São Bernardo de Claraval foi um personagem de suma importância na história das Cruzadas e na defesa da fé Cristã (mesmo contra seus inimigos internos) no seculo XII . Esse teólogo medieval fez uma reflexão sobre o conceito de “guerra justa” concluindo que mesmo devendo a guerra ser tomada como “a ultima opção” - devendo ser evitada o máximo possível – constituía um valido instrumento para a manutenção da fé. Para São Bernardo , o cavaleiro de Cristo era antes de mais nada um ministro de Deus e suas ações em combate eram a justa medida de castigo dada por Deus a Seus inimigos. Em 1128 , no concilio de Troyes, São Bernado consegue o reconhecimento para a Ordem do Templo, os Templários, cujos estatutos são escritos por ele mesmo, e sobre a qual faria forte apologia daquele momento em diante. São Bernardo foi um homem de grande importância para a idade media. Tornou-se uma personalidade importante e respeitada em toda Cristandade ; interveio em assuntos públicos, defendeu os direitos da Igreja contra os príncipes seculares , aconselhou papas e reis …
Pano de Fundo
A mente medieval concebia um mundo que era obra de um Deus sábio e lógico. Esse Deus (distinto do mundo e por muitas vezes oposto a ele) podia ser conhecido por meio do uso da razão, não sendo nem um fantasma ou uma irrealidade. Assim, os grandes estudiosos medievais, se aplicaram ao raciocínio e à pesquisa (como a podiam realizar na sua época) com plena confiança no acume da razão, nunca caindo, porém, no racionalismo, pois acima da razão admitiam as luzes e as verdades da fé. Nesse cenário – de uma sociedade que se desenvolvia graças a bases lancadas pela profunda reflexão do que deve ser verdadeiro (consequentemente bom e eterno) – davam-se grandes discussões sobre absolutamente tudo o que ocorria a essa sociedade e como a mesma deveria se portar ou se conduzir diante de tais acontecimentos, era uma época onde o impulso se detinha, cedia seu lugar ao pensamento e esse coordenava a ação … tal era a idade media.
Um Pouco da História de São Bernardo
Nascido em 1091 no centro de culto da Madona Negra de Les Fontainesna Borgonha, na França. Sua família pertenceu à pequena nobreza francesa, seu pai era cavaleiro e vassalo do Duque de Borgonha. Bernardo teve uma boa educação e exibia uma natureza meditativa e estudiosa desde uma idade jovem.
Em 1113, com a idade de 22 anos, Bernardo juntou-se ao pequeno mosteiro cisterciense de Citeaux, onde podia aprender e desfrutar dos rigores da vida religiosa. Homem apaixonado e eloquente sempre buscou enaltecer as virtudes de tal vida e era tão convincente que, passado pouco tempo, foi seguido no mosteiro por quatro dos seus irmãos, pelo seu pai viúvo, e por trinta dos seus parentes.
Diz-se que as suas pregações eram tão persuasivas e fervorosas que mães escondiam os seus filhos, mulheres os seus maridos, companheiros os seus amigos, para o caso de também estes se sentirem impelidos a juntar-se a ele no mosteiro.
O mosteiro de Citeaux era muito pobre e a vida no seu interior era austera, qualidades apelativas para Bernardo, que se esforçava por viver uma vida de simplicidade e de meditação religiosa.
Mostrava uma grande humildade na forma como vivia, apenas comendo e dormindo o suficiente para evitar desmaiar. No entanto, a noticia da sua abnegação e piedade em breve se espalharam, e em 1115, foi enviado à cabeça de um grupo de outros monges para fundar um novo mosteiro, fixando-se em Claraval, na Champagne.
Em poucos anos, o mosteiro de Claraval demonstrou ser tão bem sucedido que tinha estabelecido mais outros 153 mosteiros. Foi em Claraval que Bernardo deu início aos seus Escritos espirituais, e enquanto ainda jovem abade, publicou uma série de sermões sobre o tema da Anunciação.
São Bernardo foi defensor de uma rigorosa reforma da Igreja baseada na volta à pobreza evangélica, ao trabalho manual e à oração, Bernardo de Claraval participou também dos conflituosos fatos históricos de sua época, dividido até o fim de sua vida entre contemplação e ação, dialética.
Durante o cisma (1130) entre o antipapa Anacleto II e o papa Inocêncio II, tomou a decidida defesa deste último, acompanhando-o em suas viagens à França, Alemanha e Itália, granjeando-lhe a confiança e a adesão do rei da França, Luís VI, do rei da Inglaterra, Henrique I, e de outros governantes europeus.
Quando um discípulo, Eugênio III, foi eleito papa, dirigiu a ele o tratado "De consideratione" (Da consideração), em cinco livros, sobre os métodos para governar a Igreja. Foi justamente Eugênio III quem confiou a Bernardo de Claraval a pregação da segunda cruzada, anunciada em 1146 e malograda dois anos depois.
No plano doutrinal, Bernardo combateu Abelardo e Gilberto de la Porée, desenvolvendo com eles uma polêmica apaixonada, não desprovida de tons bruscos e violentos.
Bernardo faleceu em Claraval, 1153, foi canonizado pelo papa Alexandre III (1174), foi proclamado doutor da Igreja pelo papa Pio VIII, em 1830.
São Bernardo, apologético das cruzadas e dos templários
Acima , constatamos que a São Bernardo foi confiada a nobre missão de defender e convencer sobre a segunda cruzada. Aliado a essa missão , houve ainda, a missão de apologética de “legitimar” a Ordem do Templo e os monges guerreiros.
Em 1128 Hugues de Payns (Fundador da Ordem do Templo) tinha no bolso a carta de recomendação do rei de Jerusalém, Balduíno II dirigida a São Bernardo pedindo-lhe que desse apoio aos projetos de Hugues de Payns e dos seus cavaleiros. Solicitava ainda a concessão de uma regra especial a esses monges.
A carta de Balduíno II a São Bernardo referia:
Os irmãos Templários, que Deus inspirou para a defesa desta província e protegeu de uma forma notável, desejam obter a confirmação apostólica bem como uma regra de conduta.
Devido a isso, enviamos André e Gondemarc, ilustres devido às suas proezas guerreiras e pela nobreza do seu sangue, para que solicitem ao Soberano Pontífice a aprovação da sua ordem e se esforcem por obter dele subsídios e ajudas contra os inimigos da fé, coligados para nos suplantarem e derrubarem o nosso reino. Sabendo bem quanto peso poderá ter a vossa intercessão, tanto junto de Deus como do seu vigário e dos outros príncipes ortodoxos da Europa, confiamos à vossa prudência esta dupla missão cujo êxito nos será muito agradável.
Fundamentai as constituições dos Templários de tal forma que eles se não afastem dos ruídos e dos tumultos da guerra e continuem a ser os auxiliares úteis dos príncipes cristãos... Fazei de maneira que possamos, se Deus o permitir, ver em breve uma conclusão feliz desta questão. Dirigi por nós orações a Deus. Que Ele vos tenha na Sua Santa Guarda.
São Bernardo deveria, efetivamente, desempenhar um papel importante no progresso da Ordem do Templo e o fez. Usou de todo o seu prestigio e retórica para conquistar o apoio das pessoas, que deveriam dar algum dinheiro, para que os templários pudessem construir suas primeiras casas etc.
Em pleno concilio foram palavras de Bernardo: “Fui procurado por quatro ou cinco cavaleiros, liderados por Hugo de Payens, que querem formar uma associação religiosa e militar ao mesmo tempo". Ora, Isto era uma grande novidade na Europa, pois, até aquele momento, havia a cavalaria e havia os monges, mas não uma ordem militar e, a só um tempo, religiosa. Então, o abade tentou explicar o que seria essa cavalaria religiosa, ou essa congregação religiosa e militar, proferindo a que se tornou uma das mais belas peças de oratória da humanidade , que é conhecida pelo nome de "Elogio da Nova Milícia".
Reproduzo parte da mesma abaixo:
Pediste-me uma, duas ou três vezes, se não me engano, Hugo caríssimo, que fizesse uma exortação para ti e teus cavaleiros. E como não me era permitido servir-me da lança contra as agressões dos inimigos, desejaste que, pelo menos, empregasse minha língua e meu gênio contra eles, assegurando-me que eu te faria um favor se animasse com minha pena aqueles que não posso animar pelo exercício das armas. Voa por todo o mundo a fama do novo gênero de milícia que se estabeleceu no país em que o Filho de Deus encarnou-se e expulsou pela força de seu braço os ministros da infidelidade.
Este é um gênero de milícia não conhecido nos séculos passados, no qual se dão ao mesmo tempo dois combates com um valor invencível: contra a carne e o sangue e contra os espíritos de malícia espalhados pelos ares. Em verdade, acho que não é maravilhoso nem raro resistir generosamente a um inimigo corporal somente com as forças do corpo. Tampouco é coisa muito extraordinária, se bem que seja louvável, fazer guerra aos vícios ou aos demônios com a virtude do espírito, pois se vê todo o mundo cheio de monges que estão continuamente neste exercício. Mas quem não se pasmará por uma coisa tão admirável e tão pouco usada como é ver a um e outro homem poderosamente armado dessas duas espadas, e nobremente revestido do caráter militar?
Certamente esse soldado é intrépido e está garantido por todos os lados. Seu espírito se acha armado do elmo da fé, da mesma forma que seu corpo da couraça de ferro. Estando fortalecido por essas duas espécies de armas, não teme nem aos homens nem aos demônios. E digo mais: não teme a morte, posto que deseja morrer. Com efeito, o que pode fazer temer, seja a morte ou a vida, quem encontra sua vida em Jesus Cristo e sua recompensa na morte? É certo que ele combate com confiança e com ardor por Jesus Cristo, entretanto deseja mais morrer e estar com Jesus Cristo, porque este é seu fim supremo.
Eia, pois, valorosos cavaleiros, marchai com segurança, expulsai com uma coragem intrépida os inimigos da Cruz de Nosso Senhor, e estai certos de que nem a morte nem a vida poderão separar-vos da caridade de Deus, que está em Jesus Cristo. Pensai com frequência, durante o perigo, nestas palavras do Apóstolo: "Vivamos ou morramos, somos de Deus".
Oh! Com quanta glória voltam do combate esses vencedores! Oh! Com quanta ventura morrem esses mártires na peleja! Regozija-te, campeão valoroso, de viver no Senhor, mas regozija-te ainda mais de morrer e ser unido ao Senhor. Sem dúvida tua vida é frutuosa e tua vitória gloriosa, mas tua morte sagrada deve ser preferida com justa razão a uma e a outra. Pois se os que morrem no Senhor são bem-aventurados, quanto mais não o serão aqueles que morrem pelo Senhor. Em verdade, de qualquer maneira que se morra, seja no leito, seja na guerra, a morte dos santos será sempre preciosa diante de Deus. Mas a que ocorre na guerra é tanto mais preciosa, tanto maior é a glória que a acompanha. Oh! Que segurança, repito, há na vida que espera a morte sem temor nenhum! Oh! Deseja-a com ânsia e recebe-a com devoção! Oh! Quão santa e segura é esta milícia, e quão livre e isenta está desse duplo perigo em que se acham ordinariamente as gentes de guerra, que não têm Jesus Cristo por fim de seus combates!
Porque tantas vezes como entras na peleja — tu, que não combates senão por um motivo temporal — deves ter temor de matar a teu inimigo quanto ao corpo, e a ti mesmo quanto à alma, ou talvez de ser morto por ele quanto ao corpo e quanto à alma juntamente. Pois o perigo ou a vitória do cristão se deve considerar, não pelo sucesso do combate, mas pelo afeto do coração. Se a causa daquele que peleja é justa, seu êxito não pode ser mau, assim como o fim não pode ser bom se é defeituoso o motivo e torta sua intenção. Se, com a vontade de matar a teu inimigo, tu ficas estendido, morres fazendo-te homicida. E se ficas vencedor, e fazes perecer a teu contendor com o desígnio de triunfar dele e de vingar-te, vives homicida. Pois quer morras, quer vivas, quer sejas vitorioso ou vencido, de nenhum modo te é vantajoso ser homicida. Desgraçada vitória a que te faz sucumbir ao vício, ao mesmo tempo que triunfar de um homem. Em vão te glorias de ter triunfado de teu inimigo, quando a cólera e a soberba te reduzem à escravidão.
Os soldados de Cristo poderão, com absoluta segurança de consciência, pelejar as batalhas do Senhor, sem receio de cometer pecado com a morte do inimigo, nem desconfiança de sua salvação se sucumbirem.
Porque dar ou receber a morte por Cristo não só não implica ofensa a Deus, nem espécie alguma de culpa, mas pelo contrário merece muita glória, pois que no primeiro caso o homem luta por seu Senhor e no segundo o Senhor se dá ao homem como prêmio; já que Cristo olha com agrado a vingança que se faz d'Ele contra seu inimigo, e, com agrado ainda maior, se oferece Ele próprio como consolo ao que cai na luta.
Assim, pois, afirmamos mais uma vez que o cavaleiro de Cristo lutará com tranquilidade de consciência, e morrerá com confiança e segurança ainda maior. Se sucumbir, conseguirá para si uma grande vantagem; e, se sai vencedor, triunfa para Cristo. Não é sem motivo que traz a espada ao lado. Pois é ele ministro de Deus para castigar severamente os que se professam Seus inimigos; de Sua Divina Majestade recebeu o gládio para castigo dos que operam o mal e exaltação dos que praticam o bem.
Quando tira a vida a um malfeitor, não deve ser chamado homicida, porem "malicida", se é que assim me posso expressar; pois ele executa literalmente as vinganças de Cristo contra os que praticam a iniquidade, e adquire com razão o título de defensor dos cristãos. E se é morto, não dizemos que se perdeu, mas que se salvou. A morte que ele dá é para a glória de Cristo; e a que recebe é para sua própria glória.
Na morte de um gentio, pode um cristão se glorificar, porque é Cristo que sai glorificado; e se morrer o cristão valorosamente por Jesus Cristo, patenteia-se a liberalidade do grande Rei, pois que tira da terra seu cavaleiro para lhe dar a recompensa nos céus. Assim, pois, alegrar-se-á o justo quando sucumbir o gentio, pois vê aparecer a vingança divina. Mas se cai o guerreiro do Senhor, dirá: "Porventura não haverá recompensa para o justo? É fora de dúvida que sim, pois há um Deus que julga os homens sobre a terra". (Sl. 62, 11).
Claro está que não se matariam os gentios, se pudessem ser contidos por qualquer outra forma, de maneira que não atacassem, nem estorvassem, nem oprimissem os fieis. Porém no momento presente melhor é que se acabe com eles do que permitir que fique em suas mãos a vara com que tentam escravizar os justos, para evitar que estes passem com armas e bagagens para o partido da iniquidade.
Saia pois de sua bainha a dupla espada espiritual e material dos cristãos, e seja descarregada com força sobre a cerviz dos inimigos para destruir assim tudo quanto se ergue contra a ciência de Deus, isto é, a fé dos seguidores de Cristo, para que não digam jamais esses infiéis: "Onde está o seu Deus?" (Elogio da Nova Milícia dos Cavaleiros do Templo)
Por causa do prestígio de São Bernardo, a Ordem foi aprovada, e imediatamente a Regra passou a ser publicada em toda a Europa, da maneira pela qual se faziam as publicações naquela época , nas ruas e nas praças, nos mercados e nas feiras, nas salas de reunião dos palácios, nas igrejas, nos conventos, por meio de sermões, cartas e até trovas provençais.
Com isto surge no Ocidente algo inédito: a conjugação, numa mesma pessoa, dos valores da religião com os valores da guerra. Isto representava, em certo sentido, um caminho novo que se abria no Ocidente e o cavaleiro templário era a imagem desse novo caminho.
Fontes:
Bettencourt, Estêvão. Fé e Ciência na História dos Primordios
http://reporterdecristo.com/sao-bernardo-de-clairvaux-ou-de-claraval-1090-1153
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