Sabemos que, inicialmente, um texto com essa temática talvez nem devesse figurar entre os textos de um blog dedicado a maçonaria. No entanto, são tantos os desmandos de maçons que, agarrados a supertições diversas, tendem a se achar "sabios profetas separados da humanidade comum, dotados de conhecimento que os tornou melhores que o vulgo" (todos pra lá de malucos) que resolvemos abordar um pouco o tema do delirio religioso; delirio esse que pode ser detectado em alguns atores da fundação do Regime Retificado (em quase todos com menor ou maior grau). Mas vamos ao texto:
Ensina-nos o magistério da cristão, que a importância do ser humano para Deus é indiscutível e profundamente sagrada. Criado à imagem e semelhança divinas, cada pessoa carrega consigo uma dignidade inalienável, que reflete a grandeza do Criador.
O amor de Deus pela humanidade é manifestado na criação, no cuidado constante e na redenção por meio de Jesus Cristo. A Encarnação e a morte de Cristo demonstram o valor incomensurável que Deus atribui a cada indivíduo. Essa importância ressoa no convite à comunhão com Ele, convidando-nos a viver em harmonia com Sua vontade, buscando a santidade e a felicidade eterna. Assim, o vínculo entre o homem e Deus é essencial, guiado pelo amor, pela misericórdia e pela busca incessante pela plenitude da vida em Deus.
No entanto, é importante notar que essa ligação íntima entre o ser humano e Deus, baseada no amor, na misericórdia e na busca pela plenitude espiritual, pode ser mal compreendida ou distorcida por nossas próprias projeções e desejos, muitas vezes nada saudáveis devido a nossas aspirações de "grandeza" ou, mesmo, pelo ambiente cultural em que estamos inseridos.
No setor da religião (entenda-se aqui religiosidade e inclusive sistemas misticos, maçonicos e esotéricos), os sentimentos e as emoções tendem a se antecipar ao raciocínio; o senso religioso fervido inspira, muitas vezes, a imaginação e a fantasia sem o acompanhamento da lógica. Especialmente em nossos dias isto se verifica: os tempos são ingratos, os problemas socio-econômicos se multiplicam e não se vê, de pronto, uma solução racional ou cientifica para os mesmos.
A conseqüencia é que o homem abatido ou desesperado se deixa facilmente seduzir pela proposta de soluções mágicas e portentosas, mas irracionais e, não raro, pemiciosas. Já o livro dos Atos dos Apóstolos registra um acontecimento tipiico em que as emoções religiosas comandaram irracionalmente a conduta dos homens. Com efeito, a população de Efeso, cultora de deusa Diana, julgava que esta era ofendida pela pregação de S. Paulo. Em conseqüência, a multidão se aglomerou no teatro da cidade "totalmente confusa, a maior parte nem sabia por que estavam reunidos... gritaram por quase duas horas: É grande a Diana dos afésios" intervelo então o escrivão da cidade, incitando a população à calma e ao raciocínio (cf. At 19,23-40).
Mânlio Severino Boécio (470-525), definiu a pessoa humana como “substância individual de natureza racional”. Essa natureza racional nos faz, diante do mundo sensivel, sermos únicos e irrepetíveis, com experiências e percepções totalmente diferentes (de um para outro) do mundo e da realidade. Em sua maioria, são tais interpretações que nos permitem dar sentido ao que vivemos, de modo a sobreviver e nos adaptar ao ambiente que nos cerca.
No entanto, às vezes surgem alterações no conteúdo do pensamento que nos levam a interpretar a realidade de uma maneira específica, prejudicial para nós mesmos ou para o ambiente, impedindo nossa adaptação correta e distorcendo nossa visão, levando-nos a fazer julgamentos falsos sobre o mundo. Isso é o que acontece com os delírios.
Dentro dos delírios, podemos encontrar diferentes tipos, distinguindo-se pelo aspecto ou tema a que se referem. Um deles está ligado a estados de alterações sensoriais propriamente psicóticas e crenças de natureza espiritual, levando-nos a nos considerar, por exemplo, seres com uma missão divina ou até mesmo um tipo de messias. Estamos falando do delírio místico ou messiânico.
O que é o delírio místico?
Entendemos por delírio místico uma alteração do conteúdo do pensamento, resultado de uma interpretação anômala da realidade com temática religiosa-espiritual.
Como delírio que é, supõe um julgamento ou ideia inalterável e fixa que persiste com grande intensidade apesar da existência de provas em contrário, o que geralmente gera um elevado nível de preocupação ou ansiedade em quem o sofre (ou impede a pessoa de funcionar normalmente) e que é, no mínimo, muito improvável, havendo também completa falta de apoio social ou cultural a essa ideia. Frequentemente é resultado da interpretação de uma percepção alterada (como uma alucinação) e geralmente implica em uma certa ruptura com a realidade.
No caso em questão, o delírio em questão tem um conteúdo ligado à espiritualidade e religiosidade. Faz-se uma interpretação do mundo, do eu e dos outros unicamente com base na fé, vendo em tudo o que acontece uma confirmação de suas crenças e da consideração de seu papel no mundo.
Tendem a considerar que a maioria dos atos realizados são pecaminosos e buscam expiar suas culpas ou as dos outros, em alguns casos até mesmo de forma violenta. Não é raro também que existam ideias de autorreferência ou até mesmo de grandeza, considerando o sujeito como uma entidade superior, um enviado divino ou até mesmo uma deidade.
Diferença entre crença religiosa e delírio místico
Para uma pessoa sem crenças religiosas, pode ser relativamente simples atribuir às pessoas que as têm esse tipo de delírio, já que as crenças religiosas em si tendem a ser pouco modificáveis e autoexplicativas (embora a maioria das pessoas considere essas crenças maleáveis e interpretativas, outras as mantenham fixas). No entanto, não é assim, da mesma maneira que ter um bom nível de autoestima não implica um delírio de grandeza: simplesmente estamos diante de uma exacerbação psicótica de crenças que já estavam presentes desde o início.
No delírio místico, é necessária a existência de revelação e missão, vividas com êxtase pela pessoa que o experimenta, além da sensação de possuir um conhecimento claro da verdade através dessa revelação. Também é frequente o abandono do estilo de vida anterior e a completa entrega ao que consideram sua missão. Tudo isso separa o delírio místico da crença religiosa-espiritual normativa, na qual não há confusão seguida pela ideia de significado da experiência alucinatória.
Causas deste delírio
O delírio místico, como pode ser visto, tem uma forte influência religiosa e cultural como uma de suas principais bases. No entanto, as causas para o surgimento desse delírio não dependem apenas desse fator, mas são múltiplos os fatores que contribuem para sua origem. O delírio é percebido como uma explicação racional pela pessoa afetada, muitas vezes servindo para justificar a existência de uma experiência alucinatória que os perturba.
A religiosidade em si é um fator relevante, mas não necessariamente determinante (há controvérsias nos estudos sobre se seu papel é fundamental ou apenas mais uma variável), embora as crenças religiosas específicas de uma pessoa com esse tipo de delírio geralmente determinem o tipo de conteúdo do delírio. Por exemplo, no cristianismo tendem a predominar os delírios relacionados à culpa, enquanto no judaísmo costuma haver uma maior experiência alucinatória noturna associada à ligação da noite com espíritos.
Sim, muitas pessoas com esse tipo de problema não têm nenhuma crença religiosa específica, portanto, nem sempre terá efeito sobre todos. Outros fatores relevantes são o nível e tipo de educação da pessoa e seu estado civil.
Além disso, tem sido associada principalmente a existência desse tipo de delírio místico à presença de intoxicação por drogas, alimentos ou medicamentos, algumas doenças médicas ou psiquiátricas (incluindo especialmente os distúrbios psicóticos como a esquizofrenia), dor aguda ou crônica (interpretada como um sinal), ou demências. Costuma ser típico de pessoas que sofrem do que Emil Kraepelin chamou de parafrenia, um distúrbio psicótico crônico no qual os delírios têm um caráter relativamente fantasioso e, exceto pelo tema em questão, a pessoa não apresenta grandes alterações.
Tratamento de Delirios Misticos
O tratamento de um delírio, independentemente do tipo, é complexo e relativamente lento. Todos nós temos uma tendência a manter nossas crenças de maneira mais ou menos firme. Isso faz com que as experiências delirantes, que para quem as tem representam melhor a realidade do que outras, tentem ser perpetuadas, e as tentativas de modificação direta são rejeitadas. Além disso, os viés interpretativos dos fenômenos que acontecem fazem com que o sujeito reforce sua ideia delirante.
Em todos os casos, primeiramente é necessário estabilizar o paciente se estivermos lidando com um transtorno psicótico, ou combater o agente infeccioso ou tóxico se estivermos diante de uma infecção ou intoxicação de algum tipo. Uma vez iniciado o processo psicológico, é necessário, inicialmente, superar a atitude de vigilância e aversão do paciente em relação ao terapeuta e ganhar sua confiança, sem confrontar diretamente suas crenças delirantes. Busca-se promover a relação terapêutica e gradualmente acessar, à medida que a confiança aumenta, o cerne da ideia.
Propõe-se que o paciente, aos poucos, faça introspecção e visualize o que o levou a pensar dessa maneira. Busca-se aumentar a comunicação e, aos poucos, ajustar os processos de pensamento para um esquema de realidade mais adaptativo.
O tipo de ambiente em que o paciente está inserido também pode ter um papel relevante em seu tratamento, já que é possível que, inicialmente, a sintomatologia não seja considerada aversiva até depois de um período prolongado. Isso aumenta o risco de cronicidade e consolidação do delírio. Nesse sentido, alguma psicoeducação ao ambiente referente ao problema que o sujeito apresenta (sempre respeitando as crenças religiosas que possuem) poderia ser benéfica tanto para ele quanto para o paciente.
I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere!!!
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