Século XVIII - O Terreno Histórico
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É com grande satisfação que apresentamos ao público brasileiro um trecho traduzido da obra Histoire et Finalités du Régime Maçonnique Écossais Rectifié, de Georges Lusseaud (Eques a Lumine Amoris). Embora Lusseaud possua uma produção extremamente interessante, seu nome ainda é pouco conhecido entre os pesquisadores brasileiros do Rito Escocês Retificado. Ao tomarmos contato com seus escritos, julgamos sua contribuição não apenas relevante, mas essencial para a compreensão mais aprofundada dessa vertente da maçonaria cristã.
Neste trabalho, o autor se dedica com admirável rigor a resgatar e organizar informações fundamentais, oferecendo uma visão detalhada das origens, das influências e do desenvolvimento histórico do Regime Escocês Retificado. Trata-se, sem dúvida, de um recurso valioso para todos os que desejam compreender as raízes e finalidades dessa forma de iniciação cristã, marcada pela busca de retificação interior.
Os leitores notarão que, diferentemente de nosso estilo habitual, optamos por não inserir comentários analíticos ou considerações críticas ao longo do texto traduzido. Consideramos, porém, oportuno alertar que a leitura deste material seja feita com discernimento. Certas ideias e concepções aqui descritas — sobretudo aquelas ligadas a interpretações esotéricas ou visões de mundo em voga no século XVIII — podem destoar de princípios fundamentais da fé cristã, que prezamos e professamos com convicção.
O próprio autor, ao longo de sua análise, reconhece as confusões doutrinais e os desvios espirituais do período, marcados por uma mescla entre o autêntico e o ilusório, por um fascínio com formas de misticismo heterodoxo — tendências que, infelizmente, persistem até os nossos dias —, bem como por uma inquietante fusão entre liturgia e práticas mágicas. A obra, nesse sentido, também serve como um convite à constante “retificação”, necessária para preservar a identidade da Maçonaria cristã sem sucumbir à confusão ou à estagnação.
Cabe ainda observar que, em certos trechos, o estilo do texto se aproxima do formato de anotações: parágrafos curtos, compostos por frases por vezes pouco conectadas entre si, como se o autor nos apresentasse esboços ou registros organizados em forma de crônica histórica fragmentada. Optamos por manter essa estrutura, a fim de preservar a originalidade da obra e oferecer ao leitor brasileiro um contato mais fiel com a pena de Lusseaud. O mesmo critério foi adotado quanto ao uso de palavras grafadas em letras maiúsculas, que foram igualmente conservadas conforme o original.
Dito isso, convidamos todos a mergulhar neste valioso conteúdo, mantendo sempre o espírito de busca pela verdade, o amor à tradição e a fidelidade aos princípios que nos sustentam.
O SÉCULO XVIII
O TERRENO HISTÓRICO
Aquilo que teve início em 1717, em Londres, pode ser chamado, com o devido distanciamento histórico, de reorganização moderna da Franco-Maçonaria.
Entretanto, naquela ocasião, a federação de quatro Lojas — evento que marca a fundação de uma Grande Loja — não foi, de forma alguma, considerada por seus idealizadores como um acontecimento de alcance mundial.
Já antes de 1716, sentia-se a necessidade de restaurar as oficinas maçônicas inglesas à sua dignidade ancestral. Havia-se, em grande medida, perdido o conhecimento vivido e experiencial do que os símbolos e os ritos efetivamente transmitem.
Desde antes de 1600, membros "aceitos", cada vez mais numerosos, passaram a integrar as Lojas ao lado dos membros "operativos". Esses últimos, por sua vez, vinham se deixando levar pela inércia — chegava-se, por vezes, a vender a iniciação maçônica.
Como a substância da transmissão iniciática pôde sobreviver na Grã-Bretanha durante o século XVII?
Vale lembrar que o “evento” de 1717 foi circunscrito à cidade de Londres. Na Irlanda e na Escócia, mantinha-se a tradição — de caráter católico, no caso irlandês — dos Antigos Deveres. Os membros operativos eram ali mais numerosos, influentes e sérios. Não nos esqueçamos também de uma característica marcante do espírito britânico, particularmente entre os ingleses: o conservadorismo das formas. Graças a isso, os símbolos e os ritos, veículos da iniciação maçônica, foram preservados sem dificuldade.
A preservação das formas exteriores torna possível a permanência de uma transmissão autêntica, desde que, ainda que em centelhas, ressurja o desejo espiritual.
Falemos, pois, do desejo espiritual.
Este termo indica uma chave de enorme importância para compreendermos a história da Maçonaria.
Três realidades se impõem:
1ª — Uma realidade histórica.
Localizada estritamente em Londres, em junho de 1717, a formação da Grande Loja dos Modernos passou quase despercebida.
Contudo, logo depois, inicia-se uma difusão surpreendentemente rápida dessa reorganização moderna da antiga instituição maçônica — primeiro pela Europa e, em seguida, pelo mundo inteiro, tendo como modelo a forma inglesa.
Reorganização: transportando símbolos e ritos que permanecem inalterados, trata-se da mesma tradição iniciática; mas as novas condições de trabalho exigem uma organização que busca a si mesma, conforme mudam os tempos e os contextos geográficos.
O que transmite um Ritual maçônico? O desenvolvimento das potencialidades ontológicas — seja pelo exercício do ofício da construção, seja pela impregnação de homens alheios ao ofício com a espiritualidade profunda que este carrega. Como escreveu Jean Palou: “o trabalho das mãos prolonga-se por uma projeção do ser rumo a uma realização.”
Se, após 1717, a Maçonaria se difunde em toda parte e com grande rapidez, isso se deve ao desejo espiritual de certos irmãos inteligentes, criativos e especialmente versados nas artes do Real Arte. Entre eles, o pastor James Anderson (1684–1739) e, sobretudo, outro eclesiástico protestante: Jean-Théophile Désaguliers (1683–1744), profundo conhecedor das tradições e dos usos da antiga Maçonaria operativa ainda viva na Irlanda e na Escócia. Sua competência superava a dos próprios fundadores da Grande Loja dos Modernos e, como escreveu Gustave Bord, foi ele quem lançou “as primeiras bases da Maçonaria especulativa, sob a forma que viria a prevalecer.”
Após chegar à França em 1725, a Arte Real alcança a Espanha em 1729, os Países Baixos em 1731 e, em seguida, a Itália — sempre segundo o modelo inglês-moderno. A centelha do desejo espiritual, presente na obra de Désaguliers, transformou em reorganização moderna o que em 1717 fora um evento local e limitado a Londres.
2ª — Uma realidade permanente e universal.
Para compreendê-la, é preciso saber que a Maçonaria havia sido esquecida — ou, pelo menos, ocultada — no início da era moderna no continente europeu. Antes disso, ela havia brilhado especialmente em Estrasburgo e nos territórios germânicos.
Contudo, foi nas Ilhas Britânicas, onde se uniram mais cedo os maçons operativos e os aceitos, que a tradição maçônica sobreviveu sem interrupção.
Ao adotar novas formas em um novo estado de espírito, sua difusão pelo continente europeu não poderia, por muito tempo, seguir estritamente o modelo inglês. Há a instituição — com sua transmissão inalterada e suas normas, os chamados landmarks — e, por outro lado, há o psiquismo particular de cada povo, com suas possibilidades espirituais próprias e necessidades específicas.
Conciliar ambos, à medida que os tempos mudam em um mesmo lugar, torna evidente que a reorganização maçônica é um fato permanente.
A Franco-Maçonaria não pode continuar em 1780 estagnada em seu espírito e suas formas de 1730, como se essas tivessem sido fixadas para sempre. Tampouco poderia continuar em 1830 se estivesse "fixada" em moldes de 1730 ou 1780. E muito menos seguir viva em 1990 — ou depois de 2000 — se presa aos esquemas dos séculos XVIII e XIX.
Embora a reorganização da Maçonaria seja um fato moderno desde 1717–1725, sua origem, suas raízes e sua natureza não o são: nem a construção das catedrais, nem a do Templo de Salomão, implicam em qualquer fixidez de perspectivas ou de práticas modernas ou pós-modernas.
Ora, aquilo que reencontraremos como absolutamente necessário para que haja verdadeira reorganização da Franco-Maçonaria — e não outra coisa — é, sempre, o despertar e o renascer do que chamamos de desejo espiritual.
Esse renascimento funda a autenticidade da reorganização permanente e a atuação, em todas as épocas, de uma Maçonaria dita tradicional.
Por volta de 1735–1740, o reorganizador impulsionado por esse desejo espiritual foi André-Michel Ramsay (1686–1743). Seu discurso de 1737, que hoje poderia parecer de pouca importância, foi, contudo, o ponto de partida do florescimento do Escossismo.
O desejo espiritual dos irmãos reunidos em Bordeaux entre 1740 e 1760 deu origem ao Rito Escocês Antigo e Aceito, que foi aperfeiçoado em Charleston entre 1801 e 1803.
É também o desejo espiritual que está na origem do Regime Escocês Retificado, surgido na Alemanha através da obra de Karl-Gotthelf von Hund (1722–1775), e levado adiante por Ferdinand de Brunswick-Lunebourg (1730–1824).
3ª — Uma realidade organizacional e espiritual: a retificação permanente.
A reorganização contínua torna necessária uma retificação também contínua.
Um regime maçônico verdadeiramente motivado cumpre um papel original, cada vez mais compreensível à medida que a Maçonaria avança por uma história marcada pela aceleração do tempo.
Esse regime tem por motivo explícito a Retificação. É ele que inspira esta nossa reflexão: o Regime Escocês Retificado — o nosso.
Em sua terminologia própria, o desejo espiritual encontra seu pleno significado no surgimento e na realização do “homem de desejo”.
Desejo por uma tradição viva, profundamente vivida.
Pois a Tradição não se resume a um conservadorismo de formas, mas consiste num renovar-se constante de todo ser e de todas as coisas, em todo momento.
Conhecer o Século XVIII
O século XVIII não é uma época de fixação maçônica, tampouco pode ser considerado como a era de ouro da Franco-Maçonaria.
Desejamos nos aproximar de uma visão justa e equilibrada desse período.
Ali encontraremos chaves importantes para melhor compreender as noções de reorganização e retificação permanentes.
Costuma-se ver esse século apenas por seus intelectuais — os chamados filósofos —, burgueses escutados, na prática, apenas pela alta burguesia e pela nobreza decadente.
Sob esse aspecto, o século XVIII parece estar em reação, por vezes corrosiva e violenta, contra a religião cristã.
Mas até que ponto isso é verdade? Tal crítica não representa o povo em sua totalidade, nem o conjunto do clero.
Se isso vale, com reservas, para Montesquieu (1689–1755), é plenamente aplicável a figuras como Offroy de la Mettrie (1709–1751), o materialista Claude Helvétius (1715–1771), o ateu Barão d’Holbach (1723–1789) e, naturalmente, o deísta Voltaire (1694–1778).
A famosa Enciclopédia, publicada a partir de 1751 com prefácio de d’Alembert e dirigida por Diderot (1713–1784) até seus suplementos (1777) e índices (1780), teve pouca influência real sobre o povo francês, que em sua maioria permaneceu cristão.
Hoje, são raros os eruditos que se referem a ela com autoridade.
Entre 1715 e 1755, os chamados “pensadores” não faziam senão objeções negativas à fé cristã: zombavam, sem apresentar doutrinas contrárias.
O Clube de l’Entresol, fundado pelo abade Alary em Paris e ativo entre 1724 e 1731 (até seu fechamento por Fleury), não era um antro satânico. Tampouco os salões parisienses, aristocráticos ou burgueses — de Mme de Luxembourg, Mme Necker, Mme du Deffand, Mme Geoffrin, Mme Doublet e Mlle de Lespinasse. Salões realmente ateístas só apareceram nos círculos de Helvétius e Holbach.
Entretanto, uma fé cristã simples e sincera animava personalidades como o poeta Jean-Baptiste Rousseau (1670–1741) e o dramaturgo Crébillon (1674–1762), que chegou a escrever: “Corneille tomou o céu, Racine a terra; só restavam os infernos — joguei-me neles de corpo e alma.” Assim também o poeta Louis Racine (1692–1763), filho de Jean.
A parte visível do iceberg revela parlamentos dominados pelo jansenismo, que perseguiam a Igreja da França.
Entre 1721 e 1724, esse movimento levou a um cisma, consolidado em Utrecht com os “velhos-católicos”. Essa divisão se espalhou até a Holanda.
A maioria do episcopado francês resistiu firmemente. Os jansenistas, ao republicar em 1753 as obras de Edmond Richer, tentaram inflamar os padres contra seus bispos.
Entre 1728 e 1783, circularam clandestinamente o jornal “Nouvelles ecclésiastiques”, promovendo uma ideia de Igreja democrática — que encontrou eco na trágica reta final do século, culminando na Constituição Civil do Clero, promulgada em 12 de julho de 1790.
A parte submersa do iceberg, da qual pouco se fala, era uma fé católica viva e constante, conservada entre o povo e pela grande maioria do clero.
O povo, isto é, "todo mundo" — camponeses, artesãos, pequenos e médios burgueses, bem como a pequena nobreza rural — compunha o corpo mais numeroso e substancial da sociedade francesa. Esses homens e mulheres, que representavam a realidade profunda da França, não se viam agitando ideias novas para transformar o mundo, tampouco eram muito ouvidos; no entanto, constituíam a sociedade real, enraizada e laboriosa daquela época.
Sua fé era viva e perseverante, embora pouco aprofundada teologicamente — ao menos entre os leigos. No clero, porém, reinava uma dignidade de vida notável, e lia-se ainda Bossuet, sempre influente, bem como os Padres da Igreja: Bernardo de Claraval, Agostinho de Hipona, João Crisóstomo.
O homem francês conservava, de fato, um forte sentimento galicano: permanecia discípulo de Bossuet, continuado em Bourdaloue, cioso das "liberdades galicanas" proclamadas pela Assembleia do Clero da França no convento dos Grandes Agostinianos, em Paris, nos anos de 1681 e 1682. Às pretensões do papa romano, os bispos franceses opunham seus costumes e seus direitos próprios.
No final do século, o católico fiel Jean-Baptiste Willermoz não fugirá a essa mentalidade, representando bem essa forma de espírito.
Ressalte-se o quadro traçado por Élie Méric, em "O Clero sob o Antigo Regime" (Paris, 1890):
"A influência religiosa e a vigilância do pároco não abandonavam a criança da paróquia. Ela ingressava na escola primária, onde o ensino da religião ocupava o primeiro lugar no apreço do mestre e em suas lições.
Esse mestre, que respondia diretamente ao chantre da catedral nas cidades episcopais, era um fiel porta-voz do pároco e do bispo; jamais se ouvia de seus lábios uma afirmação imprudente ou uma palavra contrária à fé.
Ele se preocupava com as almas; formava cristãos. A religião reinava na escola, onde a autoridade não era contestada.
A criança do povo crescia assim, educada no respeito à religião e na submissão à Igreja; subordinava seus interesses temporais aos interesses espirituais; habituava-se desde cedo a buscar, nas respostas de Deus, a luz e a explicação soberana do enigma da vida."
E quanto à moda, bastante repentina, das ideias inglesas e o sopro de prestígio protestante? A Inglaterra idílica, louvada por Montesquieu e depois por Voltaire? A reputação de Robert Walpole até por volta de 1742, o brilho da nova dinastia de Hanôver, a memória reavivada de John Locke, a celebridade recém-conquistada de Daniel Defoe, Jonathan Swift, Alexander Pope, chamado de o "Boileau inglês"?
E somando-se a isso a influência prussiana, além da inglesa?
Tudo isso nos conduz à noção de “século das luzes”.
Mas trata-se de uma mentalidade europeia muito específica, que na verdade afetava apenas os círculos principescos, a nobreza urbana e a alta burguesia.
Voltaire? Um espírito aristocrático. Seu ideal político: o despotismo esclarecido.
Embora os “filósofos” tenham promovido o racionalismo, a partir de 1750 observa-se um certo distanciamento em relação a ele: o triunfo da razão seca cede espaço a outros valores.
Na Inglaterra, Richardson restitui ao sentimento seu lugar na literatura. Na França, Jean-Jacques Rousseau (1712–1778) edifica, sobre o sentimento, uma filosofia cristã desviada, sem raiz alguma no povo.
No conjunto, vê-se um retorno à “natureza” e novas orientações da sensibilidade — um tanto ingênuas, por vezes. Tudo isso permanece, contudo, no campo superficial das modas. Naquela época, seguir modismos era ainda algo marginal e não alcançava os estratos populares.
O surgimento das ideias igualitárias?A teoria categórica de um progresso da humanidade que seria inevitável?
Afundando-se no terreno superficial da moda, essas quimeras introduzem novos dogmatismos.
Contra os dogmas aos quais os povos europeus — e não apenas os franceses — permaneciam tranquila e profundamente apegados, esses novos dogmatismos se apresentavam como filosofias pretensamente adogmáticas!
Mas, por volta de 1780, já era de bom-tom não mais prestar atenção à Enciclopédia, recém-concluída, nem aos enciclopedistas, considerados já ultrapassados por muitas das aspirações místicas então em voga.
No fim das contas, o sentimento cristão predomina por toda a Europa continental.Ainda que desviado em formas de misticismo por vezes estranhas, é ele que se encontra em toda parte onde se cultiva o desejo espiritual.
Os Caminhos Espirituais
Na França, destaca-se um importante movimento de espiritualidade cristã: o quietismo de Madame Guyon e do arcebispo Fénelon. O quietismo representa uma interpretação sentimental do Cristianismo. Em 1695, a Sorbonne condena Fénelon.
Há também um grande florescimento póstumo do místico Jakob Böhme, cuja influência se expande ao longo de todo o século XVIII. Com ele, surge uma consciência mais aguçada do esoterismo cristão. Böhme interpreta a ruptura do andrógino primordial como consequência da atração de Adão pelo mundo sensível e, com linguagem carregada de paixão, propõe uma visão espiritualista do universo e do destino humano.
Em sua obra A Economia Divina (1687), Pierre Poiret realiza a síntese entre o quietismo e as doutrinas de Böhme. Amigo de Poiret, André-Michel Ramsay converte-se ao catolicismo quietista por influência de Fénelon.
Ora, é em 1736–1737 que se dá a elaboração dos altos graus do Escossismo, tendo como ponto de partida o célebre Discurso de Ramsay.
Outro movimento relevante, sobretudo na Alemanha e na Suíça, é o pietismo — um misticismo próprio aos meios protestantes, marcado por uma intensa preocupação com o pecado. É necessário, segundo essa corrente, afastar-se do mundo e refugiar-se na adoração de Jesus.
Antoine Faivre, em O Esoterismo do Século XVIII na França e na Alemanha (Paris, 1973), afirma:
“Nem o quietismo francês nem o pietismo alemão oferecem aos homens afastados do sacerdotalismo uma comunhão religiosa suficientemente sólida que os ajude a suportar o fardo — extremamente pesado — da liberdade de consciência.”
E continua:
“O movimento dos Morávios de Zinzendorf tampouco o consegue, pois enfatiza o abismo que separa o homem pecador do Salvador.”
Isso tudo conduz à formação de “Igrejas” e episcopados improvisados.
“É uma característica do pietismo” — prossegue Faivre — “e, por vezes, também do quietismo, especialmente na vertente valdense, que homens de diferentes classes sociais e profissões se unam em um mesmo zelo e em um mesmo amor pela obra a ser realizada.”
Esse gosto por sociedades e pequenos círculos — conventículos — define bem o século XVIII como um todo. Desde o seu início, testemunha-se uma verdadeira proliferação de associações de todos os tipos. Sociedades religiosas ou científicas, academias, instituições de beneficência etc., multiplicam-se por toda a Europa.
A expressão mais interessante dessa tendência, no plano esotérico, é evidentemente a Franco-Maçonaria continental.
Aqueles que passaram a buscar uma realização cristã fora da Igreja histórica eram, como já se disse, nobres — e, cada vez mais, membros da alta e média burguesia.
Na Igreja histórica, esses indivíduos experimentaram um exoterismo severo, a autoridade incontornável do pároco e constantes restrições. Aspirando a um conhecimento mais profundo, ouviram falar de um esoterismo cristão que resplandecera, até o século V, na Escola de Alexandria. No entanto, o clero católico não via com bons olhos que “simples leigos” soubessem demais — e assim, esses buscadores passaram a procurar o esoterismo cristão em outros lugares.
O que se cultiva nesses conventículos e sociedades religiosas, mais ou menos à margem da ortodoxia, é o desejo espiritual. Neles, busca-se alimentar uma sensibilidade cada vez mais voltada a experiências de fervor e exaltação interior. O contexto mental é o mesmo daquele do mundo racionalista das “luzes”: há o desejo de uma ciência universal, de uma exaltação das possibilidades humanas.
Mas, no século XVIII, o discurso científico estava “na moda” — ainda algo novo, e quase sinônimo de “moderno”. Em 1764, por exemplo, a obra Novum Organum de Jean-Henri Lambert apresenta a análise matemática como chave de todas as ciências — um ponto de vista claramente racionalista.
Eis o ponto de contato entre racionalistas e místicos: a certeza de que a humanidade caminha inexoravelmente rumo à sua própria elevação.
Como isso nos conduz à Franco-Maçonaria, em busca de seus métodos modernos de trabalho? Antoine Faivre nos fornece uma pista:
“A catequese pietista, com seu método baseado em perguntas e respostas, sempre foi utilizada nas sociedades secretas para transmitir aos candidatos à iniciação o conhecimento do simbolismo.”
Pois, à semelhança de riachos subterrâneos, os movimentos rosacruzes, desde o fim da Idade Média, vinham carregando consigo conhecimentos que, no século XVIII, ganharam nova força — a força de vir à tona.
E ainda acrescenta Faivre:
“Os collegia pietatis foram, em certo sentido, os precursores diretos das Lojas especulativas.”
O Peso dos Metais e de sua Ganga
Há, no legado do século XVIII, uma parte nociva — algo que precisamos abandonar, tanto em nosso pensamento quanto em nossa sensibilidade, se quisermos trabalhar com retidão na reordenação e na retificação da Franco-Maçonaria.
Trata-se daquilo que envenenaria a Ordem caso os maçons de hoje — e os de amanhã — negligenciassem o dever de se livrar disso.
Ao considerarmos essa questão, entramos diretamente nos motivos permanentes da retificação.
Um traço marcante de todos os iluminismos é o ecletismo: a esperança de que haja uma parcela de verdade em todos os sistemas, religiões e mitologias.
Mas como avançar na Tradição sem perder o bom senso?
Em 1688, foi publicada a obra de Christian Thomasius, Introductio ad philosophiam aulicam, na qual se expressava de forma explícita uma indiferença em matéria religiosa.
Essa disposição de espírito — perigosa para a retidão do desejo espiritual — foi combatida por Jean-Baptiste Willermoz até os seus últimos dias.
Tudo se Mistura com Tudo.
Ao redor de Karl von Hund, vemos impostores, descobertos apenas tardiamente, mesclando-se a homens de elevada espiritualidade.
Homem sensato, lionês de boa cepa e católico fiel, Jean-Baptiste Willermoz chegou a se deixar enganar por sonâmbulos e por uma médium de dons duvidosos, uma “espírita” antes do termo existir — e, ainda assim, foi dele que partiu a reforma maçônica.
Atuaram lado a lado Martines de Pasqually e Louis-Claude de Saint-Martin.
Este último, ao descobrir a obra de Jakob Böhme em 1788, empreende uma sincera caminhada em direção às fontes, permanece homem de oração, e se destaca por sua atenção à Sophia, a Sabedoria — espelho da Vontade Divina, anterior à criação dos mundos.
Martines, por sua vez, formula, em um livro mal escrito, uma teoria que deturpa a Bíblia, delira sobre uma “reintegração” sem qualquer raiz no esquema judaico-cristão.
Aliás, essa tal “reintegração”, nos meios místicos febris do século XVIII, não passa de uma ideia solta no ar: esses marginais da espiritualidade aspiravam a uma iniciação que restaurasse o homem ao estado anterior à Queda.
Mas os meios propostos?
A perfeição interior, sem dúvida — mas também a teurgia, e com frequência uma alquimia bastante duvidosa.
Nesse espírito confuso e misturado, Martines fundou os seus Elus Coëns, e Willermoz chegou a crer nisso.
Nos países germânicos, encontramos os Rosa-Cruzes de Ouro, os Irmãos da Ásia, que atraíram Carlos de Hesse, além de muitas outras seitas. Em resumo, temos aqui o iluminismo.
E assim, o termo “iluminismo” passou a ser comumente empregado para se referir ao esoterismo.
Confusão.
Esse amálgama entre o autêntico e o quimérico acabou desequilibrando muita gente.
Até a Europa Central e a Rússia Ortodoxa foram afetadas.
Entre os protestantes da Escandinávia e da Alemanha, cresceu uma nostalgia por uma cavalaria medieval cujas crenças, ritos e ética têm raízes evidentes no catolicismo — mas num catolicismo mal compreendido, falsificado e caricaturado, pois confundia-se o culto litúrgico com magia.
Liturgia e magia: CONFUSÃO
É aqui que começa o romantismo: a atração pelo catolicismo no século XIX será distorcida. Essa atração já se percebe em 1799, no livro de Novalis, Cristandade ou Europa. Um sentimento romântico de cavalaria ainda ressoa em Novalis, em Achim von Arnim, em Zacharias Werner.
Mas, ao se falar de cavalaria, fala-se também do Graal.
Mas de que Graal estamos falando?
Agora, "encontrar o Graal" passou a significar: atingir a Reintegração.
CONFUSÃO.
E mais CONFUSÃO ainda: ao invés de “criação”, agora se diz “emanação” — um jargão não propriamente gnóstico, mas gnosticista.
Entre os pretensos “iniciados” cristãos, a ideia da pedra filosofal começa, cada vez mais, a suplantar a da graça divina.
CONFUSÃO, CONFUSÃO por toda parte.
Ressurgem, revestidas de uma tolice autossatisfeita, as velhas absurdidades gnosticistas dos três primeiros séculos do cristianismo:
Sonharias abstratas e complexas, empilhadas sobre hierarquias delirantes de entes intermediários entre Deus e o mundo humano — os éons.
Segundo Menandro, já no século I, depois Marcião e Saturnino, no século II, teria havido um demiurgo que criou e ordenou o mundo.
Chamaremos isso de esoterismo cristão?
De forma alguma. Trata-se de um filosofismo de fantasia pesada.
CONFUSÃO!
E tudo isso vem acompanhado de uma forte inclinação para o panteísmo, especialmente entre os alemães.
Na França, a tendência é considerar que o mundo material, em si mesmo, seria consequência da queda do homem.
CONFUSÃO.
Louis-Claude de Saint-Martin rejeita a ideia de usar o universo como prova da existência de Deus — e aí sim, ele toca o esoterismo cristão verdadeiro: é Deus quem “prova” o universo.
Para ele, a alma decaída foi precipitada no corpo — aqui, o gnosticismo.
Mas, diz ele também, a alma conserva uma memória muito atenuada do mundo transcendente, sua verdadeira origem — aí, o esoterismo cristão autêntico.
E o que Saint-Martin chama, de forma legítima, de desejo, é o instinto natural que nos impulsiona ao conhecimento perfeito — eis a gnose vivificante, fim próprio da iniciação.
No século XVIII, emergem verdadeiras linhas de continuidade com sociedades secretas estruturadas desde o século XVI.
Inspirados nas luzes de Paracelso, Nicolau de Cusa, Cornelius Agrippa, Giordano Bruno, muitos homens de elevada fineza espiritual passam a considerar o universo como um ser vivo, percebendo as relações de simpatia universal que regem todas as manifestações da vida.
Isso os leva à Magia, inseparável tanto da experiência do real quanto da contemplação interior.
Em seus Princípios filosóficos da religião natural e revelada (1705), George Cheyne descreve o mundo como sendo formado por substâncias espirituais extremamente condensadas.
E há um despertar de poderes.
Muitas vezes, poderes benéficos.
De fato, o magnetismo de Anton Mesmer, ao qual Willermoz presta atenção, cura enfermos.
É verdade também que Cagliostro realizou curas.
Mas, de onde, exatamente, Cagliostro pesca os elementos para o seu rito "Maçônico" "Egípcio"?
Provavelmente do livro “Séthos ou vida tirada dos monumentos”, do abade Terrasson, publicado em 1731; e de “Crata Repoa”, de von Köppen, datado de 1770.
Mas o Egito verdadeiro não se inventa!
Ainda não se decifravam os hieróglifos, a ciência egiptológica ainda estava por nascer.
Tinha-se de se contentar com um Egito imaginário.
O século XVIII exibe, assim, um misto consternador de pesquisas sérias e falsificações, de magia e prestidigitação:
Parte de busca iniciática, parte de truques de feira — tudo misturado!
CONFUSÃO, sempre a mesma CONFUSÃO!
Isso torna o século irritante, inverossímil, suspeito de ponta a ponta.
Tudo se mistura com tudo, o melhor e o pior.
“Cagliostro, na França”, observa Antoine Faivre, “Schrepfer, na Alemanha, entregam-se publicamente à evocação de espíritos; essas duas figuras de cores vivas contribuem, graças a ardilosas fraudes, para semear a confusão entre os crédulos, conferindo ao iluminismo um aspecto dos mais pitorescos — mas que, sem dúvida, lança descrédito sobre as pesquisas dos teósofos mais sérios.”
ATÉ O FIM DESTA OBRA
Assim procederemos:
A história dos eventos e da cultura,
O movimento dos fatos e das ideias
Iluminarão a história maçônica.
Esta última será sinalizada em margem pelo símbolo ∴
1722 e 1723
∴ Sob uma forma adaptada à nova mentalidade das Lojas, são publicados em Londres os Antigos Deveres.
Em 1723, morrem Filipe de Orléans e Dubois; o muito jovem Luís XV sofre a influência do cardeal Fleury, seu preceptor.
∴ Em junho, são publicadas as Constituições de Anderson. O jornal Flying Post divulga uma primeira revelação dos usos maçônicos.
Forma-se uma Grande Loja de Dublin.
∴ Aqui, quatro observações:
1 – Mais do que Anderson, a quem ficou atribuído o nome, foi Jean-Théophile Désaguliers quem redigiu as Constituições modernas de 1723. Felizmente! Pois, não obstante seu protestantismo sombrio, Désaguliers conhecia as tradições maçônicas. Mas o texto rompe com o catolicismo de origem, mantido pelas Lojas irlandesas: seu deísmo vago e embaraçado provoca a resistência imediata dos Antigos.
2 – É em 1723 que, vinda da Inglaterra, a reorganização moderna chega a Paris e, em seguida, a toda a França.
3 – Na Inglaterra e na França, a fama da Ordem atrai a alta nobreza e alguns elementos cultos do alto clero.
4 – E os operativos da Europa continental? Já não pertencem a uma antiga Maçonaria adormecida desde as guerras de religião, mas sim às diversas ramificações de um Companheirismo de organização ainda nebulosa. Duramente perseguido pelos poderes eclesiástico e real, este sofre com suas divisões internas e com uma incoerência geral obstinada.
Eis por que, em suas Lojas nascentes, ainda imitando as Lojas inglesas modernas, o continente europeu recruta apenas ILUSTRES INTELECTUAIS, não mais ARTESÃOS: todos membros aceitos sem contato real com os OPERATIVOS, os MAÇONS são doravante ESPECULATIVOS.
De 1724 a 1737.
Difundem-se pela Europa ideias totalmente novas vindas da Inglaterra: do otimismo deísta decorre uma nova crença no progresso humano. Sucesso de “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift; ao se exilar na Inglaterra em 1726, Voltaire escreve: “Um inglês, como homem livre, vai ao Céu pelo caminho que quiser.”
Em 1725, é instituído o grau de mestre, terceiro grau das Lojas de São João (ou do Ofício, em inglês Craft).
Os irlandeses formam uma Grande Loja de Munster.
No “Au Louis d’Argent”, rua des Boucheries, em 14 de junho de 1726, abre-se a primeira Loja de Paris no modelo inglês.
1727. Jorge II reina na Inglaterra.
∴ 1728. O duque de Wharton, grão-mestre das primeiras Lojas francesas.
1729, Voltaire retorna à França, Montesquieu desembarca na Inglaterra.
1730. A Maçonaria irlandesa reafirma sua fidelidade às tradições católicas; Protestante, a Grande Loja londrina dos Modernos inverte a ordem das palavras de reconhecimento dos dois primeiros graus.
∴ 1731. A Maçonaria no Reino de Nápoles e na Holanda.
1732. Pela Loja de Hamburgo, no modelo inglês, começa a reorganização da Maçonaria alemã (menos esquecida de seu passado do que a francesa, ao que parece).
1733. As GG∴LL∴ de Londres e de Munster decidem sabiamente se unir.
1734. Os franco-maçons da América do Norte (G∴L∴ de Massachusetts) publicam as Constituições de Anderson no Novo Mundo.
∴ 1735 (Importante!). Robert Walpole isola a Inglaterra das nações continentais. Jean-Théophile Désaguliers chega à França, onde se adotam as Constituições de Anderson.
Em Estocolmo, é criada a Maçonaria sueca.
Constitui-se em Edimburgo, em 29 de novembro de 1730, festa de Santo André, a Grande Loja da Escócia; Lord Aberdorn, grão-mestre.
∴ França, 1737, em meio a uma crise econômica angustiante. Surgem as primeiras medidas antimaçônicas. A Maçonaria francesa começa a abrir-se aos comerciantes.
Encontra de imediato apoio na burguesia culta, que fraterniza nas Lojas com membros da alta nobreza – esta classe aspira a ascender ao topo da hierarquia social.
E enquanto se implanta em Florença o modelo inglês, nas Lojas francesas erguem-se aspirações éticas e metafísicas às quais permanecem pouco sensíveis as de Londres. De fato, a Maçonaria da Europa continental busca caminhos de realização que, cada vez mais, a distanciarão do tipo britânico (começa-se também a pensar que, fora da Inglaterra, os homens não são ingleses...).
E 1737 é o ano do retumbante DISCURSO DE RAMSAY.
Assiste-se aqui a uma grande inflexão maçônica:
1 – Ainda que seu conteúdo histórico tenha sido facilmente contestado mais tarde, o DISCURSO DE RAMSAY, pronunciado em 21 de março de 1737, inaugura um desenvolvimento de incalculável importância no seio da Maçonaria continental.
2 – Desse discurso derivam três ideias:
a) A dimensão universal da Ordem, que vê o mundo inteiro como uma imensa república;
b) Seu vínculo místico com a antiga Cavalaria;
c) A afirmação de uma tradição escocesa ligada ao talento específico da França.
3 – Mas essas ideias logo são apropriadas por ambiciosos que, ávidos por alcançar altos graus, imaginam apressadamente sistemas diversos. De um dia para o outro, a França vê-se inundada de “ALTOS GRAUS”, todos mais fantasiosos uns que os outros. Essa mania alcança a Alemanha, obcecada com um novo destino para as instituições cavalheirescas.
Vemos aqui os primeiros indícios de uma Maçonaria Retificada.
4 – Entretanto, embora Ramsay só tenha mencionado os hospitalários de São João de Jerusalém, tornados cavaleiros de Malta, passando pelos Teutônicos e pelos Irmãos da Espada da Livônia, os maçons germânicos e escandinavos voltar-se-ão para uma Cavalaria templária.
Até Karl von Hund – 28 de abril de 1738.
Redigida pelo Papa Clemente XII, a bula In Eminenti Apostolus specula denuncia a Maçonaria. Isso se deu sob a inspiração de Ambrogi, inquisidor de Florença. Por que essa condenação?
1 - “Por causa do segredo que os obriga, sob as maiores penas, em virtude de um juramento prestado sobre as Santas Escrituras, a guardar um segredo inviolável sobre tudo o que se passa em suas assembleias.”
2 - “E por outros motivos justos e razoáveis, a nós conhecidos.” Esse documento romano foi sentido como uma provocação, e seguiu-se uma súbita proliferação de Ritos rosacruzes acima dos três graus do Ofício.
O documento pontifício, com efeito, carece de fundamentos evidentes. Obra de uma comissão onde os cardeais Ottoboni, Zondodari e Spinola se associam ao inquisidor Ambrogi, não tem por referência senão uma Loja fundada em Roma por jacobitas refugiados nos territórios do papa, e que era dirigida por Lord Winston, um notório desequilibrado.
∴ O que o poder clerical reprova às assembleias maçônicas é, essencialmente, seu segredo: ele impede o controle que o clero romano quer exercer sobre toda instituição, seja qual for.
França, 1738. O duque de Richmond é apunhalado na Pont-Neuf por um marido traído; o tenente de polícia Hérault recolhe todos os documentos, verdadeiros e falsos, suscetíveis de ridicularizar a Maçonaria.
No mesmo ano, na Alemanha, na noite de 14 para 15 de agosto, o príncipe herdeiro Frederico, futuro rei da Prússia, é iniciado em Brunswick pelos maçons de Hamburgo.
1739. Os inquisidores de Roma queimam em praça pública um documento maçônico irlandês. As Lojas são perseguidas em Florença; são proibidas nos Países Baixos e na Suécia.
1740, clima geral. Buffon publica A História Natural; Fleury equilibra o orçamento francês. O rei maçom Frederico II, que será chamado o Grande, reina até 1786 sobre a Prússia. A França, aliada à Prússia, inicia a Guerra de Sucessão Austríaca.Até 1780, Maria Teresa reinará sobre a Áustria.
O rei Frederico II, o Grande, protege a Maçonaria. A G∴L∴ de Hamburgo, considerada provincial, dá lugar à constituição, em Berlim, da Grande Loja dos Três Globos.
No mesmo ano de 1740, decisões antimaçônicas de Filipe V da Espanha e do Grão-Mestre de Malta em seus respectivos domínios soberanos.
1741, clima geral. Frederico II estabelece a liberdade de pensamento e de religião, bem como a igualdade perante uma justiça independente, para todos os seus súditos prussianos.
∴ É fundado na Escócia o Ordem de Hérédom, voltado à perfeição da Maestria.
1742. Guerra de Sucessão Austríaca. Buscando enfraquecer o império germânico e a Casa da Áustria, a França aliou-se a Frederico II. Intervindo subitamente, este invade a Silésia.Até 1743, a França acumulará vitórias, mas em 1742 a Inglaterra toma partido da Áustria, a Hungria apoia sua rainha Maria Teresa, e a Prússia abandona a aliança. Um espetacular reviravolta nas alianças começa a se anunciar. Hérault então publica O segredo dos franco-maçons, panfleto de um profano mal-intencionado: o abade Gabriel Perón.
Começa um feliz desenvolvimento maçônico na Áustria: esposo da imperatriz Maria Teresa, o duque Francisco Estêvão da Lorena funda a primeira Loja de Viena.
E na Alemanha é iniciado KARL VON HUND.
Quem é ele?
Nasce na Lusácia, Silésia, em 11 de setembro de 1722, em sua propriedade senhorial de Altengrottkau. A nobreza de sua família remonta ao século XIV germânico. Esses senhores de terras ainda muito abastados possuem terras, castelos, fazendas e florestas.
Com a morte de seus três irmãos ainda na infância e do pai recentemente falecido, Karl é o último da linhagem. Sua mãe o envia para Leipzig, à casa de seu tutor. O que acontece nessa cidade explicará o celibato irredutível do barão: morre a jovem por quem era apaixonado. Para viver toda a vida no culto desse único amor, decide jamais se casar.
Em 1737, ano do discurso de Ramsay, Karl-Gotthelf von Hund Altengrottkau (1722–1776) tem, portanto, quinze anos.
Nesse mesmo ano, Henri-Guillaume Marshall Von Bieberstein, marechal hereditário da Turíngia, assume a posição de grão-mestre provincial da Maçonaria na Alta Saxônia.
Em 1742, ele tem vinte anos, e é então iniciado. Onde exatamente? Os historiadores maçônicos mais sérios não concordam; para alguns, na “Absalon”, primeira Loja de Hamburgo, que iniciou Frederico II em 1738; para outros, numa Loja militar do círculo do Marquês de Bellisle em Frankfurt am Main.
É preciso se conformar: na gênese do Retificado, pela força (ou fraqueza) dos acontecimentos, há confusão. Daí a absoluta necessidade de uma compreensão sólida do contexto histórico, ou seja, do século XVIII, antes e durante o estudo dessa corrente maçônica.
Maçom aos vinte anos, Karl colherá no silêncio dos aprendizes o poder da escuta? De modo algum, não, o século XVIII é a era de ouro, não da Maçonaria, mas das fábulas. Embala-se a imaginação, e eis que Karl ouve dizer que a Ordem do Templo sobrevive secretamente em Paris. No fim de 1742 ou início de 1743, ele vai a Paris e visita Lojas.
Nascido luterano, não tem nenhuma formação doutrinária religiosa; sem se tornar um grande teólogo, em Paris ele “se converte” ao catolicismo.
Repetimos que a história se complica...
Karl Von Hund escreveu suas “Memórias”. A Loja “Minerva” de Leipzig possuía o texto até cerca de 1937. Nele se lê que, em 20 de janeiro de 1743, apenas um ano após sua iniciação, ele teria exercido o cargo de Mestre na Cadeira: nenhum documento sustenta essa surpreendente afirmação.
Por outro lado, parece mais certo que ele tenha exercido o cargo de Primeiro Vigilante em 25 de agosto de 1743, durante a instalação de uma Loja em Paris. Também se lê que ele teria sido admitido na “Maçonaria templária” em 1743, pelo pretendente exilado Carlos Eduardo Stuart: porém, interrogado a esse respeito em 1777, o referido príncipe declarou, primeiramente, que em 1743 ele estava em Roma e não na região de Paris, e, em segundo lugar, que jamais foi maçom.
Essas obscuridades continuarão a ser um problema.
Nas suas “Memórias”, assim como posteriormente nos conventos alemães, Karl teria mentido? Talvez. Seria anacrônico rejeitar essa hipótese. Pois tal dúvida convida a entender qual poderia ter sido o ambiente mental de um jovem maçom de boa família. Veremos nessa época surgir tantos aventureiros, impostores, fraudadores!...
Eles logo se ajuntarão em volta de Karl, muito próximos dele.
Prelúdio à história do Retificado
O que o século XVIII nobre e grande-burguês certamente teve de menos doentio foi uma verdadeira delicadeza nas relações sociais, uma liberdade sorridente nos costumes, uma audácia requintada da inteligência tanto quanto do coração e dos sentidos.
É engraçado que as moças não usem roupas intimas; menos engraçado é que homens tão amáveis sejam chamados de “iniciados” com pouca discernimento.
Entre os ociosos que se julgavam investidos de uma missão “sublime”, o senso de realidade em geral e a avaliação madura das coisas em particular brilhavam apenas por sua desconcertante fraqueza.
Enquanto tomavam suas fantasias por situações reais, eram subjetivos em tudo e loucamente ambiciosos. Essas disposições da alma encobriam com névoas cintilantes deficiências bastante graves.
Um jovem bem-nascido entrava na vida ativa com uma cultura abstrata e vaga, uma fortuna, pais e propriedades às costas; não tinha que temer nenhuma insegurança, a não ser ladrões de estrada e soldados em fuga. Quando se tinha uma aparência agradável, certo charme e desejos fogosos, o sucesso não custava caro.
Assim, ao acompanhar os primeiros passos maçônicos de Karl Von Hund, avançaremos na gênese do que, cerca de trinta anos depois, se tornará: "O Regime Escocês Retificado".
Fim da tradução.
I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere!!!
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