanidade, o Verbo não apenas redime o homem, mas também eleva sua natureza, permitindo-lhe participar da vida divina. Essa ideia, profundamente enraizada na tradição patrística, é sintetizada por Santo Atanásio em sua célebre máxima: "Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus" (De Incarnatione Verbi, 54). Nesse sentido, a reflexão de Willermoz sobre o papel de Maria no mistério da Encarnação oferece uma profunda compreensão da dignidade humana redimida e do amor infinito de Deus, que se manifesta de forma incomparável na pureza e na entrega total da Mãe de Jesus.
Celebrar a Imaculada Conceição de Maria, portanto, é reconhecer nela o reflexo perfeito do plano divino de salvação, que encontra sua plenitude no mistério da Encarnação. Willermoz, com sua fidelidade ao ensinamento cristão, nos convida a contemplar esse mistério com renovada gratidão, exaltando Maria como a obra-prima da graça divina e o canal pelo qual o Salvador entrou no mundo. Assim, sua reflexão torna-se um tributo à grandeza de Maria e um convite à meditação sobre o amor insondável de Deus por suas criaturas.
E assim como Maria, na simplicidade de Nazaré, pronunciou seu "sim" ao plano divino, cada maçom retificado é chamado a responder, com a mesma firmeza e humildade, ao convite da Retificação. Maria nos ensina que a verdadeira grandeza não reside em honrarias ou conquistas terrenas, mas na disposição interior de abraçar a vontade de Deus, mesmo quando ela desafia nossas expectativas ou nos conduz por caminhos de sacrifício.
O processo de Retificação não é apenas uma reforma moral, mas uma jornada espiritual que exige virtudes específicas: a pureza, a fé inabalável e a entrega total à verdade. Maria, enquanto modelo de virtudes cristãs, encarna essas qualidades de maneira perfeita, oferecendo-nos um exemplo luminoso para seguir. Seu "sim" ao anjo — o Fiat voluntas tua — não foi apenas um consentimento à maternidade divina, mas um compromisso de vida com o plano redentor de Deus, mesmo diante da dor e da cruz.
Que cada maçom dedicado a obra da retificação, ao refletir sobre o papel de Maria na obra da Redenção, veja nela uma inspiração para sua missão pessoal e coletiva. Assim como a Imaculada, somos convidados a purificar nossas almas, renunciar aos erros e avançar com retidão e coragem na trilha que nos conduz à plena reintegração no Amor divino. Que o "sim" de Maria ecoe em nossos corações e nos guie no cumprimento de nossa vocação: ser luz no mundo, instrumentos de paz e testemunhas vivas da verdade eterna. I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere !!!
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