“O espírito do homem é a lâmpada do Senhor; ela esquadrinha todo o mais íntimo do ser” – Pv. 20: 27
“... Se o homem é um pensamento do Deus dos seres, nós somente podemos ler-nos em Deus mesmo e compreendermo-nos em Seu próprio esplendor” - Extrato de Ecce Homo de Louis Claude de Saint Martin
Como já dissemos anteriormente no artigo "Questões Essenciais Sobre a Iniciação Maçônica no Regime Retificado - Parte 1” e como foi detalhadamente tratado no artigo “Das Provas dos Elementos no Ritual de Aprendiz Maçom”, o primeiro grau do R.E.R marca o tempo do começo das coisas materiais; de cujos elementos compõe-se o homem físico atual. Este homem passa a existir a partir da aplicação rigorosa da justiça divina que atira nosso primeiro pai (Adão) ao lamentável estado de miséria em que se encontra atualmente a raça humana; justiça essa que ele (o homem) conseguiu moderar apelando para a clemência do Criador, que lhe estende a possibilidade de alcançar o refrigério (alívio) por meio da iniciação (1) - como instrumento da misericórdia divina - a fim de que possa quitar a sua dívida e dirimir a falta cometida pelo primeiro homem.
Já o segundo grau marca o tempo de duração desta existência material; situando o homem (na figura do iniciado) em um fragmento exato deste tempo, onde ele deve realizar o trabalho de conhecer a si mesmo para retificar aquilo que está distorcido (dirigit obliqua), em definitivo, para poder assim expiar sua falta. Ora, o conhecimento de si mesmo é condição essencial para realização da obra da regeneração do homem e de sua posterior reintegração espiritual a seu estado glorioso; como demonstrado anteriormente por Santo Agostinho é na alma humana que se encontra o lugar da intimidade com Deus, lugar do grande encontro, lugar onde está Deus e onde está o que há de melhor no homem: “Noli foras ire, in teipsum redi: in interiore homine habitat veritas” - Não procure fora. Entra em ti mesmo: no homem interior habita a verdade… e Jean-Baptiste Willermoz estava plenamente consciente da validade deste método ascendente que ensina que devemos partir primeiramente do homem, examinando-lhe imagem e faculdades, para pouco a pouco “não reconstruir Deus a partir do espelho humano” (2) mas abrindo-nos para o que Deus nos diz “no único livro que Deus escreveu com a mão ...” e que “foi feito a imagem de Deus e de acordo com sua semelhança” (3), o homem que somos, que vemos, experimentamos e podemos estudar cuidadosamente, elevando-nos com respeito à divindade invisível (4).
No momento exato da abertura da loja de Companheiro Maçom, fica claro o objetivo de nossos trabalhos nesse grau:
Venerável Mestre - “Irmão Primeiro Vigilante, qual o motivo de nossa reunião ?”.
Primeiro Vigilante - “Irmão Segundo Vigilante, qual o motivo de nossa reunião ?”.
Segundo Vigilante - “O de procurarmos conhecer-nos a nós mesmos, para fazer novos progressos na Franco Maçonaria”.
Primeiro Vigilante - “Venerável Mestre, o de procurarmos conhecer-nos a nós mesmos, para fazer novos progressos na Franco Maçonaria”.
Venerável Mestre - “Como conseguiremos nós atingir tal fim?”.
Primeiro Vigilante - “Irmão Segundo Vigilante, como conseguiremos nós atingir tal fim?”.
Segundo Vigilante - “Com verdadeiro desejo, coragem e inteligência”.
Primeiro Vigilante - “Venerável Mestre, com verdadeiro desejo, coragem e inteligência”.
Venerável Mestre - “Por que razão nos é necessário esse conhecimento?”.
Primeiro Vigilante - “Irmão Segundo Vigilante, por que razão esse conhecimento nos é Necessário ?”.
Segundo Vigilante - “Para nos livrar dos erros, nos ensinar a cumprir os nossos deveres e nos tornar dignos de servir de guias aos nossos Irmãos.”
Primeiro Vigilante - “Venerável Mestre, para nos livrar dos erros, nos ensinar a cumprir os nossos deveres e nos tornar dignos de servir de guias aos nossos Irmãos.”
Venerável Mestre - “Onde estão traçadas as regras dos nossos deveres ?”.
Primeiro Vigilante - “Irmão Segundo Vigilante, , onde estão traçadas as regras dos nossos Deveres ?”.
Segundo Vigilante - “Elas estão impressas nos nossos corações: a razão instrui-nos, a religião aperfeiçoa-nos e a temperança ajuda-nos a completá-las.”.
Primeiro Vigilante - “Venerável Mestre, elas estão impressas nos nossos corações: a razão instrui-nos, a religião aperfeiçoa-nos e a temperança ajuda-nos a completá-las.”.
Se há algo no grau de Companheiro que não deixa a menor dúvida é o seu objetivo; o Companheiro Maçom sabe, com absoluta certeza, a que obra ele é convidado a dedicar-se e quais os motivos que a justificam. Desde a cerimônia de recepção no grau essa intenção é apresentada a ele de forma clara, sendo o ápice desse esclarecimento o momento em que é colocado de frente ao espelho velado (emblema dos Companheiros) que após descoberto lhe mostra sua imagem refletida tal qual é … A lição oferecida ao candidato para que aprenda a conhecer-se é simples, precisa e profunda: “Penetrai corajosamente no interior do vosso coração, sondai mesmo no fundo da vossa alma para encontrar aí o conhecimento de vós mesmo [...] A mais bela prerrogativa do homem, meu Irmão, é a de poder conhecer-se a si mesmo” (5). Pois “Aquele que não se conhece ainda não tem qualquer ideia justa da sua origem e do seu destino” (6). Nos recorda a regra maçônica: “Sonda os esconderijos do teu coração [...] ” “Nenhum homem, meu Irmão, faz progressos para o Bem, sem o conhecimento de si mesmo” (7).
Tendo em conta que todo o drama ritualístico do grau de Companheiro Maçom ainda se situa no lado de fora do Templo, podemos considerar (sem medo de passarmos por atrevidos) que a entrada deste Templo Místico que estamos construindo, como maçons simbólicos, localiza-se no coração do homem e a chave para sua abertura é o “conhecimento de si mesmo”.
E mais uma vez, o método de Jean-Baptiste Willermoz e de Santo Agostinho se cruzam, dizia Agostinho (realizando em plenitude o bom trabalho do Companheiro, ainda que não o fosse ...) em Confissões: “Instigado por esses escritos a retornar a mim mesmo, entrei no íntimo de meu coração sob tua guia, e o consegui, porque tu te fizeste meu auxílio (Sl 29,11). Entrei e com os olhos da alma, acima destes meus olhos e acima de minha própria inteligência, vi uma luz imutável (...). Era como se brilhasse muito mais clara e tudo abrangesse com sua grandeza. Não era uma luz como esta, mas totalmente diferente das luzes desta terra. Também não estava acima de minha mente como o óleo sobre a água nem como o céu sobre a terra, mas acima de mim porque ela me fez, e eu abaixo porque fui feito por ela. Quem conhece a verdade conhece esta luz, e quem a conhece, a eternidade. O amor a conhece. Ó eterna verdade, verdadeira caridade e querida eternidade!”
“Esse trabalho é penoso, realmente; mas ele fornece a chave de todos os mistérios e conduz à verdadeira felicidade” (8); é por isso que não se pode tentar realizá-lo com pressa ou de forma superficial, pois dele depende o acesso real ao interior do Templo, a esse espaço sagrado que - como maçons - prometemos restaurar em nós mesmos a fim de acolhermos o Espírito Santo em pureza e santidade, tornando-nos então morada do Eterno; “Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós ?” (1 Cor. 3:16)
O grau de Companheiro contém uma chave essencial para nosso progresso como maçons retificados. Infelizmente, por vezes ele é tratado de forma “morna” ou mesmo “fria” em nossas lojas; certamente tal “abordagem” se dá pela incompreensão; muitos maçons acabam não se “empolgando” com a cerimônia de recepção ao grau de Companheiro dado sua simplicidade se comparada a cerimônia de recepção do grau que a precede: a de Aprendiz Maçom. Mas se por um lado o drama ritualístico iniciático que se apresenta no primeiro grau encanta pela força do conhecimento da cosmovisão apresentada, no segundo grau situa o iniciado em um momento específico no tempo de duração das coisas materiais, levando-o a novas viagens onde esse não se deparará mais com os elementos (presentes na formação das coisas materiais inclusive dele mesmo) mas sim com os próprios frutos produzidos por essa materialidade; frutos os quais ele é convidado a abjurar (dado sua periculosidade (10)) pelo fato mesmo de que o conhecimento que busca como iniciado visa: despojar a alma de seus invólucros corporais, subtrair as concupiscências que a dilaceram, recolhê-la nela mesma, onde necessariamente tende para Deus e pode, enfim, auxiliada pelo uso da razão, atingir a serenidade e a felicidade análogas à beatitude que - na via da regeneração - alcança após a morte. Aqui, o novo homem faz retorno a si mesmo progredindo – algo como na dialética dos degraus em Platão – do exterior em direção ao interior, à própria intimidade da alma, com a condição de que o interior é preferível ao exterior, ele toma conhecimento de seu mal estado moral, descobre sua atual dessemelhança com a divindade (dirigiti obliqua) e tem assim a possibilidade - a partir do mais profundo de seu ser - de expiar a sua falta.
O autoconhecimento é o grande “pivô” dos mandamentos Maçônicos” (11). “Onde estão traçadas as regras dos nossos deveres ? [...] Elas estão impressas nos nossos corações [...]” afirma o ritual de Companheiro Maçom na abertura dos trabalhos, seguindo o que nos ordenou o Nosso Deus: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração” (Dt. 5:5-6). Essa ordenança, que vai ao encontro da essência da Lei promulgada no Decálogo da Antiga Aliança no monte Horeb, foi complementada pelo amor do Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, aos homens, dando-nos um novo mandamento: “Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros” (J. 13:34), pois o amor é a plenitude da Lei que rege nossos deveres maçônicos e cristãos , deveres esses que nossas regras maçônicas sabiamente reconheceram em seus vários artigos tendo o Evangelho como base de nossas obrigações…
- ”Por que razão nos é necessário esse conhecimento?”
- “Para nos livrar dos erros, nos ensinar a cumprir os nossos deveres e nos tornar dignos de servir de guias aos nossos Irmãos”.
Aquele que busca o conhecimento verdadeiro de si mesmo, encontra o amor e o conhecimento do Deus Verdadeiro: “Deus e o homem são seres verdadeiros que podem conhecer-se na mesma luz e doarem-se no mesmo amor”, afinal “Deus é amor e quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele”.
I.C.J.M.S.
Que Nossa Ordem Prospere !!!
Notas:
1 - Há outros instrumentos para se alcançar essa clemência, todavia no Regime Retificado a iniciação é o instrumento para tal.
2 - Evdokimov, Paul N. : Sztuka ikony Teologia piekna.
3 - Saint Martin, Louis-Claude: “O Homem de Desejo”.
4 - Já tivemos a oportunidade de tratar da proximidade do pensamento de Santo Agostinho e de Jean-Baptiste Willermoz na postagem “Elementos Agostinianos no Regime Retificado: A Alma como Espelho Da Trindade” neste blog.
5 - Extrato do Ritual de Companheiro Maçom do Rito Escocês Retificado.
6 - Idem.
7 - Idem.
8 - Idem.
9 - “Meu caro Irmão acabais de fazer hoje o 2° passo no percurso Maçônico. Este, aparentemente mais simples que o primeiro, não é menos importante e impõe-te novos deveres, bem fundamentais. Oferece-te também novos símbolos para meditares, que não podem ainda ser-te claramente explicados.” - Extrato do Ritual de Companheiro Maçom do Rito Escocês Retificado.
10 - “[...] ele fez as três primeiras viagens e venceu os obstáculos dos metais, depois de ter percebido os perigos que eles representam” - Extrato do Ritual de Companheiro Maçom do Rito Escocês Retificado.
11 - Extrato da Regra Maçônica.
Comments