Os maçons do século XVIII mostravam-se preocupados com a possibilidade da perda de sentido na maçonaria. Não estavam satisfeitos de ver a amada ordem ser nada mais que uma “sociedade de prazer” - expressão utilizada por Joseph de Maistre. Tentando formular seu próprio caminho, se dispunham a determinar “em que consiste, realmente, a ciência maçônica”, tal era o tema dos dois conventos que a Loja “Os amigos Reunidos” organizou - sem sucesso - em 1785 e 1787.
Dessa busca incessante, dá testemunho Jean Baptiste Willermoz:
“Por muito tempo os maçons estiveram dedicados a investigações infinitas para descobrir o verdadeiro objetivo da ordem” [...] ”Tenho trabalhado incansavelmente para descobri-lo no curso de mais de vinte anos de estudo e mantendo extensa correspondência particular com os irmãos mais instruídos da França e, mesmo, no exterior”.
Tais contatos o haviam conduzido a acumular, revelou certa vez, mais de setenta graus maçônicos… Por gosto de tê-los ? Em busca de “medalhas” (como diz uma brincadeira entre maçons aqui no Brasil) ? Sem dúvida que não.
Willermoz estava a procura de conhecimento para poder descobrir o “verdadeiro objetivo da Ordem”, a verdadeira “Ciência Maçônica” que sempre parecia ocultar-se e dissipar-se, desvanecendo-se como um fantasma todas as vezes que alguém pensava tê-la alcançado.
Mas suas buscas não foram vãs. Ele obteve a resposta à sua questão ao lado de Martinez de Pasqually (ao conhecer a Doutrina da Reintegração). Declarou Willermoz: “Eis a paz interior da alma, o bem mais precioso da humanidade, relativo a seu ser e a seu princípio”. Esta é a resposta que o Regime Escocês Retificado, arquitetado pelo mesmo Willermoz, nos propõe.
Mas o que então é esse objetivo ?
Joseph de Maistre em “Memórias ao Duque Brunswick” (1782) define: “O grande objetivo da maçonaria é a ciência do homem”.
Mas, afinal, o que isso quer dizer ?
Essa declaração pode parecer meio obscura em seu laconismo, mas dois excertos do pensamento de Jean Baptiste Willermoz e um de Louis Claude de Saint Martin (outro dos discípulos de Martinez) , são capazes de lançar luzes sobre ela:
O primeiro: “A maçonaria tem um objetivo universal, que a moral não pode alcançar. É verdade que a prática da sã moral e dos deveres em sociedade parecem ser o objetivo dos graus, mas essas virtudes não podem ser o objetivo real. Se fossem, para que teríamos a necessidade do uso dos emblemas (símbolos), dos mistérios e da iniciação ? O objetivo da maçonaria é esclarecer o homem sobre sua verdadeira natureza, sobre sua origem e sobre seu destino” - JBW
Depois: “ A Franco-Maçonaria quando bem meditada (pensada) , os convida sem cessar, por toda sorte de meios, a vossa natureza essencial. Ela busca, de forma constante, aproveitar todas as ocasiões para fazê-los conhecer a origem do homem, seu destino primitivo, sua queda, os males que resultaram em consequência dessa queda e os recursos que a bondade divina proporciona para que possam triunfar” - JBW
E por fim, Louis Claude de Saint Martin, em sua obra intitulada ‘Quadro Natural das Relações que existem entre Deus, o Homem e o Universo’, explica: “A palavra iniciar, em sua etimologia, quer dizer aproximar, unir ao princípio: a palavra ‘initium’ significa tanto principio como começo”. É assim porque o objetivo da iniciação é “anular a distância entre a luz e o homem, restaurando-o a seu estado original”
Podemos dizer que tudo se resume no título da obra de Martinez de Pasqually: “Tratado de Reintegração dos Seres Criados em suas Primitivas Propriedades, Virtudes e Poderes Espirituais Divinos”.
Falando de outro modo, a iniciação tem como razão de ser, restabelecer o homem ao seu ‘estado original’, estado em que ele era dotado de “propriedades, virtudes e potências espirituais divinas”, assimilando-o de alguma maneira a Deus (veremos em outro momento essa maneira).
Observem bem fragmentos de textos abaixo:
“Se o homem tivesse conservado a pureza de sua origem, a iniciação nunca teria sido necessária à ele, pois a verdade se ofereceria sem véus à seus olhos, já que ele nasceu para contemplá-la e para render-lhe um contínuo tributo. Mas depois que, infelizmente, ele caiu a uma região oposta a luz, é a própria verdade, ela mesma, que o submete ao trabalho da iniciação recusando-se as suas investigações (...)” - Instrução aos Professos.
“Assim o homem, que tudo poderia conhecer se nada o tivesse separado da verdade, se encontra submetido por seu próprio corpo a perceber somente as aparências sensíveis e ilusórias. Possui faculdades infinitas, mas se encontra privado dos meios que o permitiriam utilizá-las. Estando então, alijado de todos os seres verdadeiros do universo [...].” - Instrução aos Professos.
“[...] É difícil para aqueles que observam o homem não reconhecer, conforme as tradições religiosas, que ele não está alocado em seu ‘lugar natural’ e que as faculdades espirituais divinas que se manifestam nele deveriam exercer-se sobre os seres superiores a objetos materiais e sensíveis, sem os quais ele seria o mais inconcebível dos seres [...]” - Instrução aos Professos.
Essa foi a primeira vez que textos maçônicos (excetuando-se os de Martinez de Pasqually) traziam assuntos dessa natureza. Dizer tais coisas nos dias atuais - com a riqueza das fontes de pesquisa que temos a disposição - pode parecer algo banal… Mas no século XVIII, creiam, não era.
I.C.J.M.S.
Que Nossa Ordem Prospere !!!
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