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Da Estrita Observância ao Rito Escocês Retificado - Segunda Parte

Atualizado: 16 de out. de 2020

Nota do Tradutor: “Damos seguimento por meio dessa postagem a tradução do texto do irmão Pierre Noel, investigador ativo, dedicado a prática de diversos ritos maçônicos: Francês, Inglês, Escocês e até mesmo Americano, tratando sobre o caminho que se percorreu da Estrita Observância ao Rito Escocês Retificado. No trecho que agora apresentamos o autor cobre o Convento de Gálias e seus principais frutos. Esperamos que o artigo agrade a nossos leitores e sirva de base para maior compreensão sobre os Ritos de nosso amado Regime; tivemos que fazer algumas alterações em partes do texto a fim de adequá-lo ao português falado no Brasil e acrescentamos algumas notas com nossas observações, no entanto tais mudanças não alteram em nada o sentido do texto.”.


I.C.J.M.S.

Que Nossa Ordem Prospere !!!



Convento Nacional de Galias (1778)



1 - A Reforma de Lyon



O Convento Nacional de Galias ocorreu entre 25 de Novembro a 10 de Dezembro de 1778 e teve lugar em Lyon (França) na presença dos Delegados das Províncias de Auvergne e de Borgonha (os Delegado de Occitânia não compareceram) e tratou da questão dos altos Graus e da organização administrativa do Rito.


Nele, o título de “Cavaleiro Templário” foi substituído por “Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa”, esta decisão foi imposta por Turckeim e por Willermoz. O motivo principal para tal mudança foi a prudência; não parecia de ser de “bom tom” fazer referência a uma ordem condenada pelos predecessores do monarca reinante e do pontífice romano.


Todavia não era somente essa a razão da substituição: Willermoz e seus amigos estavam convictos de que a fonte dos conhecimentos maçônicos e da origem da iniciação eram muito anteriores a Ordem do Templo, que teria, quando muito, sido somente uma conservadora pontual e transitória de uma tradição imemorial.


Os delegados aderiram sem maiores ressalvas a essa decisão já na primeira sessão do Convento, ainda que alguns alguns tenham oferecido uma tácita resistência a tal mudança (como foi o caso de Beyerlé, Prefeito da Lorena e futuro adversário de Willermoz).


A “matrícula” (ou seja, a organização territorial do Regime) das Províncias, Priorados e Comendadorias da Ordem Interior foi adotada com “muito otimismo”, sem levar em conta o quão “raquítico” era o sistema. O “Code Géneral del Ordre des Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte” (Código Geral dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa) foi adotado, assim como uma "Regra para os Cavaleiros", atualmente perdida.


Os rituais da Ordem Interior, preparados por Türkheim foram aprovados. Ao contrário dos rituais alemães, aqui se suprimem as diferenças baseadas em nascimento e se admitia como “Cavaleiros” os burgueses e os plebeus, desde que esses pudessem comprovar uma fonte de renda “honesta” na sociedade civil, enquanto que os “fréres à talents” (irmãos artistas) eram tolerados, como nas lojas azuis, sempre que sua presença trouxesse um verdadeiro benefício a Ordem.


Os Graus Simbólicos não foram esquecidos. Um “Código Maçônico das Lojas Reunidas e Retificadas de França” foi aprovado e os novos rituais, redigidos por Willermoz, foram ratificados na décima primeira e na décima segunda sessões ( E. Mazet, 1985). Muitas cópias desses rituais estão preservadas como parte dos Fundos Kloss da Biblioteca do Grande Oriente dos Países Baixos (catálogo VII-h-4). O que sobrevive se baseia nessas cópia primitivamente destinadas ao Diretório de Borgonha e certificadas por seu Chanceler, Rudolph Saltzmann.



2 - Os Graus Simbólicos do Convento de Galias.



O quadro da Loja de Aprendiz (tapete) está dividido em duas partes: uma a ocidente que representa a ante sala e outra a oriente que representa o templo. Estão separados por uma balaustrada localizada debaixo de uma escada de sete degraus que conduzem ao pavimento mosaico, situado em frente à porta de entrada do templo, que está fechada, com duas colunas aos lados, J e B. Nos quatro pontos cardeais localizam-se quatro portas das quais a do oriente, que está fechada, leva ao santuário. No alto do quadro estão desenhados o sol, a lua e a estrela flamejante, que em seu centro contém a letra G.


“[...] ao redor desse quadro, que representa o recinto interior do templo, está traçado com giz a poucas polegadas de distância, um quadrilátero na mesma forma que simboliza o segundo recinto ou a segunda antessala. À mesma distância dela, será traçado outro que representa o terceiro recinto ou antecâmara exterior na qual viaja o Aprendiz. Esta última é suprimida para as viagens de Companheiro e todos para os do Mestre [...]”.


A Loja de Aprendiz é iluminada por “três tochas das quais duas estão diante dos Irmãos Vigilantes e a outra no Oriente do lado do meio-dia”. A inovação merece ser sublinhada. Trata-se de fato da disposição típica “escocesa” das tochas de ângulo, comum ao “Rito Escocês Antigo e Aceito”' e ao “Rito Moderno Belga”. Parece ter surgido em Avignon em 1776 na loja “Saint-Jean de la Vertu persecutée”, loja mãe da parisiense “Saint-Jean du Contrat Social”, que será o berço do Rito Escocês filosófico (cf. R. Desaguliers, 1983).


Não pode ser apenas uma coincidência. A proximidade em relação ao tempo e a localização geográfica sugere uma influência recíproca. Deve-se acrescentar no entanto que essa disposição das tochas já era divulgada na França em 1747 ( Les Franc-Maçons écrasés…), texto enigmático do qual não se sabe muito mas que sugere, em todo caso, que a ideia não tinha ineditismo algum (1).


A abertura da Loja de Aprendiz se faz pelo recitar das perguntas e respostas da instrução e não difere em nada do que se praticava à época na França. O Venerável segura sua espada com a mão esquerda, com a ponta voltada para o alto, enquanto os presentes a sustentam com a ponta voltada para baixo. Há que destacar a ausência de orações.


O candidato, na Câmara Preparatória, é apresentado a três perguntas:


- "Crês em um só Deus, Criador do Universo, e na imortalidade da alma e na necessidade dos deveres que disso resultam ?";


- "Quais são as vossas ideias acerca da virtude ?";


- "De que maneira pensais que o homem pode ser mais útil a seus semelhantes ?".


O preparador, depois de ter conversado com o candidato sobre essas perguntas, examina a opinião que esse tem sobre a Maçonaria antes de ressaltar que seu fim é “a virtude, a amizade e a beneficência”.


Introduzido na Loja, o Recipiendário declara sua religião e estado civil (sem que lhe seja perguntado seu nome de batismo). As viagens, realizadas no “recinto” descrito acima, são marcadas com golpes de trovão e com três máximas, que hoje são clássicas:


- "O homem é a imagem imortal da divindade [...]";


- "Aquele que se cora (envergonha) da religião [...]";


- "O maçom cujo coração não volta a se abrir [...]".


O candidato passa de “ocidente a oriente ao lado do quadro (tapete) pelo norte, em passos livres até ficar diante da mesa do Venerável Mestre”. O juramento, feito sobre o evangelho de São João, é a ocasião para a seguinte pergunta:


“Este livro sobre o qual sua mão pousa é o Evangelho de São João. Você acredita ? Se não acreditásseis, que confiança poderíamos ter em vosso compromisso ?”.


Apesar desta exortação, o juramento não contém ainda nenhum tipo de fidelidade à religião cristã (2). Os castigos físicos foram omitidos, omissão que traduz sem dúvida a preocupação de homens perfeitamente honrados em não serem acusados por crimes imaginários. Será a mesma preocupação que levará o Grande Oriente da França a suprimir as penalidades em 1858, exemplo que em 1985 seguiu a Grande Loja Unida da Inglaterra.


A recepção acaba com uma breve explicação da cerimônia e do quadro (tapete) e acaba sendo uma simples preliminar da cerimônia atual. Nela não há nenhuma alusão a buscar-demandar-sofrer, o que será introduzido mais tarde no Convento de Wilhemsbad.


Em resumo, os segredos são os da maçonaria clássica de sua época, as palavras de passe derivam do “nome” do Aprendiz, do Companheiro e do Mestre.


No Segundo Grau, o candidato, com os olhos vendados e despojado de seus metais, realiza cinco viagens “misteriosas” e recebe duas máximas após a terceira e a quinta viagem (“O insensato viaja toda uma vida [...] O homem é bom [...]”). Na continuação ele é conduzido para diante de um espelho escondido por uma cortina. Depois que o Venerável o incita a entrar em si mesmo para rever seus erros e preconceitos, tira-se-lhe a venda e ele pode então contemplar seu rosto “no espelho iluminado por um resplendor”. Agora sobe pelos cinco degraus do grau “que pede”, antes de descer e chegar ao oriente pela marcha dos Companheiros (cinco passos em esquadro, partindo do pé direito pelo lado do meio-dia). A palavra do grau é B… Pelo contrário, o “nome” do Companheiro passou a ser Gi… sem que se saiba porque substituiu o habitual Schi….


No Terceiro Grau aparece o mausoléu no ocidente e um crânio no oriente.


“[...] Ao Ocidente se localiza sobre a parede ou em relevo, um mausoléu (sic) que consiste em uma urna sepulcral pousada sobre uma base triangular e de três lados. Em cada triângulo haverá três bolas nos três ângulos. Sobre o triângulo um crânio sobre ossadas. Da urna sai um vapor inflamado com a inscrição ‘Deponit Aliena Ascendit Unus’ ; por baixo do triângulo lê-se as palavras ‘tria formant, Novena Dissolvunt’ [...]”


As nove tochas, dispostas como no grau de Aprendiz não se acendem senão quando o candidato está deitado no caixão. Introduzido a loja de costas (andando para trás) descobre o mausoléu antes de iniciar as nove viagens, “reduzidas a três”, no curso das quais escuta três máximas das quais existem várias versões. Chega ao oriente por sete passos, seguido dos três passos do Mestre. A lenda de Hiram se lê diante do simulacro da morte e está conforme o cânon francês e a antiga palavra J… se dá por extenso. A palavra substituta M...B… é a que estava em uso na maçonaria inglesa chamada “dos modernos” e o nome do Mestre é Ga....


No grau de Mestre Escocês, seis luzes suplementares se agregam às quatro tochas de ângulo e às luzes do Venerável, aqui chamado Deputado Mestre, e dos Vigilantes (ou seja vinte e cinco no total) enquanto aparece o duplo triângulo e a letra H dispostas na parede do oriente.


O ritual prevê dois quadros, dos quais o primeiro tem duas partes: o Templo em ruínas a ocidente e o Templo Reedificado por Zorobabel a Oriente. O segundo quadro mostra a ressurreição de Hiram rodeado já não de animais mas do nome das virtudes das quais aqueles são símbolos (beneficência, prudência, religião e discrição).


A recepção, consideravelmente extensa, não difere muito da que está em uso em nossos dias. O introdutor apresenta ao candidato as mesmas questões de ordem dos graus anteriores e convida-o a responder “categoricamente” antes de ligar-lhe os punhos por meio de “uma corrente de ferro branco com anéis de forma triangular”.


Introduzido em loja o mestre ouve o primeiro discurso relatando a destruição do Templo antes de passar por sete passos para o oriente; o primeiro que conduz à porta do ocidente do quadro (tapete) , os três seguintes à porta do oriente sobre o quadro (tapete), os três últimos “em esquadro” até o Altar.


Após o juramento é recebido “Mestre livre escocês” e lhe é entregue uma espada e uma trolha. Assim armado, trabalhará na reedificação do templo; ele é então conduzido ao altar dos perfumes onde descobre a folha de ouro, que contém “a palavra sagrada que se tinha perdido”. Um segundo discurso descreve a proeza de Zorobabel e as circunstâncias da construção do segundo templo, imagem imperfeita do primeiro. E enfim, investido do hábito do grau, branco forrado de verde e com bordas vermelhas, com um cordão verde “misturado em vermelho” e da jóia ( só de uma face), recebe o terceiro e último discurso, impregnado de um martinezismo velado, que compara as “revoluções” do templo de Jerusalém “essa grande figura da Maçonaria” aos estados sucessivos do destino humano (a glória do seu primeiro estado, a decadência que se seguiu à queda, a reintegração prometida aos eleitos). Tudo isso é anunciado pela ressurreição de Hiram “saindo em meio a tumba”'. O símbolo do grau é um leão jogando com instrumentos de matemática sob um céu alaranjado com a medalha “Meliora Praesumo”, na primeira pessoa desta vez, e deixa a entender a existência de uma etapa posterior onde os “símbolos” estarão ausentes.


Os segredos são os da Estrita Observância, mas o sinal desta vez está "sobre a testa".


E desta forma foram unidos numa harmoniosa síntese os temas de Zorobabel, da reconstrução do templo e a descoberta da palavra impronunciável (herança dos “Cavaleiros do Oriente” e do “escocês” francês) por meio da ressurreição de Hiram e dos quatro animais emblemáticos das virtudes maçônicas (próprias do escocês verde da Alemanha). Willermoz explica mais adiante em uma carta a Charles de Hesse:


“ [...] pode se considerar que seria mais adequado conservar, sem o quarto grau, as principais características da Maçonaria francesa para servir de ponto de aproximação com ela” ( Carta a Charles de Hesse de 12 de Outubro de 1781, em van Rijnberck, 1935, pp.166-168)


Fim da Segunda Parte.


I.C.J.M.S.


Que Nossa Ordem Prospere !!!


Notas:


1 - Essa questão foi tratada pelo autor G. Verval, 1987, pp.11-24, P. Noël, 1993.


2 - Nesse ponto discordamos da visão do Irmão Pierre Noel. A posição dos mantenedores do Blog Primeiro Discípulo quanto ao assunto pode ser vista aqui em um dos artigos que publicamos anteriormente: Rito Escocês Retificado - Cristianismo Atenuado ?





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