Em postagem anterior, destinada a explicar o que é o Regime Escocês Retificado, abordamos sua natureza ecumênica.
Naquela ocasião, explicamos que O R.E.R, integrado a Maçonaria Universal (admitindo pessoas de todos os credos religiosos sem nenhuma distinção) , comporta em suas fileiras maçons de todas as confissões religiosas, até porque a doutrina incorporada nos rituais do R.E.R e em sua simbologia, sendo profundamente cristã, reflete, acima de tudo, o anseio original pelo sagrado, que vem acompanhando toda a humanidade desde seu alvorecer, anseio esse onde, naturalmente, se inserem as mais diversas formas de crença.
E nem poderia ser diferente, afinal, uma das fontes de inspiração espiritual que ajudaram a moldar o rito é a Patrística. E na doutrina dos Pais da Igreja tal idéia de um bem superando crenças não era rara. Olhemos por exemplo os dizeres do Filósofo, São Justino, Mártir ( Nascido aproximadamente em 100 a.D. e martirizado por volta de 165 a.D. ) :
"O Logos é a Razão preexistente, absoluta, pessoal, e Cristo é a sua personificação, o Logos encarnado. Tudo o que é racional é cristão, e tudo o que é cristão é racional. O Logos dotou todos os homens de razão e liberdade, as quais não se perderam com a queda. Ele espalhou sementes da verdade antes de sua encarnação, não apenas entre os judeus, mas também entre os gregos e bárbaros, especialmente entre os filósofos e poetas, que são os profetas dos pagãos. Aqueles que viveram de modo racional e virtuoso em obediência a esta luz preparatória foram cristãos de fato, ainda que , embora não de nome; enquanto aqueles que viveram de modo irracional estavam sem Cristo e foram inimigos de Cristo. Assim pode-se afirmar que Sócrates foi cristão assim como Abraão, embora não soubesse disto".
Vê-se , de forma muito clara, o quanto a ideia de Justino sobre Cristo e o Logos combina com aquilo que cultivamos em nossas lojas: a ótica de um bem universal - oposto ao mal - e disponível a todo homem de boa vontade , bons princípios e bons costumes.
É óbvio que, no início, o R.E.R abrigava em seus quadros apenas membros de religiões de denominação cristã e de confissão trinitária. Aliás como fazia a maior parte da maçonaria, senão toda ela, até o fim do século XVIII. O R.E.R nasce com uma natureza cristã calçada no ecumênismo e, com o tempo, se deixa naturalmente evoluir (Assim como toda maçonaria) … Vale lembrar que o termo ecumênico provém da palavra grega οἰκουμένη (oikouméne) e significa mundo habitado. Em um sentido amplo é a procura da unidade entre todas as igrejas cristãs (católica, anglicana, protestante e ortodoxa) e, no sentido lato, pode designar a unidade entre as religiões. E é exatamente em direção a esse sentido lato, que a compreensão da maçonaria e do R.E.R. evolui, tornando-se universalista ao acolher a todo e qualquer irmão maçom independente de suas crenças.
Mas se, por um lado, o R.E.R ganha adeptos abrindo suas asas para abrigar e alimentar, tal qual o pelicano eucarístico, a todos os seus filhos “dispersos”, por outro lado, ele sofre um duro golpe vindo de muitos desses mesmos filhos: As tentativas , quase desesperadas, de encontrar ou criar restrições que buscam limitar, em maior ou menor medida, o alcance da realidade cristã do rito (Ainda que essa realidade seja totalmente demonstrável desde o Ritual de Aprendiz Maçom).
Vamos analisar um pouco mais de perto essas tentativas:
Alguns irmãos afirmam que o R.E.R tem uma característica mais “crística” do que cristã. Tentam, por meio desse argumento, descrever o rito como portador de um “cristianismo atenuado”. Todavia o termo “crístico” é um adjetivo e seu significado é: “relativo a pessoa de Jesus Cristo ou a sua vida, ou ainda, aquele que age conforme a filosofia e ensinamentos de Jesus Cristo”. Ou seja, cristão de qualquer jeito. Assim, os que usam esse termo, acabam por não explicar absolutamente nada daquilo que se propõe a dizer.
Já outros, que contam com renomados autores entre eles, sustentam que o termo “cristão” aqui empregado é feito apenas de forma cultural, uma remanescência da sociedade do século XVIII. Reduzem-no a um “decorum”, uma alegoria… Usam como argumento uma comparação com a figura da espada, afirmando que nem um e nem outro teriam valor real nos dias atuais e na sociedade moderna… Ora, não é preciso analisar muita coisa nesse argumento para ver que ele ignora o quanto um símbolo é importante para um maçom, algo quase vivo, especialmente o símbolo da espada e no caso do R.E.R ainda mais que em outros ritos: “A Espada que lhe estava em cima significa a força da Fé na Palavra da Verdade, sem a qual a lei por si só, não poderia conduzir o Maçom à Verdadeira Luz.” (Extrato do Ritual de Aprendiz Maçom). E, se fosse a fé apenas uma figura alegórica para os maçons, homens que negam a crença em um Deus que tudo criou teriam livre entrada garantida na maçonaria mas não é isso que acontece...
E finalmente, ainda que de forma sutil, há quem afirme que o caráter cristão do rito só aparece de forma ostensiva a partir do Quarto Grau (Mestre Escocês de Santo André) e que, antes disso, vivenciamos nos graus que o precedem uma espécie de “vulgata maçônica” onde todo conhecimento tem caráter veterotestamentário, já que se fundamenta no Templo de Salomão. Estes se baseiam em algumas passagens da “Instrução Final do Recém Recebido ao Quarto Grau do Regime Escocês Retificado”.
Seria interessante tratarmos dessas passagens de forma completa porém vamos ver apenas alguns trechos delas:
“foste avisado que viria um momento onde tu serias obrigado a te explicar nítida e precisamente e de demonstrar, sem rodeios, sem ambiguidades, suas verdadeiras opiniões religiosas, e não vamos te dissimular que teu progresso futuro depende sempre dessas conformidades com as crenças da Ordem.”
“Dos nossos Irmãos que foram encarregados de tua preparação para cada um dos graus anteriores, tu terás de reportar tu crença religiosa, considerada como a primeira garantia das virtudes maçônicas, e que depende teu progresso na Ordem.”
E chega então, a frase que suscita tal pensamento:
“Sim, a Ordem é cristã. É seu dever, e ela somente pode admitir em seu seio cristãos ou homens bem-dispostos a ser de boa fé, a aproveitar os conselhos fraternos pelos quais eles podem ser conduzidos.”
Ou seja, para os defensores de tal tese, é somente com essa frase que a Ordem se define como cristã.
Só que essa interpretação ignora uma quantidade enorme de afirmações que a desqualificam categoricamente no mesmo texto:
“Os quadros colocados sob teus olhos, as explicações que te foram feitas, e as instruções que tu vens recebendo há muito tempo, te fazem conhecer bastante àqueles que não professam a religião cristã, e que não são admissíveis em nossas Lojas.”
“Em nossas Lojas” e não “Em nossas Lojas Escocesas” ou ainda, “No Grau de Mestre Escocês de Santo André”, estamos falando de “nossas Lojas” e elas estão estabelecidas desde o grau de Aprendiz Maçom. E é desde o grau de Aprendiz que a ordem revela seu caráter totalmente cristão.
Vamos olhar mais de perto outro extrato do ritual:
“É por isso, desde muitos séculos, desde a época incerta onde os descendentes dos antigos iniciados do Templo de Jerusalém tinham sido iluminados pela luz do Evangelho, com seu apoio, para aperfeiçoar seus conhecimentos e seus trabalhos, todos os compromissos maçônicos, em todas as partes do mundo onde a instituição se espalha sucessivamente, são contratados no Evangelho e principalmente no primeiro capítulo de São João, no qual este discípulo muito amado, e esclarecido por uma luz divina, estabeleceu com tal sublimidade a divindade do Verbo encarnado. É sobre este livro santo que desde teu primeiro passo na Ordem tu tens contraído todos os outros.”
Sim, assim como é dito acima, desde o primeiro passo na Ordem essa crença é transmitida ao profano que ora se torna maçom e não somente no Quarto Grau… recordemos:
“prometo sobre o Santo Evangelho, em presença do Grande Arquiteto do Universo, e sob minha palavra de honra. Perante esta respeitável assembleia, ser fiel à santa religião cristã [...] Se eu faltar a este compromisso que acabo de assumir de livre vontade e firme determinação, consinto em ser chamado de homem sem fé, sem honra e digno de desprezo de todos os homens.” - Juramento do Aprendiz
“Santo Evangelho”, ”Santa Religião Cristã” … e isso , no compromisso firmado no primeiro dia do maçom na ordem… Então, não há como dizer que a característica cristã aparece apenas tardiamente.
Em resumo, nosso Rito é cristão, o que é revelado desde o momento em que o profano faz seu juramento para de tornar-se maçom. E é justamente a religião que garante a estabilidade desse juramento. Más não é qualquer religião … é a religião revelada pelo evangelho, a religião do Cristo, o Verbo Encarnado.
I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere !!!
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