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Da Estrita Observância ao Rito Escocês Retificado - Terceira Parte

Atualizado: 16 de out. de 2020

Nota do Tradutor: “Na terceira parte deste artigo damos seguimento por meio dessa postagem a tradução do texto do irmão Pierre Noel, um investigador ativo que dedicou-se a prática de diversos ritos maçônicos: Francês, Inglês, Escocês e até mesmo Americano, tratando sobre o caminho que se percorreu da Estrita Observância ao Rito Escocês Retificado. No trecho que agora apresentamos o autor cobre o Convento de Wilhemsbad e seus principais frutos. Esperamos que o artigo agrade a nossos leitores e sirva de base para maior compreensão sobre os Ritos de nosso amado Regime; tivemos que fazer algumas alterações em partes do texto a fim de adequá-lo ao português falado no Brasil e acrescentamos algumas notas com nossas observações, no entanto tais mudanças não alteram em nada o sentido do texto.”.



I.C.J.M.S.


Que Nossa Ordem Prospere !!!



O Convento de Wilhemsbad (1782)


1 - As Premissas.


No início dos anos 1780, a Estrita Observância atravessava uma grave crise ocasionada por múltiplas causas que escapam aqui a nosso propósito (1). O Duque de Brunswick anunciou então, em setembro de 1780, a convocação iminente de um Convento Geral de Maçons escoceses cujos debates deveriam dar respostas a todas as questões que agitavam a Ordem. Tal empreendimento teve sua abertura em 15 de Julho de 1782 em Wilhemsbad, pequena aldeia perto de Hanau.


Nele, trinta e quatro delegados compareceram, vindos de diferentes Províncias da Ordem e entre eles os delegados de Estrasburgo e de Lyon, que estavam decididos a tomar parte de forma preponderante e ratificar o abandono da ficção sobre os Templários que a reforma de Lyon, com Willermoz, havia manifestado como essencial aos dois idealizadores do convento, o duque de Brunswick (1721-1792) e o príncipe Charles de Hesse-Cassel (1744-1836), coadjutor da VII Província (Baixa Alemanha) e Mestre Provincial da VIII Província (Alta Alemanha) (2).


O trabalho do Convento ultrapassou a questão de seus rituais. A origem da Ordem, seus verdadeiros fins e sua organização foram o objeto principal das discussões nas sessões (que ocorreram com debates muito intensos e por vezes assumindo um certo caráter tempestuoso).


Um relatório crítico foi publicado no mesmo ano pelo Prefeito de Lorena (Beyerlé, que curiosamente não estava presente no Convento) sob o título De Conventu generali latomorum: apud Aquas Wilhelmina” que provocou a publicação de “Réponse aus assertions contenues dans l'ouvrage du R.F.L. A.Fascia ( Beyerlé)no ano de 1784, texto muito polêmico redigido por Willermoz e seu colaborador Jean Jacques François Millanois.


Mais próximo de nossa época, A. Joly (1938) e sobretudo R. Le Forestier (“A franco-maçonaria templária e ocultista do século XVIII [1970]), relatam os acontecimentos desse verão de 1782. Infelizmente, tanto um como o outro basearam-se nas duas obras citadas, e não tendo tido acesso aos protocolos autênticos do Convento agarram-se às vezes a aspectos incompletos e até errôneos na sua análise. Os protocolos em língua francesa e a tradução da sua versão alemã foram, felizmente, publicados há alguns anos por investigadores belgas, infelizmente em circulação confidencial. Foi deles que tive [Nota do Blog Primeiro Discípulo: Leia-se Pierre Noel, o autor do texto que trazemos a vocês aqui] a sorte de dispor para o que se segue.


As primeiras treze sessões foram reservadas a discussões sobre problemas administrativos, a verificação de poderes dos delegados e sobretudo ao espinhoso assunto da filiação templária e dos verdadeiros fins da Ordem. Não podemos deixar de pensar nisso, uma vez que o objeto deste trabalho se limita aos graus simbólicos e necessariamente aos Códigos que deviam determinar a sua prática.


2 - O Preparo dos Rituais Simbólicos.


Após a décima quarta sessão (3 de agosto), foi criado um comitê encarregado de preparar os cadernos dos diferentes graus e submetê-los à aprovação dos delegados. Composto por: Charles de Hesse (que aos olhos de Willermoz era um erudito); o Cavaleiro Savaron, Hospitaleiro Geral da Província; Sebastien Giraud, Chanceler do Grande Priorado da Itália; o austríaco Euber Bodecker; o barão de Turckheim, Grão Mestre Provincial da Borgonha; Chretien de Heine, do ducado de Schlesvig e Willermoz. Esse comitê recebeu “os rituais aprovados pelo Convento de Lyon, os graus suecos e os da Grande Loja de Berlim (Grosse Landesloge), os rituais dos quatro graus interiores da VII Província e um ritual dos irmãos Clerici, igualmente da VII Província”.


Onze dias mais tarde, em 14 de agosto, Charles de Hesse anuncia ao Convento reunido em sua décima quinta sessão, que depois de haver comparado os antigos rituais com os rituais trazidos ao Convento de Galias, havia encarregado a Willermoz a redação do Primeiro Grau. Este último dá leitura a um projeto que intitula “Ritual de Aprendiz dos Cavaleiros franco Maçons”, titulo que provocou uma acalorada discussão, posto que o Convento havia resolvido em sua décima terceira sessão, renunciar à filiação templária, não sem sustentar que existia uma relação entre a Ordem do Templo e a dos maçons.


Finalmente resolveu-se não utilizar o título sugerido por Willermoz, reconhecendo porém que as lojas de Viena e de Berlim tinham o direito de conservá-lo caso desejassem. O ritual foi então aprovado por quinze votos a três depois que algumas correções foram feitas (que não afetavam pouca coisa).


Logo após a décima sexta sessão (15 de Agosto), Jean de Turckheim, Chanceler da Quinta Província e amigo de longa data de Willermoz, apresenta a “Regra Para Uso das Lojas Reunidas e Retificadas” que tinha preparado, declarando que a tinha concebido sob a forma de uma oração ou prescrição. Uma versão anterior já tinha sido feita, “muito estendida e muito carregada de ornamentações”, assim concentrou-se dessa vez no essencial tornando essa versão mais curta e simples. As duas foram levadas a assembleia, ambas com nove artigos; a versão curta era a que deveria ser lida ao impetrante durante sua iniciação enquanto a outra se reservava a estudos posteriores.


Ao final da décima sétima sessão Willermoz apresenta a leitura do catecismo e da instrução final de Aprendiz, bastante aumentada em relação ao rascunho apresentado em Lyon. Daqui surge um debate nada ameno a respeito da constituição ternária do homem (Corpo-Alma-Espírito) que os Lioneses desejavam que fosse um “segredo” ou “mistério” da Ordem ilustrado pelos três golpes de malhete que recebia o recipiendário durante sua consagração (3).


Um delegado alemão, von Kortum, desejava destacar que a tríplice natureza do homem, ainda que ensinada "por muitos dos antigos doutores da Igreja", não era mais que especulação filosófica e que, para um cristão, bastava saber que "sua alma separada do corpo era imortal". Willermoz respondeu que essa doutrina estava conforme a Santa Escritura e era citada por São Paulo de forma explícita: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1. Ts. 5:23). Não obstante essa oposição, o Convento decide que a instrução deveria ser aprovada “salva retificatione” (sob reserva de ratificação).


A vigésima primeira sessão (21 de agosto) foi consagrada ao grau de Mestre Escocês. Alguns desejavam que o grau fosse extinto, outros que se tornasse o primeiro grau da Ordem Interior. A opinião de Willermoz era a de que o grau deveria constituir uma “classe intermediária”, separando os graus azuis dos da Ordem Interior; Charles de Hesse acrescenta que a maçonaria, por suas três classes, deveria representar o ternário fundamental: A primeira classe representaria a Antiga Lei, a terceira classe representaria a Nova Lei e a segunda classe seria uma etapa intermediária composta de um ou mais graus.


Chefdebien, delegado da Terceira Província (Occitania), adversário declarado de Willermoz desde que esse lhe negara acesso a Grande Profissão, declara não haver necessidade de uma classe intermediária dado que “O Novo Testamento começa no ponto exato onde termina o Antigo Testamento”. Finalmente ficou resolvido que o quarto grau seria considerado como “simbólico” e formaria uma classe intermediária entre a maçonaria e a Ordem Interior, sendo seu objeto essencial a ressurreição de Hiram e a reconstrução do Templo. Na mesma sessão deu-se a leitura da "Ata de Renúncia a Filiação Templária", anexada aos protocolos do Convento sob o número 147.


No curso da vigésima segunda sessão (22 de agosto), debateu-se a questão dos “símbolos” dos graus (que muitos queriam substituir por aqueles utilizados pela maçonaria habitual); a coluna quebrada e o barco desarmado apareciam como alusão demasiado evidente da Ordem do Templo. Passou-se a outro assunto e Willermoz pode apresentar a leitura do Ritual de Companheiro proposto pela comissão de ritos, que foi adotado sem dificuldades.


A vigésima terceira sessão (23 de agosto) tratou da definição do número necessário de oficiais em uma loja. Sete eram essenciais (Venerável, Vigilantes, Orador, Secretário, Tesoureiro e Elemosinário), dois era facultativos (Mestre de Cerimônias e Ecônomo). Mais importante foi a decisão de fixar a idade de 21 anos como idade mínima para ser recepcionado a Ordem, “preferencialmente provada por certificado de batismo”. Esta exigência nova não foi ditada, devo dizer, por um afã de ortodoxia religiosa ( ainda que os delegados não pudessem sequer imaginar que um não cristão fosse iniciado a Ordem) mas sim pela vontade de assegurar a idade do candidato pelo único documento da época, que podia prová-la.


O projeto do ritual do terceiro grau foi apresentado, sempre por Willermoz, durante a vigésima quinta sessão (25 de agosto). Adotaram-se três pontos em particular: Os três golpes recebidos pelo recipiendário seriam na testa, no coração e no abdômen (Curiosamente, Willermoz não dá conta dessa decisão em suas revisões finais).


A antiga palavra de Mestre, Jehovah, já não seria ensinada ao novo Mestre, apenas sua primeira e última letra (J) e (A).


O número de lágrimas sobre o quadro seria indefinido (Willermoz propôs 27 no grau de Mestre e 81 no de Escocês).


Para vigésima sexta sessão (26 de agosto), o Convento, sob proposta de Willermoz, considera oportuno introduzir uma oração de abertura e de encerramento da loja, “a exemplo do que se fazia na Alemanha”. Depois da leitura do catecismo do terceiro grau, os delegados se pronunciaram acerca do conjunto dos três graus. Após uma última súplica de Charles de Hesse, os rituais foram adotados, sob reserva de ratificação posterior pelas lojas do Regime, dando-se as Províncias até o final de 1783 para outorgar seu acordo final (o que jamais ocorreu).


No dia seguinte, 27 de agosto, deu-se uma recepção ao grau de Aprendiz, segundo o novo ritual, de Landgrave de Hesse-Hamburg. O Duque de Brunswick abriu os trabalhos que foram presididos por Charles de Hesse; Willermoz atuou na recepção como Preparador.


Na sessão do dia 28 de agosto Willermoz apresentou o rascunho de um projeto para servir de base ao “Ritual do quarto Grau”, o que deu origem a uma discussão acirrada.


Eis seu conteúdo:


“O Irmão ab Eremo apresentou o primeiro esboço do novo escocismo; O Quarto Grau de nossa Maçonaria retificada: sobre a qual se fazem várias observações. Solicitou-se a abolição da forca e da corda ao pescoço para os recipiendários: isso foi acordado por maioria. O Em.G.M.G. (Brunswick) e o Ser. Irmão Aleone Ressurgente (Charles de Hesse protestaram contra a abolição da corda ao pescoço [...] O Deputado da Prefeitura de Nancy, solicitou a conservação de dois dos quadros do escocismo do Convento de Gálias, especialmente o do mestre Hiram saindo do túmulo e do altar com o fogo sagrado; observou-se que os novos símbolos apresentados no esboço eram conhecidos de muito tempo atrás pela maçonaria na França, e que tinham sido abandonados. O Irmão ab Lillio Convallium acredita que nossos maçons não estão ainda preparados para um escocismo tão sublime e religioso e acrescenta que recordava do quadro do escocismo que vinte anos antes estava dividido em três partes: A inferior contendo alguns símbolos e instrumentos maçônicos, a do meio contendo o Candelabro de 7 braços, altar dos perfumes, tábuas dos pães de proposição, a arca da aliança e as colunas do templo quebradas; e a última parte, superior, contendo o Monte Sião e o Cordeiro Celeste. O Irmão ab Eremo desejaria que se adotasse o tapete conforme o indicado pelo Irmão ab Lillio Convallium, adicionando ao Mestre Hiram ressuscitado e o Fogo Sagrado. O Ser. Irmão M. Prov (Charles de Hesse) concorda com as ideias do Irmão ab Eremo e concorda em fazer a redação com esses princípios.”


Uma conclusão aqui se impõe: coube a Willermoz a tarefa de redigir a versão definitiva do Quarto Grau.


3 - O Código


A 3 de agosto, logo após a décima quarta sessão, foi designado um Comitê que deveria ocupar-se de “tudo o que se refere ao Código e a redação das leis como Regra, Matricula, Código de Regulamentos das Lojas e da Ordem Interior”. Compunha-se por quatorze membros, dos quais quatro eram franceses (Virieu e Jean de Türckeim, aliados de Willermoz ; Chappes de la Henrierie e Chedebien, visceralmente opostos ao lionês). Diferentes documentos foram submetidos a apreciação desse comitê, dos quais os códigos de Lyon eram apenas uma parte (ao lado dos regulamentos da Grosse landesloge de Berlim, as leis e estatutos suecos e os Códigos do Grande Oriente da Holanda e outros).


Virieu encarregou-se da leitura dos primeiros trabalhos do comitê na décima sexta sessão (15 de agosto). Tratava-se apenas de uma introdução aos princípios que deviam presidir à redação do Código Geral, que não pôde ser concluído por falta de tempo.


Depois da leitura de diversos relatórios, sempre parciais, o Grão-Mestre chegou a constatação de que o Código não poderia ser elaborado no decorrer do Convento. Após a vigésima oitava sessão (28 de agosto) o Grão-Mestre delega a Virieu, Jean de Türckheim, Kortum e von Knigge a tarefa de produzir uma redação posterior. No dia seguinte, por sugestão de Virieu, propõe que esses quatro irmãos preparem, individualmente, um projeto do código e o enviem. A redação final seria tomada a partir dessas apresentações.


Esse projeto nunca se materializou e nenhum dos irmãos presentes cumpriu a tarefa que lhes foi confiada. O Convento terminou como “um projeto sem futuro”, um “fracasso” (que influenciou no entanto a rápida dissolução da estrita Observância no curso de alguns anos depois de Wilhemsbad). Saliente-se, em todo o caso, que os códigos estabelecidos em Lyon não foram ratificados pelo Convento geral, como dizem alguns.(4)


Fim da Terceira Parte


Notas:


1 - Dentre elas destacamos: A dúvida crescente em relação a uma filiação templária; a descrença na existência dos chamados “Superiores Desconhecidos”; a descoberta de que a afirmação de von Hund de ter recebido sua iniciação pelas próprias mãos de Charles Edward Stuart era um engodo sustentando por eles e seus aliados mais próximos.


2 - Esse cativante personagem, parente do rei da Dinamarca, procurou seu caminho através da iluminação mística em todas as sociedades secretas de seu tempo. Disposto a todos os excessos (em um tempo acreditou estar em comunicação direta com o Cristo), declarou depois da última sessão do convento, que o fim da Maçonaria era “ a busca de Deus, Jehovah”.


3 - A composição ternária do homem era um dos pontos nos quais estavam de acordo todos os ocultistas do século XVIII. A cerimônia de abertura de um templo Cohen, por exemplo, começava pelo seguinte diálogo:


“O sob: M. pergunta ao Condutor-chefe do Oriente e do Ocidente: Qual é o motivo de se encontrarem neste lugar?

O Comendador do Oriente responde: Pod. M., é o desejo ardente que temos de recuperar aquilo que perdemos.

P. E o que foi perdido?

R. O conhecimento do corpo, da alma e do espírito; e de tudo isso que está contido no macro e no microcosmo.

P. Por que vos encontrais assim sem conhecimento?

R. Pela prevaricação de nossos primeiros pais, a qual nos tem afundado nas espantosas trevas”.


4 - É necessário ressaltar que pouco tempo após o término deste Convento explodiu a Revolução Francesa, que tornou perigosa a circulação de pessoas na Europa e inviabilizou a correspondência na França. A nobreza francesa, em particular, foi condenada a guilhotina; assim como qualquer um que fosse considerado 'inimigo da Revolução'.  Jean Jacques François Millanois, colaborador de Willermoz, foi condenado à morte e executado na Place des Terreaux em Lyon, na data  5 de dezembro de 1793. Sendo este o principal motivo da não continuação dos planos do Convento, em outro post deste blog já tratamos deste assunto.


I.C.J.M.S


Que Nossa Ordem Prospere !!!




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