A presente série de posts, a qual vamos nos lançar nas próximas semanas e que terá por nome “Lançando Luz Na Escuridão”, teve sua motivação a partir dos círculos de palestras virtuais que tem preenchido os dias de inatividade maçônica, efeito das medidas de isolamento para o combate ao COVID-19. Dentre as tantas apresentações que ocorreram, buscamos assistir sempre aquelas cujo tema poderia conter em si alguma importância direta para o Maçom Retificado e para a Maçonaria Cristã: gnosticismo, simbolismo, teísmo, etc. Daquelas que tivemos contato, algumas foram surpreendentemente interessantes e outras se constituíram um verdadeiro desastre, a ponto de não conseguirmos ultrapassar poucos minutos de sua apresentação, saindo desesperançados ante tantas proposições sentimentalistas, narrativas afastadas de fatos históricos, superstições mascaradas sob a capa de religiosidade ou de “química / física quântica”; enfim de um grande número de “achismos” que conduz a “lugar nenhum ou coisa alguma”. A última que tivemos contato foi quase um sonho esotérico: Em três minutos, se apresentaram três teses estranhas, o que nos obrigou a ficar três dias com as mãos no teclado para - tentar - “salvar a pátria”... Isso deu um total de nove fatos sucessivos, cuja explicação esotérica é: “não tenho ideia do que significa, melhor ver com o numerólogo”. Brincadeiras a parte, esse grande “desastre” nos despertou o sentimento de que é necessário jogar alguma luz sobre alguns temas que a maioria dos maçons desconhecem mas que insistem em perpetuar inverdades a seu respeito. De imediato vamos tentar esclarecer três teses com que nos deparamos: 1) Os Manuscritos do Mar Morto, uma série de pergaminhos encontrados em Wadi Qumran no ano de 1947, trazem uma nova e refrescante perspectiva sobre o gnosticismo, cuja história, até então, só era conhecida a partir da narrativa da Igreja Cristã (que o antagonizara, perseguira e destruira) portanto, a partir desse achado, uma nova luz brilha sobre ele demonstrando que “o diabo não é tão feio quanto se pinta” e que 2) o gnosticismo teria sido o verdadeiro cristianismo, o “cristianismo primitivo”, ainda não “capturado e modificado” pela igreja. E como ultima proposição 3) a teoria da Graça de Santo Agostinho seria um exemplo do pensamento gnóstico.
Vamos a eles, começando por esclarecer os fatos a respeito dos manuscritos do Mar Morto e sua relação com Jesus Cristo, o Novo Testamento e o Cristianismo.
Que Nosso Senhor nos ampare e que nossa ordem prospere!!!
Os Manuscritos de Qumran (Manuscritos do Mar Morto)
Descobertos a partir de explorações iniciadas no ano de 1947 em grutas localizadas a NO e O do Mar Morto (região palestina) certos manuscritos contendo parte das Sagradas Escrituras e de piedosas obras inspiradas na mentalidade judaica antiga, tem suscitado suspeitas no tocante a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo e à mensagem proferida pelos Evangelhos Sinóticos. Eis por que membros de uma ordem como a nossa, que no Convento fundacional de Wilhelmsbad registra em nota ao final do Artigo II de seu recesso « ...o mais sincero apego aos dogmas, deveres e práticas de nossa santa religião cristã.. », devem voltar sua atenção para o estudo dos mesmos, evitando assim qualquer confusão doutrinal que nos afaste dos juramentos prestados em nossa senda iniciática.
O mês de Fevereiro do Ano de 1947 assistiu a um pastor beduíno, que andava a procura de uma ovelha (essa é a versão mais difundida do episódio), descobrir sete jarros de argila, dos quais um continha três rolos de pergaminho. Tal material, inicialmente não claramente identificado, acabou chegando às mãos de estudiosos israelenses e americanos. Estes reconheceram tratar-se de manuscritos bíblicos que poderiam ter altíssimo valor, por serem extremamente antigos.
Em 1949, tendo sido de certa forma apaziguada a tensão que culminara na guerra arabe-israelense de 1948, o Prof. G. Lankerster Hardin e o Pe. Roland de Vaux (respectivamente Diretor do Departamento de Antiguidades da Jordânia e Diretor da “Ecole Biblique” de Jerusalém) iniciaram sistemáticas escavações e procuras na região de Qumran. Suas procuras duraram até o ano de 1958 e se estenderam as regiões de Massada, Ain Feshkaha, Khirbet Mird e Murabba’at. Ao seu término, haviam descoberto 11 grutas, nas quais encontraram cerca de 900 manuscritos; sendo destes apenas 10 mais ou menos integralmente conservados; sendo os demais apenas fragmentos de leitura ora mais fácil, ora não. Os manuscritos foram datados do séc. II a.C. ao séc. I d.C.
Uma quarta parte desses textos são livros ou fragmentos bíblicos. Neles encontram-se todos os livros da bíblia hebraica, excetuando-se o de Ester; curiosamente, repetem-se em vários manuscritos alguns livros em especial, o que sugere serem eles mais estimados e utilizados na região: Isaías, Deuteronômio, os Profetas Menores e os Salmos.
Alguns manuscritos de Qumran e suas adjacências são cópias de textos bíblicos feitas muitos próximas, cronologicamente falando, de seus originais ou autógrafos. Citemos, por exemplo um manuscrito de Daniel encontrado em Qumran, ele é apenas cem anos posterior aos autógrafos de Daniel, que a crítica data geralmente de 165 a.C. Já uma cópia de Eclesiastes lá encontrada dista de seu autógrafo apenas um século. Ora, a importância desse fato é gigantesca, haja vista que até 1948 os mais antigos manuscritos que se tinham da Bíblia Hebraica datam dos séc. IX e X d.C. Logo, os manuscritos de Qumran permitem retroceder mil anos na história do texto de alguns livros da bíblia. Uma interessante nota a se fazer é, pelo confronto com os manuscritos, podemos afirmar que os textos utilizados em nossas traduções atuais são, substancialmente, os mesmos que já se usavam a cerca de dois mil anos.
Mas não foram apenas textos bíblicos os achados de Qumran; além deles, as grutas escondiam dois outros tipos de manuscritos: 1) apócrifos, tais como estavam em uso no judaísmo do tempo de Cristo; 2) os escritos de uma comunidade religiosa judaica, marcada por fortes expectativas messiânicas, que tinha suas próprias regras disciplinares assim como comentários próprios a respeito das Santas Escrituras.
O ano de 1958 assistiu o término da exploração das grutas de Qumran, todavia a exploração e posse dos manuscritos não estava encerrada. Os beduínos foram os primeiros a entrarem nas grutas, todavia não se sabia se haviam descoberto algo ou se as teriam vendido aos arqueólogos e cientistas. Em 1967 por exemplo, após a Guerra dos Seis Dias, os israelenses anunciaram a aquisição de um manuscrito de 8,60m, portador de um texto inédito distribuído em 66 colunas. Tal manuscrito ficou conhecido como “o Rolo do Templo” por descrever pormenores acerca do Templo de Jerusalém (e pasmem; não encontram-se neles nenhum registro sobre Hiram Abif). Seja como for, o montante daquilo que foi encontrado, somando-se “o Rolo do Templo”, está sob constante análise e estudo desde então.
O Ambiente Humano
As escavações em Qumran aconteceram em 1951, 1953-1956 e 1958 e só podiam ser feitas durante o inverno quando a temperatura nos arredores do Mar Morto é mais amena. Durante elas, os estudiosos puderam contemplar um pouco melhor o aspecto do ambiente humano da região.
O mais antigo estrado nos faz retroceder aos séc. VIII/VII a.C. Parece ser uma fortaleza à qual se prendia uma cisterna redonda (única do tipo na região). Tal construção pode ser atribuída ao reinado de Ozias, rei de Judá (781-740 a.C.; cf. 2 Cr 26,10); o nome dessa edificação talvez seja o indicado por Js. 15:62: Ir-ham-melah, cidade do Sal.
É provável que essa fortaleza tenha caído em ruínas na mesma ocasião em que o reino de Judá caiu (587 a.C.). No séc. II a.C. um grupo de sacerdotes judeus e seus seguidores, que via na dinastia hasmonéia - amiga da cultura grega - causa de profanação a Cidade Santa de Jerusalém, povoa outra vez o local. As primeiras construções dessa nova fase se dão por volta de 130 / 120 a.C; deu-se grande valor aos aquedutos e cisternas, pois era necessário que toda água da chuva da região fosse captada e armazenada. Tudo indica que a vida em Qumran tenha ocorrido de forma tranquila, em um clima devocional monástico de oração e trabalho, até que em 31 a.C. um terremoto (relatado por Flávio Josefo) obriga os moradores a deixarem o local; deslocamentos de construções e marcas de incêndio corroboram a tese. Exames de moedas encontradas em algumas regiões sugerem que os monges de Qumran voltaram ao seu deserto por volta de 4 a.C.; reconstruindo então diversos recintos de seu monastério. Esta segunda fase parece ter sido próspera e assaz intensa; terminando, porém, em junho de 68 d.C. quando as tropas da X Legião Romana, visando atacar Jerusalém, rumaram em direção a Jericó e ao Mar Morto. Os monges então, antes de se colocarem em fuga, esconderam nas grutas da vizinhança os seus numerosos manuscritos; objetivando, um dia, quando lá voltassem, pudessem recuperá-los… Tal esperança, no entanto, foi vã; os romanos se apoderaram do local, vitimando parte dos habitantes remanescentes, a estabeleceram ali um fortim, que ficou de pé até o fim do séc. I.
Qumran abrigou ainda durante o período de insurgência anti-romana , entre 132-135 a.C., um grupo de judeus rebeldes.
Após isso, a cidade ficou deserta e ignorada do mundo até o ano de 1947. As ruínas dos mosteiros foram encobertas por areia e pedras. Encontravam-se ai os destroços de uma vasta habitação humana, autêntico mosteiro judaico, com uma ampla sala de leitura, um escritório comum, um refeitório, uma cozinha, aquedutos, etc., e um cemitério com 1100 corpos, na maioria homens (poucas crianças e mulheres - indício de uma vida celibatária, geralmente motivada por crenças errôneas e não por atos de piedade).
O Gênero da Vida
Os estudiosos costumam identificar os monges de Qumran com os essênios, de quem fala Flávio Josefo ( 37-100 d.C. aproximadamente), Filon de Alexandria ( 25-44 d.C.) e Plínio o Ancião ( 23-79 d.C.). Eis por exemplo o que a respeito dos essênios refere Plínio o Ancião, naturalista e geógrafo romano:
“A ocidente do (lago Asfaltide ou Mar Morto), os essênios mantêm-se afastados até onde a margem pode chegar e prejudicar. Povo solitário e mais admirável que qualquer outro no mundo: sem mulheres, longe do amor, sem dinheiro, companheiro das palmeiras. Cada dia se renova adequadamente com o número dos que se lhe juntam, pois afluem em massa aqueles que, cansados da vida, das tribulações da fortuna, são empurrados para adoptar os seus costumes.” [Historia Naturalis, V, 17].
Embora carregado de retórica esse texto se aproxima da verdade histórica
Também Filon de Alexandria deixou alguns escritos sobre os essênios:
“Moram juntos em comunidades fraternas… Há uma só caixa para todos e as despesas são comuns; comuns são também as vestes e comuns os alimentos. Com efeito adotaram o costume de refeições em comum. Um tal recurso ao mesmo teto, ao mesmo gênero de vida e à mesma mesa, nós o procuraríamos em vão alhures” [Quod Omnis Probus, 85].
É certo que o gênero da vida dos habitantes de Qumran se aproximava muito do que foi descrito acima. Conservavam o celibato, talvez nem todos já que cadáveres de mulheres e crianças foram encontrados no cemitério anexo ao mosteiro. Realizavam atos frequentes em comum: encontram-se nas dependências do mosteiro duas salas destinadas a reunião, uma que parece ter sido usada para fins administrativos e outra para refeições; junto a ultima encontrou-se um pequeno compartimento contendo mil peças de cerâmica (jarros, tigelas, pratos, copos…); os ossos de animais encontrados sugere que os qumranitas em refeições, possivelmente de índole religiosa. Foram descobertos ainda: oficinas de carpintaria, olaria com dois fornos, padaria… um grande escritório com uma mesa de 5m e dois tinteiros, onde os numerosos manuscritos da biblioteca eram copiados. Também foram achados diversos víveres e instrumentos de trabalho no campo. Ao sul de Qumran, no oásis de Ain-Fashkha, a terra era cultivada com o fim de produzir alimento para toda a comunidade. Curiosamente, não se encontraram dormitórios em Qumran, o que sugere que os monges dormiam em grutas ou tendas montadas nos arredores do grande edifício onde oravam e trabalhavam. Dado o número de cadáveres encontrado no cemitério, pode-se concluir que este serviu ao mosteiro por pelo menos dois séculos. Acredita-se que em seu período áureo o mosteiro mantivera cerca de duzentos membros.
Embora alguns historiadores queiram identificar os moradores de Qumran com os essênios (nós, mantenedores do blog partilhamos dessa visão), outros preferem guardar certa reserva sobre o assunto. De qualquer forma todos concordam: os moradores de Qumran eram judeus movidos por uma espiritualidade fervida e rigorosa tal qual a descrita para os essênios.
O dia a dia em Qumran era consagrado ao trabalho manual, uma terça parte dele porém, o serão, decorria em estudo de textos bíblicos e dedicação a oração. Observava-se rigorosamente o sábado, quando abstinham-se de toda e qualquer atividade profana. Durante os trabalhos, os monges usavam suas vestes sacerdotais brancas e submetiam-se, no decorrer do dia, a diversas abluções e banhos rituais; para eles, a pureza exterior devia exprimir e fomentar a pureza interior.
Para anexar-se a comunidade, a pessoa deveria exercitar-se durante um ano (algo como o “postulantado” dos dias atuais), seguidos de dois anos de duras provações. As etapas de admissão eram assinaladas pela entrega das brancas vestes, da participação nos banhos rituais e, finalmente, pelo acesso a refeição sagrada feita em comunidade, o que traduzia e tornava o candidato em um membro permanente do mosteiro, com seus plenos direitos e todos os deveres que o status acompanhava. Antes de ser definitivamente admitido, era exigido do noviço um juramento solene de “converter-se a lei de Moisés, conforme a totalidade do que ele prescrevera, com todo seu coração e toda sua alma”.
Os bens que o novo membro tivesse possuído até então, eram entregues ao superior da comunidade. Caso violasse as regras de convívio fraterno era submetido a penas, que variavam bastante, figurando entre elas a exclusão temporária ou definitiva e até mesmo a aplicação de pena capital.
A comunidade era dividida em vários grupos de dez membros , tendo cada um dos grupos um sacerdote, filho de Sadoc.
Origem da Comunidade
No séc. II a.C. (não se sabe ao certo se sob a chefia de Jonatas Macabeu [160-142 a.C.] ou de João Herciano [134-104 a.C.] ou ainda de Alexandre Janeu [103-76 a.C.]), um grupo de fiéis israelitas acompanhados por alguns sacerdotes se retiraram para o deserto de Qumran, objetivando levar uma vida ainda mais dedicada a oração e ao trabalho; julgavam que a fé dos dirigentes de Israel estava contaminada pelo espírito mundano helenista e que era, portanto, impossível coexistir com seus correligionários em Jerusalém. Nutriam a esperança de preparar na solidão o reino de Deus, que deveria irromper chefiado por dois grandes Mestres: o Messias de Aarão, que seria encarregado de ensinar a palavra de Deus e promulgar uma Nova Lei, e o Messias de Israel, figura a qual tocaria o poder régio de Davi. Esse grupo de piedosos homens era inicialmente liderado por um homem denominado “o Mestre da Justiça” encarregado de interpretar as Escrituras Sagradas; seus discípulos eram ensinados a afastarem-se da vida pagã e a renovarem sua fidelidade às Leis de Moisés. O Mestre da Justiça tinha por inimigo um personagem de Jerusalém, chamado nos manuscritos de Qumran de “o Sacerdote Ímpio”, que houvera abandonado as Leis de Deus. Tal figura malvada, chegou a ir a Qumran tentando vencer a passiva resistência dos dissidentes. Seus esforços porém culminaram em fracasso e ele teria acabado prisioneiro dos gentios, que o condenaram a morte.
Espiritualidade dos Pergaminhos
Qual seria a espiritualidade que se exprime nos documentos de Qumran?
Como indica o histórico dos essênios a espiritualidade religiosa entre eles era algo muito fervido, digamos mesmo, abrasador. Não é exagero apontar, sob a luz do bom senso que, desde o princípio, os monges de Qumran revestiram-se de uma característica sectária que, no mínimo, despertaria no homem atual desconfiança e afastamento. Os habitantes de Qumran viviam na ardente expectativa da vinda do Reino de Deus; julgavam-se os únicos israelitas incontaminados, sendo eles mesmos os verdadeiros filhos da luz em meio aos filhos das trevas. Buscaram no distanciamento topográfico do deserto uma espécie de isolamento também para o espírito; em virtude de sua mentalidade estreita e particularista (diga-se: sectária), não queriam contato algum com os moradores das cidades próximas (nesse ponto foram mais longe que os fariseus). Todavia, em paralelo a isso, mantinham algumas concepções religiosas bastante elevadas, estimando, por exemplo, os bens invisíveis, a vida eterna e rejeitando o messianismo político; os maus, para eles, não eram exatamente os pagãos ou os romanos, mas sim seus compatriotas representantes da religião oficial de Israel, que lhes pareciam compactuar com os costumes pagãos.
Ora, é fácil ver que entre os habitantes de Qumran e cristãos há mais pontos de divergência do que de convergência.
Confusões Geradas a Partir dos Manuscritos
Na primeira metade dos anos noventa, foram espalhados dois mitos controversos, que hoje estão bastante diluídos. Um deles afirmava que os manuscritos continham doutrinas que contradiziam o judaísmo ou o cristianismo e que, como consequência, o Grande Rabino e o Vaticano teriam feito um acordo para impedir que fossem publicados. No entanto, atualmente, os documentos aparecem publicados em sua totalidade, ficando evidente que as dificuldades de divulgá-los antes, nada tinham haver com religião, sendo de ordem puramente científica.
Outro mito - com maior repercussão por se apresentar com um pseudo cunho científico - foi originado por Bárbara Thierung, professora de Sidnei, e Robert Eisenman, da State University da Califórnia que publicaram vários livros comparando os documentos de Qumran com o Novo Testamento e concluindo que ambos estavam escritos em código e que aquilo que está escrito não é o que querem dizer, e que seria preciso descobrir o seu significado oculto. Baseando-se na menção de personagens cujo significado não foi possível desvendar (Mestre de Justiça, Sacerdote Ímpio, Mentiroso, Leão furioso, Procuradores das interpretações fáceis, Filhos da luz e Filhos das trevas, Casa da abominação, etc.), sugeriram que o Mestre de Justiça, fundador do grupo de Qumran, foi João Batista e seu opositor, Jesus (segundo Thierung), ou que o Mestre de Justiça teria sido Tiago e seu opositor, Paulo.
Seja como for, atualmente nenhum especialista admite essas afirmações, sendo as mesmas até mesmo motivo de piada entre alguns acadêmicos. O fato de não conhecermos a significação da terminologia utilizada nos manuscritos não significa que contenham algum traço de doutrinas esotéricas sendo, tão somente, desconhecidas mesmo. É mais do que evidente que os contemporâneos dos membros da seita de Qumran estavam familiarizados com essas expressões e que os documentos do Mar Morto, continham doutrinas ou normas diversas das que eram mantidas pelo judaísmo oficial, não contendo nenhum código secreto, nem escondendo nenhuma sorte de teoria inconfessável. Não há exegeta de autoridade que em nossos dias, baseando-se nos manuscritos do Mar Morto, queira identificar Jesus Cristo ou João Batista com o Mestre da Justiça ou mesmo com um essênio (1).
Divergências Entre as Ideias Vigentes em Qumran e as Ideias Cristãs
E decorridos mais de cinquenta anos de análises, a maioria dos especialistas concorda que os documentos de Qumran não apresentam influência alguma sobre o cristianismo e suas origens, já que o grupo de monges do Mar Morto era sectário, minoritário e afastado da sociedade, ao passo em que Jesus Cristo e os primeiros cristãos viviam imersos na sociedade judia de seu tempo, dialogando o máximo possível com ela. O mais interessante para o pesquisador cristão na tomada de conhecimento sobre os documentos é esclarecer alguns termos, expressões habituais à época, difíceis de se alcançar nos dias de hoje, importantes para uma melhor compreensão do ambiente judaico - tão diversificado na ocasião - em que o cristianismo nasceu.
A mentalidade em Qumran ou a mentalidade apregoada pelo Mestre da Justiça parte de um pressuposto completamente diferente da mentalidade cristã apregoada por Nosso Senhor Jesus Cristo. O Mestre da Justiça escolhera retirar-se para o deserto com seu grupo de discípulos no intuito de evitar o contato com o restante dos homens, a quem considerava como imundos, Jesus Cristo fez caminho diferente: comeu com os pecadores, disse que viera em busca da ovelha perdida, partiu para um ministério público onde objetivava trazer remédio não para os sadios, mas para os doentes (cf. Mc. 2:16; Lc. 5:30). Assim Jesus Cristo (e consequentemente os primeiros cristãos) destoava dos fariseus e os escandalizava; muito mais teria escandalizado os habitantes de Qumran, cuja regra mandava “odiar todos os filhos das trevas” (I 10); Jesus Cristo pregava um amor que deveria estender-se até mesmo para aos inimigos (cf. Mt. 5:44; 22:40). Logo, não é possível associar o pensamento de Jesus ao pensamento dos habitantes de Qumran, do Mestre da Justiça ou - em escala mais larga - ao dos essênios.
O Mestre da Justiça (assim como seus seguidores) aguardava a vinda do Reino de Deus por obra de DOIS Messias; os primeiros cristãos acreditavam em apenas UM Messias; o próprio Jesus Cristo que se afirmara como tal: “Eu sou o Messias que te falo” (Jo. 4:26); “É agora o julgamento do mundo” (Jo. 12:31); “O Reino de Deus esta no meio de vós” (Lc. 17:21).
Luzes Trazidas Pelos Manuscritos de Qumran ao Cristianismo
Os manuscritos do Mar Morto possuem expressões e vocábulos paralelos aos utilizados no Novo Testamento: chama muita atenção, por exemplo, a metáfora de “luz e trevas” para designar a Verdade (ou a Vida) e o erro (ou a morte); cf. Lc 16:8; Jo. 3:19-21; Jo 12:35; 2 Cor 6:14-17; Cl 1:12. Até o início do século passado alguns eruditos sustentavam que o Evangelho de São João e as Epístolas de São Paulo teriam adulterado a mensagem de Jesus, estritamente vasada nos moldes do Antigo Testamento, pois ousaram mesclar-lhe as ideias e expressões do mundo helenista pagão; alguns, por isto, chegavam a denegar ao Apóstolo São João a autoria do quarto Evangelho, julgando que um judeu nunca teria podido usar moldes tão helenistas para sua escrita. Ora, o conhecimento dos manuscritos de Qumran nos permite saber hoje que precisamente os escritos paulinos e joaneus são os que mais possuem afinidade de temas e de vocabulário com o Judaísmo. Todavia, semelhança não implica em dependência; e podemos afirmar sem medo que não há tema ou vocábulo comum aos documentos do Mar Morto e ao Novo Testamento de Nosso Senhor Jesus Cristo que não esteja germinalmente contido em escritos bíblicos anteriores a ambos.
O estudioso, por conseguinte, não se deixará transviar por semelhanças que se apontem entre essenismo, a filosofia de Qumran e o cristianismo. Mas voltará sua atenção para a positiva mensagem que os manuscritos do Mar Morto contém: revelando-nos uma face até então desconhecida do judaísmo contemporâneo a Jesus Cristo; ao passo que até então, nos era conhecida quase exclusivamente a mentalidade legalista, formalista de facção farisaica. Agora, aparece-nos o aspecto de um Judaísmo interiorizado, profundamente religioso e místico que, mesmo contendo graves erros caracterizados por uma mentalidade sectária, demonstram que já estava em curso uma transição lenta e gradual da espiritualidade do Antigo Testamento para uma espiritualidade mais próxima da mensagem do Evangelho. Constituem o fundo imediato sobre o qual se vê com mais clareza e pujança que a mensagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, se mostra de fato, correspondente com as sãs expectativas do Judaísmo; sendo o cumprimento das promessas feitas aos Patriarcas de Israel.
Notas:
1 - O autor que é tido como protagonista de tal tese é Andre Duppont-Sommer, que apenas a fez insinuar de longe, nunca porém tendo-a proposto como tal. Escreveu ele em um parágrafo de “Nouveaux Aperçus Sur Les Manuscrits de la Mer Morte” (Paris 1956, 206s): “Eu esboçara um ligeiro paralelismo que visava a despertar a curiosidade do leitor, sem pretender de modo algum solucionar, por meio de simplificação excessiva, um problema dos mais complexos… Seja-me lícito lembrar o início: ‘O Mestre Galileu, tal como no-lo apresentam os escritos do Novo Testamento, aparece, sob mais de um aspecto, como surpreendente reencarnação do Mestre da Justiça’. Ao passo que eu exprimia com cautelas intencionais, os meus leitores suprimiram as palavras essenciais, atribuindo-me a seguinte frase: ‘Jesus não é mais do que surpreendente reencarnação do Mestre da Justiça!’. Isto implica confundir ‘ser’ e ‘parecer’, implica deixar de lado uma precisão importante; quem diz ‘sob mais de um aspecto’ não dá a entender que a semelhança não é total?”. Infelizmente; alguns se aproveitam dessa distorção e buscam mantê-la até nossos dias, com objetivos desconhecidos da razão e da ciência...
I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere !!!
Fontes:
- Revista P&R 004: Os Manuscritos do Mar Morto
- Mater Ecclesiae: Apostila Curso de Ocultismo
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