O principal idealizador do Regime Escocês Retificado, Jean Baptiste Willermoz, foi um homem sábio e de mente aguçada. Fortemente instruído sobre a iniciação maçônica em 1772 ele escreveu: “Há tempos os maçons se ocupam em investigações infinitas para desvendar o verdadeiro objetivo da Ordem [...] Eu mesmo tenho trabalhado incansavelmente para descobrir no curso de estudos contínuos de mais de vinte anos e de uma correspondência particular muito extensa com instruídos irmãos dentro e fora da França”.
Ora, se no passado, homem tão esclarecido dedicou mais de vinte anos ao aprofundamento do estudo da iniciação maçônica, cercado das pessoas mais instruídas de sua época, para solucionar o objeto de sua busca, podemos afirmar hoje - sem medo de cairmos em erro - que o fruto de seu trabalho está a salvo no Regime Escocês Retificado, depósito de uma tradição espiritual que remonta a antiguidade do homem e orienta sua trajetória vital recordando-o sobre sua realidade primitiva e como chegou a situação atual e provendo-lhe os auxílios necessários para alcançar o destino glorioso que, por sua natureza divina, lhe corresponde.
Como já dito aqui anteriormente, Joseph de Maistre, em sua Memória ao Duque de Brunswick (1782) afirmou que “O grande objeto da maçonaria será a ciência do homem”, Jean-François Var (Padre Ortodoxo e Cavaleiro Maçom, dedicado a mais de 15 anos de estudos a Maçonaria Retificada) define em seu trabalho sobre o Esoterismo Cristão (veja, não Cristianismo Esotérico, o blog já lançou luzes sobre isso) esclarece em que consiste essa ciência do homem através dos escritos de Jean Baptiste Willermoz e de uma anotação de Louis Claude de Saint Martin. Reproduzimos aqui tal definição:
“A maçonaria tem um objetivo universal, que a moral não pode alcançar. É verdade que a prática da sã moral e dos deveres em sociedade parecem ser o objetivo dos graus, mas essas virtudes não podem ser o objetivo real. Se fossem, para que teríamos a necessidade do uso dos emblemas (símbolos), dos mistérios e da iniciação ? O objetivo da maçonaria é esclarecer o homem sobre sua verdadeira natureza, sobre sua origem e sobre seu destino”.
“ A Franco-maçonaria quando bem meditada (pensada) , os convida sem cessar, por toda sorte de meios, a vossa natureza essencial. Ela busca, de forma constante, aproveitar todas as ocasiões para fazê-los conhecer a origem do homem, seu destino primitivo, sua queda, os males que resultaram em consequência dessa queda e os recursos que a bondade divina proporciona para que possam triunfar”.
E enfim, uma citação de Louis Claude de Saint Martin em sua obra “Quadro Natural das Relações entre Deus, o Homem e o Universo”: “A palavra ‘iniciar’, em sua etimologia, quer dizer aproximar, unir ao princípio; a palavra initium significando tanto princípio quanto começo. E, desde então, nada é mais comum à todas as verdades que o costume das iniciações em todos os povos, nada mais apropriado à situação e à esperança do homem que a fonte de onde descendem todas as iniciações, cujo objetivo ao qual se propõe em todas as partes é: anular a distância existente entre a luz e o homem, o de aproximá-lo a seu princípio, restabelecendo-lhe ao mesmo estado em que se encontrava no começo”.
Ainda segundo Jean-François Var a iniciação ou fenômeno iniciático é triplamente relativo:
Relativa a Deus: Deus-Princípio, criador e ordenador de todas as coisas, Deus-Providência, tanto reparador por sua ação como providencial para anular os efeitos da queda (privação divina absoluta).
Relativa ao Homem: A sua condição passada, presente e futura. A iniciação é exclusivamente para o homem. Sem o homem, não há iniciação.
Relativa a história: Por um lado a história metafísica e ontológica do homem que recolhe os termos da queda, reparação da queda e restauração ou reintegração. E por outro lado a História Sagrada pela qual a Providência torna possível a iniciação, adaptando-a aos sucessivos estados do homem, adequação essa pensada, desejada e tornada real pela Providência.
“A iniciação, em última análise, não outra coisa a não ser os socorros divinos poderosos e eficazes concedidos ao homem pela clemência do Criador; o todo constituindo um processo dinâmico, no qual Deus e o homem cooperam em sinergia para Glória de Deus e para o bem estar do homem”
O processo iniciático que se dá por meio dos rituais do Regime Retificado canaliza esse socorro divino poderoso e eficaz, seu verdadeiro sentido (o da iniciação maçônica) é deixado extremamente claro desde o princípio, assinalado ainda na Loja de Aprendiz pela coluna trucada (Adhuc Stat!). O homem, separado de sua origem divina (imerso na morte espiritual), porém ainda conservando em si algo de sua natureza primeira, por meio da iniciação há de ser unido novamente a Deus, a luz de onde procede, restabelecendo assim seu estado primogênito (ressurreição espiritual gloriosa). O trabalho do maçom consistirá pois em restaurar a coluna truncada para recuperar sua conexão com o alto. Essa é a única iniciação possível por meio da maçonaria primitiva, retificada na Maçonaria Cristã do R.E.R. Não pode existir nenhuma iniciação maçônica, de acordo com os princípios anteriormente expostos, em um contexto ateu ou agnóstico, onde no máximo restos simbólicos e mudos sobrevivem, assemelhando-se a um quebra-cabeças desordenado e incompleto, do templo tal como o Mestre Escocês o encontra no princípio de sua recepção.
A caminhada estabelecida através dos diferentes graus do R.E.R é precisa e minuciosa, cada etapa há de ser explorada e realizada desde o mais profundo do ser.
O primeiro grau do R.E.R marca o tempo do começo das coisas materiais, de cujos elementos está composto o homem físico atual, que passou a existir após a aplicação inexorável da justiça que castigou o homem após a sua queda, justiça essa que ele (o homem) conseguiu moderar apelando para a clemência do Criador, Criador que lhe concede o refrigério (alívio) da iniciação para quitar a sua dívida e dirimir a falta que o homem cometeu.
Já o segundo grau marca o tempo de duração desta existência material, durante o qual o homem deve conhecer a si mesmo para retificar o que está distorcido (dirigit obliqua), em definitivo, para expiar sua falta: “A vida inteira lhe é dada para aprender a fazê-lo, mas frequentemente e quase sempre chega ao seu termo antes de efetivamente tê-lo começado, e permanece lamentando-o.” - Jean Baptiste Willermoz.
No grau de Mestre, o candidato é apresentado ao cadáver de Hiram representando “O fim do homem físico e de todas as coisas temporais” (como explicado no Grau de Mestre de Santo André), uma vez que “recordou” diante o monumento funerário dos mestres que “sua natureza essencial é imperecível e sobrevive [a seu corpo físico-material], já que está destinada a remontar sua origem primitiva, se tiver méritos” - Extrato do Ritual de MESA.
O corpo do recipiendário será colocado no túmulo de Hiram recordando o assassinato de Hiram Abif pelos maus Companheiros, rememorando desta forma a morte espiritual do primeiro homem tentando pelas potências demoníacas e seu posterior “revestimento” carnal, pois a carne é a tumba onde o espírito é submetido a morte, limitando assim sua ação e sua visão da gravidade dos instintos e das paixões desordenadas, produto do “esquecimento” sofrido após a encarnação: “esquecendo-se o que ele é, o que ele deve a si mesmo e aos outros e à todas as suas relações sociais” - Extrato do Ritual de MESA.
Os cinco pontos da perfeição (1), pelos quais é erguido da tumba o novo mestre, te propiciaram o meio de regeneração moral, tanto individual quanto coletiva, já que é por meio deles que ele recebe a vida no seio da morte, sendo sua lição moral que “se o pior dos males é definhar na morte do vício, o homem pode, com coragem, boa vontade e o socorro de bons conselhos, domar as paixões que o dominam e adquirir uma vida nova. É então que se torna verdadeiramente um mestre, útil pelo exemplo e pela instrução..” (Extrato do Ritual de Mestre Maçom). “Aquele que estava semelhante aos mortos, renunciou aos vícios que o podiam corromper e recebeu uma nova vida.” (Extrato do Ritual de Mestre Maçom).
Em suma, a superioridade do Mestre, sua verdadeira maestria, sua nova vida, se determinará pelo conjunto de seus pensamentos, palavras e atos, como dito no Ritual de MESA: “Considere, meu caro Irmão, qual é a vantagem, e a superioridade sobre seus semelhantes, de um homem que soube se tornar mestre de seus pensamentos, de suas palavras e de seus atos. Conceba então o valor e a importância desta temperança universal cuja recomendação te tem sido feita fortemente”. Tenhamos em mente que, essa regeneração ou renascimento se produz desde a carne, essa carne corrompida que se desprende dos ossos do cadáver que representa o homem morto para a virtude, mas que “mantém no fundo de sua alma o germe do bem que o ainda o une a seu ser primordial.” (Extrato do Ritual de MESA), renascendo outra vez para a virtude por meio do processo iniciático que o desperta do sono profundo do túmulo, tal qual Lázaro despertou de seu sepulcro ao ouvir as palavras do Senhor Jesus: “‘Lázaro, levanta-te’, foi a ti, alma humana, que ele endereçou sua palavra, muito mais do que ao cadáver, que era somente o símbolo do verdadeiro renascimento[...] Se te foi dito [Pelo Reparador dos Mundos]: ‘Lázaro, levanta-te!’ para que, por tua vez, tu repitas, livremente a todas as tuas faculdades adormecidas: ‘Lázaro levanta-te’, e para que essa palavra circule continuamente em todas as partes do teu ser [...] essa operação preliminar se torna indispensável para ti, porque estás morto depois de quatro dias, isto é, nas quatro grandes instituições primitivas que não soubeste cumprir, e porque difundes a imperfeição por todos os lugares.“ - (Extratos de ‘O Novo Homem’ - LCSM).
Logo, a iniciação não está completa no grau de Mestre, daí a necessidade de um Quarto Grau Simbólico do R.E.R. O trabalho do Mestre segue penoso, pois no plano físico todo homem segue subjugado as influências de sua natureza animal, e graças a ela, as revoluções espaçotemporais que o impedem de ter uma visão espiritual plena. Dizia Joseph de Maistre: “Ao estado em que se encontra reduzido [o homem] não tem nem a felicidade de ignorar-se, contempla-se sem cessar e não pode fazê-lo sem envergonhar-se; sua grandeza o humilha, pois suas luzes, que o elevam até a região dos anjos, servem tão somente para demonstrar-lhe a inclinação que possui para descer a região dos brutos”.
Notas:
1. Extrato do Ritual de Mestre sobre os cinco pontos do toque:
VM - Que significam estes 5 pontos de toque?
MCer - Lembram aos Maçons a sinceridade, a cordialidade, a união íntima que deve reinar entre eles e a obrigação de se socorrerem uns aos outros em toda a sua capacidade.
IC.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere !!!
Fontes:
Cerrato, Diego - Cuestiones Claves de la Iniciacion Masonica en el Regimen Rectificado em www.caballerosdelarosa.org
Instrução Secreta aos Grandes Professos
Var, Jean-François - A iniciação e Cristo, Apreciações Sobre a Iniciação Cristã, A Iniciação Maçônica e a Iniciação Maçônica Cristã, 2008
Willermoz, Jean Baptiste - O Homem Deus, Tratado das Duas Naturezas
Ritual do Grau de Mestre Escocês de Santo André
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