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LIBERTATEM LAPIS

SOLSTÍCIOS, ÁGAPES e SÃO JOÃO no rer

Atualizado: 27 de out. de 2020



Dividir a mesa, comer em união o pão em partilha; é parte do Cristianismo desde seu estágio primitivo, e seu ponto de fundação (podendo inclusive ser observado até mesmo antes dele). A história sagrada mostra que ainda antes da Encarnação do Verbo, o ato de “reunir-se em comunidade para partilhar o alimento” sempre foi de extrema importância na vida do Povo de Deus. Inúmeros são exemplos das boas obras que nasceram à mesa dos justos. A própria Santa Ceia e as cartas paulinas revelam uma primitiva tradição cristã que relacionava o ministério da Igreja de Cristo - Diakonia - com o ato verdadeiro de celebrar e partilhar o pão.


Várias são as passagens no Antigo Testamento que reforçam a importância de comer em união; em Gn 43; 30-34 vemos a reconciliação e o perdão no entorno da mesa; em Ex 12; 1-20, Deus orienta o povo de Israel para, reunido à volta da mesa fraterna, tomar ocasião para recordar, transmitir e celebrar em festa a libertação do jugo da escravidão no Egito. Em Dt 6; 4-8; ainda que não se tenha uma referência direta à mesa, deduzimos que reunidos em torno dela encontramos o perfeito ambiente para cumprir as diretrizes do Senhor e que as palavras d'Ele sejam guardadas em nossos corações para àqueles a quem amamos.


Deixando o Velho Testamento e adentrando no tempo do ministério público de Nosso Senhor, vemos Jesus Cristo assentando-se à mesa para transmitir a Boa Nova durante a partilha dos alimentos (Lc 14:1-14); ocasião em que falou do valor da humildade e das prioridades do Reino de Deus. Ainda em torno de uma mesa, Jesus fala a seus discípulos sobre sua dor e sofrimento (Mt 26:17-30) e institui a Eucaristia, favor especialíssimo de Deus aos homens e o maior dos sacramentos sendo a razão de ser da própria Igreja. Afinal, é a comunhão do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor que nos incorpora cada vez mais ao Seu Corpo Místico. Como nos lembraria São Bernardo de Claraval: “Quando Jesus está presente corporalmente em nós, ao redor de nós, montam guarda de amor os anjos”. Podemos concluir que a refeição coletiva em que o Senhor esta presente, quando os homens se reúnem em Seu Nome, é sinal de amizade, alegria e esperança.


Não é a toa que a primeira refeição que os cristãos dos primeiros séculos faziam em comum (um banquete de confraternização) recebia o nome de Ágape. Ágape é uma palavra grega que significa amor; porém, no mais pleno sentido de doação de si mesmo. Amor este que o próprio Cristo vivenciou ensinando aos homens por meio de seu exemplo: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15:13). Em Mt 22:37-41, Jesus Cristo deixa claro qual é o maior mandamento: “Amai (ágape em grego) ao senhor vosso Deus com todo vosso coração e com toda vossa alma e com toda vossa mente. Este é o primeiro e maior de todos os mandamentos” seguido de: “Amai (ágape) vosso próximo como a vós mesmos”. Na passagem de Mt 24:12, fica claro que os escritores cristãos previam que no fim dos tempos esse tipo de amor se tornaria cada vez mais escasso na vida das pessoas - “E, por se multiplicar a iniquidade, o amor (Ágape) se esfriará de quase todos.


A refeição em comunidade como sinal de amor fraterno, sob a benção de Deus, atravessou a Idade Antiga e chegou como legado para a Idade Média. Nos mosteiros, por exemplo, eram feitas em silêncio absoluto segundo minucioso ritual obrigatório pela regra de São Bento. Tal ritual foi precursor das maneiras à mesa da sociedade Europeia e constituiu modelo até mesmo para as refeições tomadas entre os irmãos de armas das Ordens de Cavalaria (seculares ou religiosas). As corporações de ofício também adotaram a prática de tomar refeições em comum, todavia entre estes se observava o costume de fazê-lo no próprio canteiro de obras nos intervalos entre os trabalhos. Durante as refeições toda sorte de informações eram trocadas, os êxitos eram celebrados e os laços entre os homens (juramentados por segredo de profissão) se fortaleciam.


De tropeiros a pastores, de soldados a monges, de famílias plebeias a nobres, as refeições coletivas ajudaram a consolidar e conservar o bom e o belo entre os homens, bem como foram essenciais para agregar civilidade e amor à coletividade humana.


Os mestres fundadores da maçonaria eram versados nas Sagradas Escrituras, conheciam a importância de São João para a Cristandade e o reverenciavam nas festas solsticiais. Da história das ‘corporações de ofício’ herdaram o costume de dividir a mesa em festa ainda nos primórdios da formação da Ordem. Estas festas de celebração se converteram nos Banquetes Ritualísticos maçônicos, Ágapes, dedicados aos dois São João, Batista e Evangelista. Fizeram de São João patrono das Lojas maçônicas azuis e, simbolicamente, todas tem seu nome sendo reconhecidas como justas e perfeitas.


Não foi por acaso que no ano de Nosso Senhor de 1717, em 24 de junho; dia do nascimento de São João Batista, quatro lojas inglesas se reuniram na taberna “Goose and Gridiron” e fundaram a Grande Loja de Londres e Westminster, considerada por muitos historiadores como a primeira Grande Loja da maçonaria especulativa. Este fato corrobora o conceito de dedicar lojas maçônicas aos santos Batista e Evangelista desde “tempos imemoriais”, já que os primeiros documentos maçônicos os citam e falam sobre “A Loja do Santo João em Jerusalém”, tais referências são uma clara herança de épocas anteriores a 1717 quando várias lojas maçônicas já os tinham como patronos.


Estes dois homens; considerados santos (separados dos costumes mundanos e consagrados a Deus), viveram de acordo com a vontade d’Ele neste mundo superando, inspirados por Deus, seus próprios defeitos e pecados se tornando fonte de inspiração para a cristandade já nos seus primórdios e seu simbolismo tornou-se importantíssimo para a maçonaria.


São João Batista era filho do sacerdote Zacarias (da geração de Aarão) e da justa Isabel (da geração de Davi). Sua aldeia se localizava perto de Hebron, nas montanhas, ao sul de Jerusalém. Era primo de Nosso Senhor Jesus Cristo por parte de mãe, Nossa Senhora. Seu nascimento foi considerado como um milagre já que seus pais eram idosos e não tinham outros filhos. No Evangelho o Arcanjo Gabriel anuncia a seu pai, no interior do templo, que o menino nasceria e ordenou que lhe dessem o nome de João (de significado Deus é favorável). João Batista, pela graça de Deus, escapou da morte após seu nascimento quando por ordem do rei Herodes, que tentava matar o menino Jesus, milhares de crianças foram massacradas em Belém e arredores. São João cresceu num deserto inóspito, preparando-se através de uma vida austera para sua grande sua missão.


Totalmente desapegado das coisas do mundo material, suas vestes eram rústicas, feitas do pelo de camelo e um cinturão de couro, se alimentava de mel silvestre e gafanhotos. Ele permaneceu no deserto até seus trinta anos quando foi em direção do povo para pregar a Salvação e a vinda do esperado Messias (Cristo). Os rituais judaicos de limpeza (purificação pela água), segundo a lei mosaica, se repetiam sempre que um judeu se tornasse impuro. O batismo que João pregava era muito distinto e realizado apenas uma vez, se aproximando do batismo realizado pelos cristãos nos dias de hoje, não era o tipo de banho ritual que os judeus conheciam. O fato de João ter ficado conhecido como Batista, indica que a imersão realizada por ele era diferente. Os líderes religiosos judeus até mesmo enviaram uma delegação para perguntar-lhe: “Por que batizas?” (João 1, 25).


Uma antiga prece ortodoxa compara São João à estrela da manhã, cujo brilho excedia o de todas as outras estrelas anunciando a manhã do dia abençoado, iluminado pelo Sol espiritual de Cristo (Mal. 4:2). Quando a espera pelo Messias chegou a seu ponto culminante, o Próprio Reparador dos Mundos veio até João no rio Jordão para ser batizado; sendo recebido por São João que O descreveu assim “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29) acompanhado por fenômenos milagrosos: a descida do Espirito Santo na forma de uma pomba e se ouviu a voz de Deus Pai vindo do céu - “Este é o Meu Filho Bem Amado” (Mt 3, 17).


São João Evangelista era um judeu da Galileia, filho de Zebedeu e irmão de São Tiago Maior, era pescador. Foi designado para acompanhar Pedro na preparação da última ceia. Esteve ao pé da cruz com a Santa Virgem Maria e o Redentor os uniu pela maternidade adotiva, Ela como mãe de João Evangelista. Santa Maria se tornou como “Fonte de Sabedoria” para João lhe dando segurança doutrinária o que lhe fez merecer o título de “o Teólogo por excelência” dado pelos Padres do Deserto. Jesus era chamado às vezes de “filho da viúva”, já que (diante dos olhos dos homens) seu pai – José – estava morto; e este título recaiu também sobre São João Evangelista e por consequência a todos os cristãos que se tornam dali em diante, eles mesmos, “Filhos da Viúva”. A maçonaria adotou tal expressão como sinônimo de maçom, sendo este o motivo pelo qual o tronco de solidariedade é também conhecido como tronco da viúva. Escreveu o Apocalipse, três epístolas e o Evangelho de São João, no qual se refere a si mesmo como “o discípulo que Jesus amava”.


Diferente de todos os outros apóstolos que morreram martirizados, São João Evangelista partiu pacificamente para a Casa do Pai, na cidade de Éfeso, Turquia, por volta do ano cem da era cristã e aos 94 anos de idade, segundo Santo Epifânio.


Ambos representam para a Ordem o caminho virtuoso e reto. As vidas dos dois Santos discorrem de maneira paralela, porém unidas pelo Sagrado (Jesus). Deste conceito de linhas paralelas unidas pelo Sagrado a maçonaria marcou em suas Lojas os dois pontos solsticiais da astronomia, usando a figura do sol (centro de nossa galáxia) que em seu aparente movimento ao redor da terra marca as estações do ano, dedicando duas delas aos dois Santos. São João Batista é celebrado no solstício de verão e São João Evangelista no de inverno. Este belíssimo simbolismo da luz refletida pelo sol a terra se completa pela linha do equador no templo; marcada pelo assento do VM, este reflete com fartura a Luz que vem do Alto. Tudo o que descrevemos acima demonstra os motivos que levaram aos fundadores da Ordem Maçônica a fazer dos Santos patronos das Lojas e dos solstícios uma celebração obrigatória, e ao mesmo tempo prazerosa, em todos os ritos maçônicos.


O Regime Escocês Retificado que, por sua origem, busca a restauração da maçonaria à seus primórdios, quando essa se norteava pelos ensinamentos dos Pais da Igreja, retoma então (após cada sessão e ainda em três datas festivas do Regime) a tradição da ceia em comum dos pedreiros operativos e a celebração em Ágape dos primeiros cristãos.


Convido-vos a um Banquete frugal e fraterno, vinde e desfrutai, numa Sociedade de Irmãos, os encantos da igualdade”.


Este convite do Venerável Mestre marca o encerramento dos trabalhos maçônicos de maneira muito peculiar no Regime Retificado, pois é realizado na hora profana e de forma sutil instrui aos maçons do RER sobre o fato de que  seu trabalho de levar Luz à humanidade é continuo e ininterrupto; que o tempo sagrado um dia será eterno conforme era no início quando o próprio conceito de tempo não existia e o homem era um com Deus. Este Encerramento Ritualístico por dois tempos maçônicos (meia noite e meia noite em ponto) e a hora profana, distinto da Abertura em três tempos (décima segunda hora, meio dia e meio-dia em ponto), torna o Banquete frugal e fraterno (Ágape) em um “Laço de União” entre os irmãos e o Céu, o Sagrado e o profano, transformando a partilha em igualdade do pão entre irmãos maçons em amor fraternal, entrelaçado por Deus, sendo este o maior tesouro maçônico e exemplo para a humanidade, esta representada pela hora profana.


Venerável Mestre - "Irmão 1º Vigilante, que horas são afinal?"


1º Vigilante - "Irmão 2º Vigilante, que horas são afinal?"


2º Vigilante – "São X horas". (indica a hora profana)


1º Vigilante - "Venerável Mestre são X horas".


Venerável Mestre - "Meus caros irmãos ide então em paz gozar o repouso que o trabalho vos mereceu e levai para o meio dos outros homens as virtudes que juraste dar exemplo. Mas, antes de nos separarmos, demos todos juntos o sinal de alegria e de união fraternal".


Levai para o meio dos outros homens as virtudes que juraste dar exemplo. Mas, antes de nos separarmos, demos todos juntos o sinal de alegria e de união fraternal”. Após esta bela fala, o Venerável Mestre conduz os aplausos maçônicos, saúda os irmãos e os convida para o Banquete. Este convite para os irmãos do RER ressalta a importância do Banquete, mais um sinal de que a alegria e amor fraternal são como uma virtude e exemplo para a humanidade, ao mesmo tempo reúne os que serão dispersos pelo mundo espalhando a Boa Nova com os exemplos de suas virtudes fortalecidas uma última vez em Ágape.


O Código Maçônico das Lojas Reunidas e Retificadas de 1778 trata dos Banquetes e Festas do RER, determinando que todos os irmãos, de todos os graus, de uma região ou Prefeitura se reúnam obrigatoriamente por três ocasiões em Banquete. Nestas três ocasiões a Beneficência é celebrada. Proíbe os irmãos de portar espada ou luvas. No manuscrito 3920,7 da Biblioteca Municipal de Lyon de 1784, Jean Baptiste Willermoz descreve os Banquetes ritualísticos do Rito Escocês Retificado.


Neste manuscrito de Lyon se determina que sete brindes (saúdes de obrigação) serão executados como homenagem na seguinte ordem: “1º ao Chefe de Estado; 2º ao Grão-Mestre da Grande Loja Regular a que a Loja é filiada; 3º aos Dignitários da Ordem da Grande Loja Regular; 4º a todas as Lojas Retificadas da Grande Loja Regular; 5º aos irmãos visitantes e Respeitáveis Lojas às quais pertence; 6º aos irmãos em viagem, principalmente aqueles que viajam pelas causas da Ordem e da sua prosperidade; 7º pela saúde daqueles que se encontram doentes, sofrem ou em qualquer adversidade”. Na Festa de Renovação da Ordem, imediatamente após os brindes, os Vigilantes brindarão à saúde do Venerável Mestre e este retribuirá.


O Código Maçônico das Lojas Reunidas e Retificadas determina ainda as regras para os Banquetes ordinários e para as Três Festas da Ordem que “não serão demasiado suntuosos ou ruidosos e sem excessos, onde a decência e a fraternidade reinarão e terão como objetivo conservar e afirmar os laços que unem a todos os maçons e por este motivo o Venerável Mestre reunirá os Irmãos sempre que possível. Os gastos serão módicos e regulados, serão fixados em proporção para cada irmão contatado com antecedência, estando ele presente ou não. O valor será estabelecido pela Loja e deverá evitar os limites que ultrapassem a frugalidade prescrita para os Banquetes”.


Os Banquetes ordinários são os realizados após cada sessão e as três “Festas da Ordem” se dividem em: São João de Inverno e Verão e a de Renovação da Ordem.


A Festa de Renovação da Ordem acontecerá no dia seis de novembro (quando se reuniu em assembleia constituinte no Convento das Gálias que ficou conhecida como ‘Reforma de Lyon’, examinou e ratificou a única Constituição do Regime Escocês Retificado), e deve reunir todas as Lojas de uma Cidade ou Distrito. Nesta Ágape se dará “a leitura do Código dos Regulamentos Maçônicos e o Irmão Orador fará um discurso solene sobre a reforma alemã e francesa (Conventos de Lyon 1778 e Wilhelmsbad 1782) e dos atos de beneficência realizados pela maçonaria no mundo” (no original Europa).


A Festa de São João de inverno é dedicada “a São João Evangelista e será dedicada aos atos de beneficência da Loja e da importância do trabalho”. A Festa de São João de verão é dedicada a São João Batista, “terá a ritualística igual à de inverno, e será dedicada a instalação dos novos Oficiais e a leitura dos regulamentos particulares de cada Loja; todos os Irmãos renovam solenemente neste dia seus juramentos diante do Venerável Mestre e de observa-los fielmente”.


Amados, as recomendações de nossos irmãos fundadores em relação às celebrações no Rito indicam o zelo com os pilares da Ordem Maçônica e seu profundo significado filosófico, moral e religioso. Os solstícios representam o eterno contraste entre a luz e a escuridão, entre a vida e a morte e o renascer da criatura pelo Cristo.


Ágape é momento de partilha do Amor Fraternal, este é o cimento místico que une a Fraternidade na mais completa Igualdade. A pompa, as comendas e diplomas, os discursos vazios e os sobejos do álcool e da carne são nefastos e contrários ao propósito da Ágape. Encerramos com as inspiradoras palavras de São João Evangelista retiradas do Livro do Apocalipse (3; 20 – 22) que nos dão a importância de celebrar e partilhar o pão, momento único na vida do cristão maçom:


Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir à porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo. Ao vencedor concederei assentar-se comigo no meu trono, assim como eu venci e me assentei com meu Pai no seu trono. Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.”



I.C.J.M.S.


Que Nossa Ordem Prospere !!!



Bibliografia:


“Régimen Escocés y Rectificado Documentos Fundacionales” Diego Cerrato Barragán. (Manakel - 2013, Madri)


Ritual do Aprendiz Maçom do Regime Escocês Retificado


Ritual de Banquete Ritualístico do Regime Escocês Retificado


Catecismo da Igreja Católica (CIC)


Bíblia Sagrada de Jerusalém

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