As provas dos elementos do Grau de Aprendiz Maçom no Regime Escocês Retificado relembram as consequências da queda do homem, de sua morte espiritual e do lamentável estado de miséria em que este se encontra; aprisionado e limitado neste desterro material (ao qual se acha submetido enquanto viver) ; sujeito à enfermidades, à morte, ao suor do trabalho, à dor física e moral, ao engano das efêmeras luzes do mundo, como o brilho passageiro dos fogos de artifício, velas romanas que muitas vezes o fazem confundir sua pobre luz intelectual com a verdadeira luz da presença divina, aquela que, em sua origem, compartilhava com seu criador. (Sic transit gloria mundi), como bem descreve o Ritual do Aprendiz: “A chama que ardeu perante ti, e que passou como um relâmpago, ensina-te que aquele que se orgulha dos seus talentos e descobertas, pode perder rapidamente as suas vantagens e que as honrarias e a glória deste mundo, escapam à sua frente como uma sombra, não deixando no seu coração senão lastimações”.
O candidato nos chega vindo “das trevas do mundo exterior” em um estado deplorável, trazendo todavia em si um desejo (ainda que insuficiente) de deixar a miséria anímica na qual atualmente chafurda para encontrar a luz que o libertará; tal desejo, mesmo que vacilante, o conduziu até as portas da Ordem, que então o submete à “antigas provas” (1) que, uma vez superadas, possibilitarão que ele seja recebido franco-maçom e torne-se digno da instrução que, concentricamente, o levará ao caminho da reintegração do ser.
Graças as máculas que traz consigo, seu desejo de entrar no Templo lhe é inicialmente negado (2) . Mesmo reconhecendo que tal desejo seja legítimo; posto que, enquanto homem, foi para ele que o Plano Salvífico foi estabelecido; a Ordem sabe que o estado atual em que esse homem se encontra faria que sua entrada ao Templo constituísse um verdadeiro ato de profanação.
Todavia, conhecedora de que, dado “a multiplicidade de socorros que a Bondade Divina estabeleceu à sua volta para o dirigir e defender” (3), existe para esse homem a esperança de alcançar as condições ideias de merecer tal entrada, a Ordem o conduz, com a colaboração e ajuda de seus Mestres, ao processo iniciático que culminará na conquista de tal merecimento; dando-lhe um guia seguro e fiel que estará com ele, não sem antes adverti-lo dos perigos aos quais estará, dali em diante, exposto (3).
A privação da luz recorda a morte espiritual que culminou na queda do homem primordial e na encarnação humana na matéria que nos reveste e que virá a ser lembrada através das três viagens e dos elementos que nelas se apresentam. No entanto, tal desfecho não significa necessariamente um “ponto final”, sendo também o princípio do processo que permite a regeneração do homem e sua posterior reintegração espiritual a seu estado glorioso; mas, para voltar à este feliz termo da existência, nos espera o trabalho penoso de “demandar, perseverar e sofrer” (4).
Nesse ponto exato, o homem caído em Adão, experimenta mais uma vez a morte; dessa vez porém, temos a morte daquilo que acorrenta o homem ao mundo da materialidade, onde este sofre o flagelo dos elementos. E é no seio dessa morte que ele receberá a verdadeira vida (Perit ut Vivat), cumprindo-se assim a sentença: “A vida estava profanada, mas a morte resgatou a vida” (5). Na obscuridade da morte, renasce a vida.
Seminu e desprovido das vantagens que seus metais pareciam lhe garantir, ele “deve aprender a não ter nenhuma confiança nas coisas ilusórias e a não se deixar enganar pelas aparências” (6) deste mundo; pois a única distinção real sob a qual se deve apreciar o homem é aquela “que dá o mérito e a Virtude” (6). Despojado dos bens simbolizados pelas joias e pelos metais, pertencentes unicamente as vaidades deste mundo, deve dirigir sua atenção ao mundo interior onde encontrará “bens mais verdadeiros e mais duráveis” (7). Na nudez exterior o olhar se inverte e desnuda o interior.
A espada sobre o coração implica, por força da fé, a total submissão à Lei Divina; Lei sobre a qual o Evangelho anuncia seu firme fundamento e sobre a qual a ordem se constitui, sendo ela mesma a razão de ser de todo o processo iniciático. Submissão essa que pode acabar conduzindo o recipiendário à última consequência, já que “o verdadeiro Maçom deve sempre estar disposto a sacrificar o que ele tem de mais caro, pela Justiça e a Virtude, e que nunca deve queixar-se na desgraça” (8), todavia ele sabe que tal submissão é necessária, como bem nos lembra o Ritual do Aprendiz: “o Demandador foi submetido à prova da espada. Reconheceu que foi justa e não teve qualquer hesitação” (8). Louis Claude de Saint-Martin alertou-nos sobre o destino do homem que se submete a Lei Divina e daquele que a ignora: “O Homem de desejo que segue as leis do Eterno não conhecerá mais privação, visto que, unindo-se intimamente à lei eterna, a lei passiva das formas não poderá mais lhe impor limites. Vede, pois meus irmãos, o princípio da necessidade que temos todos de seguir essas santas leis, pois à medida que nos aproximamos do Eterno, a Luz se aproxima de nós. Se nós nos separamos Dele, as trevas se apoderarão de nós.” (9). Na Lei Divina, nossa vontade se anula, para que cresça a vontade de Deus em nós.
O guia recebe então autorização do Venerável Mestre para conduzir de forma segura o candidato (caso este venha a “se deixar conduzir com docilidade” (10)), salvando-o dos perigos que o espreitam no meio da escuridão. O guia nos recorda aqui a ação do Grande Reparador (Nosso Senhor Jesus Cristo) cuja atividade produziu as sucessivas reconciliações do homem desde o momento da queda de Adão até selar, com seu Sagrado Sangue, a Nova Aliança; manifestando a partir desse momento com toda a sua intensidade a luz no meio das trevas, convertendo a si mesmo no “caminho, na verdade e na Vida” (Jo. 14:6).
Acima, citamos Louis Claude de Saint Martin, não porque estamos enxertando elementos estranhos à Doutrina do Regime Retificado mas pelo fato de que tais instruções podem realmente ter um alto valor para a reflexão do homem na via da reintegração. E neste mesmo espírito vamos falar um pouco da influência de Martinez de Pasqually no Regime Retificado, lembrando que sua doutrina foi incorporada a Doutrina geral de nosso Regime, sendo todavia, corrigida de seus erros trinitários e cristológicos e - a partir daí - amplamente cristianizada.
Antes de falarmos sobre as provas dos elementos durante as viagens, convém esclarecer, na medida do possível, a partir de qual raciocínio se fundamenta a disposição desses elementos no interior do templo e porque eles aparecem com o número de três e não quatro.
É normal que o recém iniciado ao trabalhar alguma meditação sobre esses elementos acabe achando alguma referência bibliográfica relacionada com a alquimia (amplamente reprovada por Jean Baptiste Willermoz) e tente chegar a “quadratura do círculo” (?) para justificar esses três conforme os contemplam as “artes de Hermes”. Há também irmãos que, provindos de outros ritos maçônicos, acabam incorrendo no mesmo erro já que alguns desses ritos contém em si certa influência de hermetismo (em especial em suas alegorias) que se manifesta claramente, por exemplo, na Câmara de Reflexões pela palavra V.I.T.R.I.O.L e pelos três princípios (substâncias) alquímicos: Enxofre, Mercúrio e Sal.
A disposição em que se encontram os elementos Fogo, Água e Terra em nosso Templo, como a grande maioria dos elementos simbólicos que compõem nossos rituais, guarda relação direta com a “Doutrina de Reintegração dos Seres” de Martinez de Pasqually. Tentando resumir e simplificar a complexidade dessa doutrina no tema que ora nos ocupa, recordemos que a criação (conforme tal ensinamento) do universo se produz no mundo denominado “Imensidade Celeste”, separado por uma barreira circular (Eixo do Fogo Central) da “Imensidade Supraceleste”. Esta barreira ou Eixo do Fogo Central - composta por seres espirituais de natureza ternários - fecha o círculo do espaço do qual os primeiros espíritos perversos foram banidos após a primeira queda (11) e forma uma espécie de recipiente (frasco) no interior do qual atuam três essências espirituais que formam a matéria indiferenciada, algo assim como a matriz do universo. Essas três essências (ou princípios) são denominados por Pasqually como Mercúrio, Enxofre e Sal, mas estes NÃO CORRESPONDEM às mesmas realidades que são atribuídas aos três princípios alquímicos conhecidos com o mesmo nome.
Será da mistura dessas três essências que surgirão os elementos Fogo, Água e Terra, bem como, também por mistura, os três princípios corporais denominados “aquático”, “ígneo” e “sólido”. O nascimento da criação universal espaço-temporal será causado por uma “explosão”; explosão essa que - segundo Pasqually - não implica uma ruptura do frasco filosófico, mas uma “retirada do espírito duplamente forte do Criador que manteve todas as formas existentes contidas na matriz” e que levou a ativação das três essências espirituais que então criaram o universo temporal.
Esta criação universal tem para Pasqually três partes: O “Universo”, a “Terra” e o “Particular” (12). Esta “Terra”, a qual Pasqually se refere, não é o planeta terra em si mas sim o universo material em todo seu conjunto - verdadeira prisão para os seres caídos - submetida ao espaço e ao tempo tendo princípio e fim, estando chamada a desaparecer no fim dos tempos; “eclipsar-se-á completamente no fim dos tempos e se apagará da presença do homem tal qual um quadro se apaga da imaginação de um pintor” - Tratado de Reintegração dos Seres.
Esta terra procede, portanto, de três elementos nos quais se encontram corporificadas as três essências espirituais provenientes dos espíritos ternários do Eixo do Fogo Central. O simbolismo da terra se representa pois, para Pasqually, mediante um “triângulo equilátero” (“O número pertence a terra e ao homem” - Pasqually) e assim é representado na figura universal (figura que representa a criação dos mundos): "... o número ternário foi dado à terra, ou à forma geral, e às formas corporais de seus habitantes” … “Este número ternário provém das três substâncias que compõem todas as formas, sejam elas quais forem, a que chamamos princípios dos espíritos (enxofre, sal e mercúrio) ... "(13).
Portanto, o triângulo não representa outra coisa a não ser as três essências espirituais presentes na forma geral terrestre; cuja configuração é a seguinte: O Mercúrio no ângulo inferior, no sul o Enxofre e no norte o Sal. “Agora, ao unir-se o princípio espiritual ou o número quaternário a essas essências, estas se enlaçam intimamente tomando uma só figura e uma só forma, que representa as três partes em que se divide o corpo geral terrestre: Oeste, Norte e Sul” (14). “Atribuímos a primeira ao Mercúrio no Ocidente, formando o sólido [Terra]; a segunda ao Enxofre ao meio-dia formando o ígneo [Fogo]; o terceiro, o Sal ao Norte ou fluido [Água]” (15). A terra, segundo a doutrina de Pasqually, se representa portanto por três pontos cardeais (Oeste, Sul e Norte) e não quatro. O número quatro, ainda para Pasqually, é um número que evoca a perfeição e que corresponde aos seres mais elevados e ao próprio Deus, onde não está presente nenhuma espécie de essência material nem existe nenhuma revolução temporal. O três, pelo contrário, é o signo da manifestação espaço-temporal sobre o plano material, aparecendo na matéria. Por isso Pasqually considera na criação universal somente três elementos, bem como três pontos cardeais, que são os três ângulos do triângulo equilátero que simboliza a imensidade terrestre.
Mas não confundam as coisas, nem tudo o que foi exposto acima adentrou filosoficamente o Regime Retificado. É certo dizer que a cosmovisão de Martinez de Pasqually influenciou sim (e muito) a simbologia de nossos templos e grande parte de nossas cerimônias mas, a nível doutrinal, muitos de seus erros tiveram que ser corrigidos e muito foi simplesmente descartado, ficando no Regime apenas o cerne de seu pensamento (a teoria da Reintegração).
Feito esse preâmbulo para as provas dos elementos que aparecem nas três viagens da cerimônia de Iniciação do Aprendiz, vemos como a disposição triangular dos elementos Fogo, Água e Terra, em Sul, Norte e Oeste respectivamente, guarda uma relação direta com os três princípios reconhecidos no Tratado de Reintegração dos Seres de Martinez de Pasqually, representando assim a “terra” na qual o homem se acha encarnado e de onde pode vir a reconstruir o Templo Místico de Salomão. De forma alguma podemos buscar sua explicação em teorias ou conceitos alquímicos que lhe são totalmente estranhos.
O número três e a “terra” permanecem dessa forma ligados a Classe de Aprendizes pelas três viagens misteriosas, como nos confirma a instrução:
- “Que idade tens como Aprendiz?”
- “Três anos”.
- “Que entendeis por isso ?”
- “As três viagens misteriosas que fiz à volta do Templo, e os três degraus que tive que subir para aí chegar.”
O Templo de Salomão, representado no tapete da loja de aprendiz no meio deste triângulo que constitui a "terra", inclui também o arquétipo geral do Universo em sua totalidade (16) e do homem em particular, ambos igualmente sujeitos às sucessivas revoluções espaço temporais da matéria.
Estamos agora em condições de entender melhor a razão pela qual o Aprendiz quando realiza as três viagens está, entre outras coisas, recordando o processo de encarnação do homem na terra após a queda de Adão, sua “deformação” de Ser Superior à um ser material, a perda de sua forma gloriosa e o momento em que passa a compartilhar o mesmo estado decaído que o Criador reservou aos primeiros anjos prevaricadores: “O Criador transmutou essa forma gloriosa, precipitando o homem nos abismos da terra, de onde havia saido o fruto de sua prevaricação. O homem veio então a habitar a terra como o resto dos animais.” (17). Será necessária a dissolução das três essências espirituais corporificadas que compõe o corpo material para que se possa completar o processo de reintegração ao estado glorioso, pois somente a desintegração e a dissolução do corpo material, para o homem uma prisão, poderá finalmente deixar reaparecer em todo seu esplendor seu primeiro Corpo de Glória. Nesse processo de dissolução, cada essência espiritual se dividirá em três partes dando um total de 9 (O ternário da forma, o novenário dissolve), mas isso faz parte de outro grau.
O homem vem a esta terra para purgar sua falta (em uma única existência), regenerar seu ser e vencer a morte espiritual que ele mesmo provocou. O processo iniciático lhe proporciona uma reorientação precisa e um caminho seguro até a reconciliação com Deus, por intermédio do Cristo, a regeneração moral e espiritual - que por meio dele se completa - e finalmente a reintegração na plenitude de seu Estado Divino. As provas dos elementos, dispostos nos três ângulos da “terra” (Triângulo Oeste - Sul - Norte), apontam para esse processo de regeneração DENTRO DE SUA EXISTÊNCIA terrestre; e é nesse sentido que vamos comentá-las.
PRIMEIRA VIAGEM - PROVA DO FOGO
O fogo corresponde a parte espiritual ou divina do ser.
Disse Jesus: “Eu vim trazer fogo à terra, e como gostaria que já estivesse aceso” (Lc 12,49). No Antigo Testamento o fogo simboliza não somente a forma com que Deus se manifesta ao homem (Ex. 3:2 e 19:18) mas também Sua Palavra (Jer 5:14) que abrasa o coração daquele que a escuta (Jer 20:9). Simboliza também o juízo divino que purifica o seu povo, passando no meio dele. Assim é a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: ela constrói, mas ao mesmo tempo destrói tudo aquilo que não tem consistência, aquilo que deve cair, aquilo que é vaidade, deixando de pé somente a verdade, como nos é alertado na viagem: “O fogo consome a corrupção; mas devora o ser corrompido” (18).
João Batista , o profeta das chamas, dissera a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo”, pré–anunciando o batismo cristão, inaugurado no dia de Pentecostes com a Efusão do Espírito Santo e a aparição das Línguas de Fogo (At 2:3). Essa é a missão do Reparador dos Mundos que nos conduz de volta a Deus, Nosso Pai; lançar o fogo sobre a terra, trazer o Espírito Santo com a sua força renovadora e purificadora. “Eu vim trazer fogo à terra, e como gostaria que já estivesse aceso!”. Jesus doa-nos Seu Espírito; e esse espírito de fogo age como purificador dos homens, separando o puro do impuro e consumindo o impuro; destruindo-o, convertendo-se em um instrumento do castigo e do juízo divino ele “devora o ser corrompido”; o castigo divino se exerce por meio da fornalha ardente (Mt 13:42), do fogo eterno (Mt 18,8), do lago de fogo e enxofre (Ap 19,20), do fogo inextinguível (Mc 9,43), etc.
Mas o fogo de Deus é também um amor que abrasa o coração do homem arrependido e disposto a submeter-se ao trabalho da regeneração, consumindo sua corrupção, retificando-o, fazendo com ele aliança e o conduzindo de volta a amizade com seu Criador: “Na terra toda, dois terços serão ceifados e morrerão; todavia a terça parte permanecerá", diz o Senhor. "Colocarei essa terça parte no fogo e a refinarei como prata e a purificarei como ouro. Ela invocará o meu nome, e eu lhe responderei. É o meu povo, direi; e ela dirá: 'O Senhor é o meu Deus” Zc 13:8-9.
A máxima enunciada após a prova do Fogo diz: “O homem é a imagem imortal de Deus; mas quem a poderá reconhecer, se ele próprio a desfigura?”..por este Fogo Divino serão consumidas totalmente as impurezas que desfiguram nossa imagem imortal para possibilitar que esta seja, novamente, reconhecida; separando o puro do impuro através da compreensão espiritual, da Luz da Verdade e segundo a Lei. Como nos diz o salmista (Sl 17:3): “Provas o meu coração e de noite me examinas, tu me sondas, e nada encontras; decidi que a minha boca não pecará”. E é justamente a esse ser purificado à quem se destina o Batismo def do Espírito Santo que está por vir (Mt. 3:11) tal qual se deu com os apóstolos que o receberam nas línguas de Fogo de Pentecostes. "O Senhor fixará os olhos sobre esses nomes escolhidos; eles serão vivificados com Seu Fogo e tomarão a palavra. Sobre estas almas purificadas, assim como sobre um trono divino, o Eterno estabelecerá seu assento. Ele os verá como os fundamentos e as colunas de Seu Templo, e eles serão associados à Sua eternidade" (19).
SEGUNDA VIAGEM - PROVA DA ÁGUA
A água se corresponde com a alma, suporte da vida de todo ser sobre a terra.
A purificação pela água complementa a purificação pelo fogo, pois a água é fecundada pelo Espírito: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo. 3:5). Se o fogo nos conduz a intuição do Verbo de Deus, recebendo assim um raio de sua divina inteligência e sua manifestação no coração do homem, a água nos conduz a sabedoria, fonte da agua viva que flui diretamente de Deus: "Se você conhecesse o dom de Deus e quem está pedindo água, você lhe teria pedido e dele receberia água viva" (Jo. 4:10), e também para uma sublime purificação dos desejos que culminam na bondade. E é essa sabedoria que nos dá Jesus Cristo: "Está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tiver sede, darei de beber gratuitamente da fonte da água da vida” (Ap. 21:6).
Conforme as Sagradas Escrituras, a criação do mundo começa com as águas: “A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus se movia sobre a superfície das águas” (Gênesis 1,2). É era através da distribuição das águas que o homem percebia a ação benéfica de Deus. Toda a vida do homem dependia do fluxo das águas; Por tal motivo, associava sua esperança à intervenção divina nas chuvas, como no Salmo 104 por exemplo: “Bendize a Iahweh, ó minha alma, e tudo o que há em mim ao seu nome santo ! (…). 0Fazes brotar fontes d'água pelos vales: elas correm pelo meio das montanhas, dão de beber a todas as feras do campo, e os asnos selvagens matam a sede; (…). De tuas altas moradas regas os montes, e a terra se sacia com o fruto de tuas obras; fazes brotar relva para o rebanho e plantas úteis ao homem ...” (Salmo 104,1.10.11.13).
Todavia, as águas expressam também o supremo castigo de Deus, manifestado no dilúvio, por causa dos pecados dos homens (Gn. 6). . Na história salvífica, Deus teve que lutar contra o mar, símbolo dos poderes rebeldes: é a passagem do Mar Vermelho (Êxodo 14,16 ss).
Quanto a seu poder de purificação, vemos como referências que o sumo sacerdote devia lavar-se com água antes de receber sua investidura (Êx. 29:4); ou que o leproso curado devia lavar-se com água (Lv. 14:8). Os profetas estenderam esse simbolismo à suprema purificação através da qual Deus reestabeleceria seu povo: “Eu vos aspergirei com uma água pura e sereis purificados” (Ez. 36:25). O perdão pessoal dos pecados também ficava ligado à ação purificadora da água. Nesse sentido, Davi, arrependido dos seus pecados, rezava: “Lavai-me de toda a minha culpa, e purificai-me de meu pecado ” (Sl. 51:4). E, na sua mensagem escatológica, quer dizer, a do futuro, quando Deus manifestará de maneira plena a sua salvação, à água também caberá uma importância definitiva. Jerusalém, a nova cidade de Deus, possuirá uma fonte inesgotável de água e levará a fecundidade a todos os seus arredores.
A água do Templo é o poder vivificador de Deus que caracteriza os tempos sob o Reinado de Cristo Rei e faz frutificar espiritualmente os homens: “Conduziu-me à entrada do templo e vi que brotava água por debaixo do limiar do templo para o oriente” (Ez.l 47:1). Este capítulo de Ezequiel mostra o simbolismo da água que vem do Templo, faz nascer o rio de água viva e produz “todo tipo de árvore frutífera; (…) cada mês darão frutos novos, porque suas águas brotam do santuário” (Ez. 37:12).
E todos esses símbolos do A.T. convergem no N.T ao símbolo mais importante da purificação do homem e sem o qual a Regeneração não é possível, o Batismo. Jean Baptiste Willermoz afirmou: "Pelo batismo nos tornamos perfeitos; o Espírito Santo nos santifica e a fé nos ilumina. 'Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós sois filhos do Altíssimo!' - Sal 82:6. Essa operação do espírito se chama obra, graça, iluminação, perfeição, batismo. O batismo nos purifica, é uma graça que nos justifica, uma fonte de luz que nos ilumina e que nos leva a conhecer as coisas divinas. Nele se realizam os dons do Ser soberanamente perfeito. Por sua vez, tudo em nós abandona as trevas, e já se antecipam os tempos em nosso favor por todo o seu poder, e nós vivemos porque Jesus Cristo nos libertou da morte”.
O Evangelhos, nos apresentam Cristo como o novo templo ou a rocha, da qual brota a água viva e espiritual que é o espírito de Deus: “Se alguém tem sede venha a mim e beba! Aquele que crê em mim, como diz a Escritura, ‘de seu seio sairão rios de água viva’. Disse isso referindo-se ao Espírito que haviam de receber os que acreditassem nele” (Jo. 7:37-39). E de seu corpo morto, novo templo de Deus, também brota a água para a nova criação, o novo povo de Deus que é a Igreja. Este é o sentido profundo “do sangue e da água”, que saíram do Corpo de Cristo transpassado pela lança do soldado (Jo. 19:33-34).
Resumindo, “a água lava e purifica... afasta as suas influências funestas e os princípios da putrefação.” (20). A máxima enunciada após o teste da água é: “Aquele que se envergonha da Religião, da Virtude e dos seus Irmãos é indigno da estima e da amizade dos Maçons” (21). Jesus Cristo é a água viva (Jo. 4:10) sendo ele mesmo a fonte dessa água; "Se alguém tem sede, venha a mim e beba" (João 7:37), "Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna" (João 4:14). “Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva" (Jo. 7:38), “mas aqueles que não bebem desta fonte não terão sua sede saciada” (Jo 4:13) e acabarão em seu próprio pântano.
Portanto, é de Cristo que nós, maçons retificados, recebemos a vida espiritual e o objetivo final de nossa iniciação. E se nos negamos a dar testemunho do Cristo para fazermos coro ao “laicismo” (tão vergonhosamente cultuado em algumas de nossas lojas) ou para “não ofender a sensibilidade de quem pertence a outra religião”; então somos indignos da estima e da amizade dos Maçons (especialmente os que nos antecederam como o próprio Jean Baptiste Willermoz); "Portanto, quem der testemunho de mim diante dos homens, também eu darei testemunho dele diante de meu Pai que está nos céus." (Mt. 10:322). Já aquele que nega Jesus … tem destino incerto.
TERCEIRA VIAGEM - PROVA DA TERRA
A terra se corresponde com nosso corpo carnal ou físico.
“Do grão de mostarda nasce a mostarda, da semente do homem nasce o filho do homem e da semente de Deus nasce o Filho de Deus; A semente Santa é a semente de Deus, cuja descendência está << separada >> do mundo profano, que é o mundo da dor, do suor e da morte” (22).
“... e o verbo se fez carne e habitou entre nos.” (Jo. 14).
A terra não é um elemento de purificação mas sim um elemento de trabalho e germinação. Nela, a semente é recebida, cresce e dá frutos (ou morre). Mas a dureza da terra exige o suor do rosto e o duro trabalho para que nela se plante e se colha. Se o trabalho duro for feito, o homem que dela foi tirado e a que a ela voltará (Gn. 3:19), encontrará nela também a felicidade (posto que ela não é má) “Pois comerás do trabalho das tuas mãos; feliz serás, e te irá bem” (Sl. 128:2). Mas o duro trabalho que nos recompensa com a colheita material se dá também no campo espiritual; pois a mesma densidade que há na terra elementar, há também em nós que dela fomos formados. Porém a semente que há em nós é germe divino que está que está chamado a despertar em meio a obscuridade (Adhuc Stat!). “O homem: com sua abertura à verdade e à beleza, com seu senso do bem moral, com sua liberdade e a voz de sua consciência, com sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se interroga sobre a existência de Deus. Mediante tudo isso percebe sinais de sua alma espiritual. Como ‘semente de eternidade que leva dentro de si, irredutível à só matéria, sua alma não pode ter origem senão em Deus”. (Catecismo da Igreja Católica).
“A Igreja ensina que cada alma espiritual é diretamente criada por Deus - não é ‘produzida’ pelos pais - e é imortal: ela não perece quando da separação do corpo na morte e se unirá novamente ao corpo na ressurreição final.” (Catecismo da Igreja Católica) … Eis aí a semente que devemos regar para colher, ainda que não tenhamos nós a plantado.
“Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1 Co. 15:44), um provem da terra (terrenal) e o outro provém do céu (1 Co. 15:47). "O corpo, como uma semente, é colocado na terra em estado de corrupção, e se erguerá incorruptível. É colocado na terra todo deformado e se erguerá gloriosamente. Ele é colocado na terra privado de movimento e ressuscitará cheio de vigor. Ele é colocado no chão como um corpo animal e será ressuscitado como um corpo espiritual inteiro" (1 Co. 15:42-44).
Devemos saber separar então aquilo que é perecível no homem, dado a sua natureza, e o que é imperecível, não confundindo jamais tais coisas. Pois a matéria é totalmente nula quando se separa do princípio da vida que a fez existir e o homem, ao finalizar sua viagem a região terrestre, se despoja de tudo o que é estranho a sua verdadeira natureza espiritual, a qual está destinado a retornar caso o mereça. Somente pelo exercício das virtudes o homem se torna um ser superior aos acontecimentos da vida na matéria, purgando sua alma dos vícios, paixões e preconceitos mundanos que obscurecem sua inteligência e o privam da Graça Divina, deve agarrar-se ainda à Cristo (semeador do germe divino (Mt. 13:1-9) ), “a morte veio por um homem - Adão - e também a ressurreição dos mortos veio por um homem - Jesus Cristo” (1 Co. 15:21).
Jesus Cristo é o semeador, a semente é a Palavra de Deus (Lc. 8:11). Os que a escutam e a retém são “regenerados”, não de semente corruptível, mas pela palavra incorruptível e eterna do Deus Vivo. Esta semente, vivificada em meio ao campo fértil, vencerá a morte e concederá a Vida Eterna, “desnudando o homem velho e expondo o novo homem” (L.C de Saint-Martin) que nada mais é do que "aquele que por conhecimento da fé se renova segundo a imagem de seu criador" (Col. 3:10). Quando a semente divina frutifica, o homem se converte em templo de Deus e o Espírito de Deus o habita (1 Cr. 3:16,6:19), “nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus. Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele”. É ESTA POIS A CONSTRUÇÃO A QUAL TODO MAÇOM RETIFICADO É CHAMADO. Não se esqueçam: “O grão lançado à terra recebe dela a vida; mas se os seu germe está alterado, a própria terra acelera a putrefação.” (23).
A máxima enunciada após a viagem da prova da terra diz: “O Maçom que não abrir o seu coração às necessidades e aos infortúnios dos outros homens, é um monstro na sociedade dos Irmãos” (24). Esta máxima encerra as três viagens do recipiendário exortando-o a Caridade, sem a qual jamais dará frutos o processo iniciático (distorcendo-se a ponto de chegar a monstruosidade), "nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo. 13:35). A caridade cristã é o fertilizante da boa terra. Sem a caridade, o germe divino não pode dar fruto e a terra permanecerá estéril.
O amor de Deus pelo homem permitiu que, depois da Justiça Divina, ele pudesse acessar Sua Clemência e iniciar o processo de Reconciliação, que finalmente o conduzirá à Reintegração. É por causa desse amor que Cristo veio a nós e será através desse amor que nossos corações germinarão com sua palavra.
CONCLUSÃO
Neste ponto, o candidato se fez consciente, ao longo das três viagens, da atual situação em que se encontra. Foi provado pelo Rigor dos Elementos mas ainda não encontrou a luz que procurava e, como já dissemos anteriormente, a entrada do Templo ainda lhe é vedada. Ele está vacilante demais ainda para assimilar tudo o que percebeu, o que faz com que seus olhos permanecem fechados.
A viagem apenas começou.
Será o Venerável Mestre que o recebera Franco-maçom por meio dos três golpes de malhete dados sobre o compasso cuja ponta se apoia em seu coração e que selará para sempre o eco destas três viagens misteriosas no interior de seu ser: “Os três golpes sobre o coração indicam-te a união quase inconcebível que existe em ti, entre o espírito, a alma e o corpo, que é o grande mistério do homem e do Maçom, figurada pelo Templo de Salomão” (25).
I.C.J.M.S.
Que Nossa Ordem Prospere !!!
NOTAS
1 - “depois de se assegurar da sinceridade dos teus desejos, da firmeza das tuas resoluções e do consentimento da Loja, sujeitou-te às antigas provas que era indispensável fazer-te passar, e sem as quais não podias ser recebido” - Excerto do Ritual de Aprendiz Maçom.
2 - “Destinado a entrar neste Templo, fizeram-te subir os três primeiros degraus. Mas não tendo ainda chegado o teu tempo, a porta ficou fechada. Fizeram-te descer” - Excerto do Ritual de Aprendiz Maçom.
3 - “A ponta desta espada apoiada sobre o seu coração não é mais do que um fraco exemplo dos perigos que o envolvem e pelos quais será ameaçado, se não me seguir sem hesitação” - Excerto do Ritual de Aprendiz Maçom.
4 - Primeiro quadro apresentado ao candidato na Câmara de Reflexão - Ritual do Aprendiz Maçom do R.E.R.
5 - Segundo quadro apresentado ao candidato na Câmara de Reflexão - Ritual do Aprendiz Maçom do R.E.R.
6 - Extrato do Ritual de Aprendiz Maçom do R.E.R.
7 - Idem.
8 - Idem.
9 - “Instrução aos Homens de Desejo” - L.C. de Saint Martin.
10 - Extrato do Ritual de Aprendiz Maçom do R.E.R.
11 - ”[...] como punição dessa simples vontade criminosa que os primeiros espíritos foram precipitados, pela pura potência do Criador, em lugares de sujeição, de privação e de miséria impura e contrária aos seus seres espirituais, que eram puros e simples por sua emanação’ - Tratado de Reintegração dos Seres (Martinez de Pasqually).
12 - “Aqui distinguimos o universo em três partes, para fazer nossos pares concebê-lo com todas as suas faculdades espirituais: 1o, o universo, que é uma imensa circunferência onde estão contidos o geral e o particular; 2o, a terra, ou a parte geral de onde emanam todos os alimentos necessários para substanciar o particular, e 3o, o particular, que é composto de todos os habitantes dos corpos celestes e terrestres.” - Tratado de Reintegração dos Seres (Martinez de Pasqually).
13 - Tratado de Reintegração dos Seres - Martinez de Pasqually.
14 - Idem.
15 - Idem.
16 - “O Templo de Salomão é um hieróglifo que representa o universo em sua totalidade e em seus detalhes” - Catecismo do Aprendiz Simbólico publicado por A. Faivre en Les Cahiers de Saint-Martin, volumen III, 1.980: “Extractos de Catecismos de los Caballeros Masones Élus Cohen del Universo, fin del s. XVIII”.
17 - Tratado de Reintegração dos Seres - Martinez de Pasqually.
18 - Extrato do Ritual de Aprendiz Maçom do R.E.R.
19 - O Homem de Desejo. Epígrafe 229. L. C. de Saint-Martin.
20 - Extrato do Ritual de Aprendiz Maçom do R.E.R.
21 - Idem.
22 - La Semilla Santa. R. Arola.
23 - Extrato do Ritual de Aprendiz Maçom do R.E.R.
24 - Idem.
25 - Idem.
FONTES:
- Cerrato, Diego: Boletim G.E.I.M.M.E.
- Saint-Martin, L.C: O Homem de Desejo
- Pasqually, Martinez de: Tratado de Reintegração dos Seres, Edição autentica conforme L.C de Saint-Martin.
- Bíblia de Jerusalém
- cleofas.com.br
- Evdokimov, Paul: Antropologia cristã ortodoxa:
- Ritual do Aprendiz Maçom do Rito Escocês Retificado.
Comments