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Mais Acerca Da Beneficência

Então o novo maçom retificado é iniciado e, ao menos simbolicamente, deixa para trás as trevas do “mundo profano”; cinge seus rins com seu avental (herança dos antigos canteiros de obras), calça brancas luvas para simbolizar a pureza das mãos e ganha uma espada e um chapéu com o qual cobrirá sua cabeça com orgulho quando chegar a ocasião de tornar-se mestre. O tempo passa e esse maçom avança nos estudos - ou pelo menos avança de grau em grau graças a sua profunda habilidade de pagar mensalidades e taxas de iniciação em dia - colecionando participações em ágapes onde se entrega a arte da degustação da boa comida e da boa bebida (momento maçônico favorito de alguns), assistindo e produzindo o exercício de retóricas que na maioria das vezes são apenas risíveis, ambicionando graus e títulos futuros que exibirá um dia com a mesma felicidade e com o mesmo brilho nos olhos que os adolescentes fãs de séries japonesas (mangás e animes) apresentam nas participações de eventos de cosplay.


Quanto a sua “filosofia” - embora já no momento exato de sua recepção a Ordem tenha se submetido a um juramento com a mão posta sobre o Evangelho de São João e em diversos momentos ritualísticos, conforme avança nos graus, testemunhe a afirmação e a reafirmação do caráter cristão do R.E.R. - ele abraça qualquer coisa que não seja Jesus Cristo e que não faça parte da ortodoxia cristã, faltando apenas afirmar literalmente: “Deus me livre de Deus”. Levanta então teses sobre um "cristo-cósmico" (se perguntado o que isso significa na maioria das vezes murmura algumas coisas sem nenhum sentido filosófico ou teológico), sobre adesão a um tipo de judaico-cristianismo, sobre budismo, sobre chakras, sobre reencarnação, sobre rosacrucianismo, sobre Blavatsky e sobre qualquer outra bobagem pseudofilosofica que a ele se apresente e que alimente sua fantasia pelo “maravilhoso”, pelo “misterioso”. Não importa para esse maçom "retificado" se temos ou não as cartas dos fundadores e - muito menos - o que elas dizem, não importam as reflexões dos pensadores do rito na época dos conventos, não importam as atas dos próprios conventos que norteiam EXATAMENTE aquilo que deveríamos ser e como deveríamos nos portar para merecermos levar a frente o estandarte da maçonaria retificada.


Não, para ele o que importa é se temos ou não uma classe secreta, se ela ainda está atuante e se um dia ele será - por sua grande “capacidade espiritual transcendente" - convidado a fazer parte dela; e mais ainda, se ela está realmente apta a dar-lhe os superpoderes que seu pensamento mágico crê ser possível alcançar caso ele consiga (dado sua grande "iluminação interior") dominar a “teurgia de Pasqually”. Enfim, o que importa para esse maçom é o "teatrinho”, é o cosplay...


Mas calma, não se irritem ainda. Não estamos aqui atacando os irmãos e muito menos a Ordem maçônica que tanto amamos. Estamos aqui, traçando essas linhas, justamente por crermos que é possível sim, e alguns irmãos têm se esforçado muito para fazê-lo, evitar esse quadro trágico e caricato que narramos acima e no qual estamos mergulhados. Somos plenamente capazes de nos tornar uma Ordem tão gloriosa e tão útil quanto idealizaram nossos pais fundadores. Para tanto, basta deixarmos de lado a fantasia "maçônico-esotérica" (ou seria maçônico-esquisotérica?) e nos voltarmos às diretrizes que nos foram legadas nos escritos dos conventos fundacionais de nossa Ordem (disponíveis facilmente a qualquer um que por eles possa se interessar), ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo e ao desejo de reconhecê-Lo como verdadeira origem e de tê-Lo como verdadeira meta… Trabalhemos pois, por nosso bem e pelo bem da humanidade que nos cerca, com Cristo, por Cristo e em Cristo...


No artigo “A Prática Constante da Beneficência” falamos sobre a importância capital da beneficência no Regime Escocês Retificado e de como ela constitui um dos pilares que sustentam a Ordem. De fato, sua importância perpassa o Regime e se estende para todo o conjunto de sistemas maçônicos que se possa conhecer. Isso é demonstrado ao maçom retificado, ainda como aprendiz, quando se depara com o seguinte dialogo:


"ORADOR - Como se pode distinguir um Maçom dos outros homens?


MESTRE DE CERIMÔNIAS - Por uma beneficência ativa e esclarecida, por uma maneira de pensar nobre e elevada, costumes suaves e uma conduta irrepreensível."


Ou seja, na ausência da prática dessa virtude, não é sequer possível distinguir se você é maçom ou um profano. E isso não vale apenas para você: homem maçom; isso vale para sua loja, para sua potência, para sua prefeitura, para seu Priorado… Sem ação caritativa, de fato, somos apenas cosplayers.


“Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei.” - 1 Cor. 13:2


Vamos as atas do Convento de Galia para aprofundar mais a questão:



Memorando Sobre os Conceitos Que a Ordem Deve Relacionar ao termo Beneficência, Adotado Pelo Convento e Anexado as Atas por Determinação do Mesmo.


O documento número 95 anexo as Atas de Gália possui o seguinte conteúdo:


Tratamos aqui de definir, de forma invariável, o verdadeiro sentido que a Ordem deve dar ao termo beneficência; que é, ao mesmo tempo, grito universal e ponto central de reunião de todos os franco-maçons. Todos a ambicionam igualmente e afirmam ser ela a base de seus sistemas, desejando que ela mesma dirija as formas e atos de nossa instituição. Todavia falta ainda chegar a um termo sobre o verdadeiro significado dessa expressão, pois ainda que cada definição sobre ela tenha em aparência o mesmo objeto, todas variam quanto a sua aplicação e, quase todas, se limitam a pontos de vista particulares e sectarizantes de algo que não deveria ser considerado a não ser em seu sentido mais amplo; encerram-na assim em esferas demasiadamente estreitas, das quais resultam múltiplos sistemas e variados modos de se encarar a forma através da qual a Ordem deveria dirigir seus trabalhos.


Todos esses sistemas, dedicados somente a ramos particulares da beneficência que tomam como verdadeiro tronco, são facilmente conciliáveis se deixamos de emprestar um caráter particular a algo que deve ser tomado em sua integralidade, quando não se limita o sentido de uma palavra destinada a expressar uma virtude cuja essência não encontra limites pois é como o amor do Ser Eterno por todas as Suas criaturas, amor este que nada mais é do que a base de sua origem.


Não é em discussões acadêmicas ou gramaticais que devemos buscar a solução ao problema que nos ocupa. É no fundo do coração que a imagem que estamos tentando expressar deve existir. Somente ela pode julgar se “a tela pintada está em conformidade com o modelo”; e se, depois de haver apreendido essa abordagem, o coração, satisfeito pelas ideias que encerra, sente-se arrebatado e lhe dá sua aprovação, não há necessidade de avançar mais e a questão está encerrada: uma Ordem dedicada em sua plenitude a fazer o bem, não pode hesitar em adotar um sentido mais amplo para cumprir de forma mais vasta aquilo que concebe ser seu objetivo sagrado. No entanto, supondo que o sentido que a Ordem adotasse a respeito da beneficência diferisse sensivelmente do sentido vulgar; Poderíamos nós, recusar a Ordem o direito de determinar por si mesma a extensão das ideias que deseja relacionar com o nome de algo que constitui a base e a razão “per se” de todos os seus trabalhos?


A virtude que denominamos beneficência é aquela disposição da alma que faz que o bem aja de forma incessante em nome dos outros (1), independente da forma ou da maneira pela qual o bem possa agir. Esta virtude, portanto, necessariamente abrange um campo imenso, pois, sendo sua essência operar o bem em geral, tudo o que o espírito pode conceber de bom no universo é sua preocupação e deve ser submetido a sua ação. E é dessa forma que o homem deve contemplar e praticar a virtude graças a qual se assemelha ao Princípio Infinito do qual é a imagem; principio do puro bem que, desejando a felicidade para todas as suas criaturas, sem exceção, age de forma incessante para obtê-la, sendo assim eterna e infinitamente beneficente (2).


Tal é, pois, a ideia que se deve formar acerca da beneficência, que sem exceção deve estender-se a tudo aquilo que possa ser bom e útil aos demais, sem descuidar de nenhuma forma possível de exercê-la. Logo, aquele que se limita a oferecer socorros pecuniários aos indigentes está de fato fazendo um ato de beneficência, mas não pode, legitimamente, obter título de benfeitor; também aquele que acredita tê-lo feito protegendo a inocência, ou ainda aquele que se limita a aliviar seus irmãos sofredores, ou mesmo aquele que, em uma ordem superior de coisas, dedica toda sua beneficência em iluminar e instruir seus semelhantes. Já que todos estes bens tomados separadamente não passam de ramos diferentes de uma mesma árvore, que não se podem isolar sem privá-la da vida.


Só merece verdadeiramente o título de Benfeitor aquele que, absolutamente convencido do quão sublime é a sua essência, considerando a grandeza de sua natureza, formada à imagem e semelhança do princípio eterno de toda a perfeição, com o olhar sempre dirigido a essa mesma fonte da qual surge toda a luz, todo o bem, para imitá-la e cumprir assim os deveres sagrados que lhe são impostos por sua natureza, sente que, da mesma forma que a bondade eterna abraça todos os seres, todos os tempos, todos os lugares, dessa mesma forma a beneficência - que não é mais que manifestação dessa bondade - nunca deve ser limitada. Só merece verdadeiramente o título de Benfeitor aquele que sabe que tendo sido criado à imagem e semelhança divinas, viola sua própria lei quando esquece o seu dever de imitar seu modelo sem descanso (3) e que somente manifesta sua existência a todos os seres por suas boas ações; aquele que tem consciência de que tendo nascido para ser órgão dessa infinita bondade, não deve jamais fechar uma mão destinada a repartir; aquele que é impelido a propagar os efeitos que, segundo as circunstâncias e os seus meios dá, aconselha, protege, alivia, instrui; Aquele que que pensa e age sem descanso para o bem dos seus semelhantes, não deixando de agir senão para começar de novo com forças renovadas, fazendo que esta tarefa seja a tarefa central de toda a sua existência, e que enfim, se os limites de suas faculdades não lhe permitem percorrer ao mesmo tempo toda esta imensa estrada, abraça pelo menos em seu coração, sua vontade, seus desejos, todos os meios imagináveis para operar o bem a todos os seres susceptíveis de experimentar seus os efeitos.


Constitui portanto um abuso profundo conceder o título geral de beneficência somente a atos particulares desta virtude cuja essência é abraçar, sem exceção, todos aqueles atos que podem tender a fazer o bem à humanidade. Nossa respeitável Ordem, que tem por objeto a manifestação desta virtude, não deve limitar suas aplicações; nada que possa ser útil à humanidade, sem excetuar ai seus próprios membros, que são os primeiros chamados a colher os preciosos frutos da instituição que os une, deve ser-lhes alheio, e seu lema deve ser: Boni nihil a me alienum puto.


Deixemos então de fatiar a beneficência, como sempre se fez, de dividi-la em diversos ramos isolados e, consequentemente, de debilita-la e degradá-la; pelo contrário, reunamos todas os ramos os quais possamos conceber para formar a beneficência geral da Ordem. Estendida, ou destinada a estender-se, sobre toda a superfície da Terra, possuindo no seu seio membros de todas as classes, de todos os estados, de todos os países; reunindo assim, ou sendo capaz de reunir, no seu mais alto grau todo o gênero de conhecimento, de talentos e de meios, guardemo-nos de atenuar os resultados que devemos esperar de tão grande combinação de forças; que a Beneficência universal da Ordem, uniforme no seu princípio, isto é, ativa, esclarecida, fundamentada sobre o amor mais ardente pela humanidade e pelo respeito mais profundo pelas leis do Grande Arquiteto do Universo seja, em suas aplicações, tão variada como o são as necessidades da humanidade. Que todas as partes da Ordem e todos os seus membros se consagrem a dar constantemente exemplo prático da virtude, de dedicação e de respeito pela divindade e suas leis, de patriotismo, de submissão ao Soberano e as leis, em uma palavra: de todas as virtudes religiosas, morais e civis, pois este é o modo de como se pode ser útil a humanidade, sendo o mais eficaz, é universal e não admite exceção em nenhum tempo, lugar ou circunstância.

Quanto aos bens particulares que a nossa instituição possa verter sobre a família humana, dependerão dos meios, das faculdades, das circunstâncias, da localização de cada estabelecimento e de cada indivíduo. Que parte de nossos estabelecimentos se dediquem a aliviar os pobres e as doenças, que outra abra asilos à indigência e à velhice; que aqui se levantem orfanatos, que ali se estabeleçam escolas onde se possa aprender os deveres para com Deus, para com o Soberano, para com a Pátria, para com seus irmãos e para consigo mesmo; onde se possa cultivar e favorecer todo o gênero de conhecimento útil para a felicidade humana, conhecimento capaz de aproximar os homens do bem e da virtude; que cada estabelecimento, cada indivíduo, tenha a certeza de ter cumprido os objetivos da Ordem quando, segundo a sua situação e os seus meios, tenha cumprido no seu âmbito de ação o gênero de bem que tenha sido de maior utilidade. Repito, que nenhum gênero de beneficência nos seja estranho, que esta seja a ligação comum que reúna todas as partes da Ordem, que quaisquer que sejam os sistemas que possam ser adotados em outra parte, tenham todos estes princípios por base imutável e por objetivo primeiro. É fundamental fazer para a humanidade o maior bem possível, no sentido mais amplo que o espírito possa conceber.


Esse plano, apesar de sua extensão, não tem nada de assustador e não exige nada além de pureza de intenção e de amor ao bem que em todos os regimes se afirma existir e que deveria nos caracterizar a todos. Ai daquele cujo coração seco e corrupto não tolera esses princípios, este não é - de nenhuma maneira possível - digno de estar entre nós; devemos rejeitá-lo caso se apresente a nós e afastá-lo de nossos templos caso neles habite (5). Este plano, não tendo de uniforme mais do que os princípios da virtude sobre a qual se sustenta, acomoda-se de forma natural, em seus detalhes, a todos os sistemas honestos, a todos os talentos, a todos os meios, a qualquer localização geográfica e a qualquer circunstância. Por acaso existiria uma virtude isolada que possa encontrar tantas ocasiões de manifestar-se como essa e que seja susceptível de tão grande diversidade de aplicações? Não há um só instante da vida em que ela não possa ser exercida dado ao fato de que as necessidades da humanidade serão sempre mais numerosas do que os socorros que podemos lhe oferecer. A correspondência exata e fraterna na qual o Chefe Geral da Ordem é o centro e o arquivo provincial é o depositário, deve ser suficiente para preservar a totalidade e a pureza dos princípios, para colocar toda a Ordem, conjuntamente em suas diferentes instâncias, para desfrutar os benefícios onde suas boas ações são difundidas e para delas participar, nem que seja para que aqueles que não puderam realizar o bem por seus próprios atos possam, ao menos, parabenizar aqueles que o fizeram.


Pois é este o modo como a Ordem deve contemplar o sentido do termo beneficência. É desta forma, adotando-a da maneira mais ampla possível, que uma Ordem de tão extenso alcance espiritual, tão iluminada, deve traçar para si os rumos da beneficência, tão vastos quanto o princípio vivo que a originou, um princípio que não é outro - repito - senão o amor infinito do Grande Arquiteto do Universo por todas as suas criaturas, que todo homem, nascido à imagem e semelhança divina, deve imitar e no qual encontrará tão grandes e deliciosas recompensas, caso seja fiel a esta lei. Finalmente, é desta forma que todos os projetos particulares podem ser conciliados e aninhados com objetivos gerais, da Ordem; está, consagrada sem reservas ao bem da humanidade, manifestando-se apenas por suas boas ações, se fará amada e respeitada em todos os momentos e garantirá sua existência e tranqüilidade para sempre.


Assina:

A. CIRCULIS


Notas:


1 - Percebam que é o Bem em si que age por intermédio do homem (ou da Ordem e consequentemente dos homens que dela fazem parte) em direção aos outros; assim, é o homem maçom apenas um instrumento do Bem que deseja expandir-se na direção de todos. Logo, para que uma atitude assistencial (seja ela moral, espiritual ou mesmo física) comporte legitimidade como ação caritativa, deve esta, estar em pleno alinhamento com Bem em si mesmo, tal qual o concebem os cristãos graças a sindérese que os guia e as virtudes teologais que os sustentam e das quais radicam as demais virtudes.


2 - O Senhor Deus (o puro Bem) é tão beneficente para com suas criaturas que mandou seu Filho Unigênito em sacrifício para salvação do gênero humano (cf. Jo. 3:16). Deu-lhes ainda pastores fiéis a Sua palavra (seus apóstolos e posteriormente aqueles que os sucederam) a fim de que o homem nunca perdesse o “mapa” do caminho da salvação: vemo-lo nas Sagradas Escrituras, na Igreja Cristã erguida por nosso Senhor, na sombra da Cruz e na ação apologética de cada fiel que conserva e transmite, com a ajuda do Espírito Santo que habita tal ação, o ensinamento, precioso depósito, das salutares palavras ouvidas da boca de Nosso Senhor Jesus Cristo.


3 - Esse trecho do documento nos remete às palavras do apóstolo: “Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo! ” - 1 Cor. 11:1


4 - Mais uma vez somos levados às escrituras: “Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor”. Jo 4:7-8


5 - Recorda-me a passagem das Santas Escrituras: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” Mt. 7:23 ou ainda Mt. 25:30 “Lançai pois o servo inútil nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes.”


I.C.J.M.S.

Que Nossa Ordem Prospere !!!






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