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LIBERTATEM LAPIS

Da Recepção de Jean Baptiste Willermoz ao RER

Atualizado: 16 de out. de 2020


Irmãos, o relato a seguir tem como objetivo trazer luz ao personagem central do Rito Escocês Retificado: Jean Baptiste Willermoz. Tendo sido um dos maçons mais influentes de sua época, e mais do que isso, participante ativo da vida de sua cidade e de sua organização, colocou-se sempre a serviço da religião e da beneficência (tornando-se em si mesmo exemplo desses termos). Conhecer a origem, a família e o início de sua jornada maçônica nos auxiliará a entender as influências filosóficas e morais que o tornaram o grande maestro da construção do Regime. Desde muito cedo, Willermoz (alguns documentos da família trazem a grafia Vuillermoz indicando uma origem espanhola) enfrentou várias vicissitudes, haviam migrado para a cidade de Saint-Claude na França muito antes dele ter nascido, permanecendo sempre ligada a vida árdua e humilde.


Com o passar do tempo seu pai, o mascate Claude Catherin Willermoz, decide emigrar para Lyon em busca de fortuna. Capital da seda desde o século XVI, por decreto do rei François I, Lyon era um verdadeiro centro de “efervescência intelectual e econômica”, o que certamente possibilitou o desenvolvimento do caráter de Jean Baptiste: Obstinado buscador do sagrado e do secreto, revelando-se, cordial para com as pessoas e talentoso negociante.


Willermoz fora educado entre mercadores e artesãos cujas casas antigas e negras se apertavam em um labirinto de ruas ao redor da Igreja de Saint Nizier, coração da cidade, local onde eram celebradas todas as festas religiosas e os acontecimentos municipais. Fascinado pelo ambiente de formação intelectual que Lyon oferecia, desprezava todo e qualquer estudo que realmente não lhe interessasse profundamente. Por ser o primogênito, entre os homens, de uma família numerosa, aos doze anos saiu do colégio para trabalhar com o pai, tendo pouco tempo de instrução com seus professores. No meio austero da pequena burguesia comercial, sob a influência de parentes paroquianos, tinha muito orgulhoso de ter um irmão sacerdote e vigário de Saint Nizier, sobretudo preocupado com “o futuro moral e material de sua família” (3). Jean Baptiste Willermoz adotou muito cedo hábitos austeros de ordem e trabalho e um profundo afeto pelas práticas da religião católica.


Aos 15 anos, em 15 de Fevereiro de 1745, Willermoz é entregue como aprendiz a Antoine Bagnion, conhecido comerciante local de sedas, para quem começa a trabalhar tendo como recompensa unicamente abrigo, alimentação e a promessa de ser instruído sobre o comércio de sedas. Passados apenas dois anos, já dominava a arte de seu ofício, a ponto de ser contratado pela casa Liotard, Manechalle & Companhia de vendedores e mestres fabricantes (1) e tal foi o avanço na área que em 1754 já estava instalado por conta própria em um prédio “no passeio que atravessava a Rua da Árvore Seca à Rua Baixa da Prata” (2).


É de impressionar, em um primeiro momento, que um pequeno comerciante que se tornou fabricante e comissário de seda em meio à multidão de seus concidadãos, não tenha se distinguido por sua importância industrial ou ação social, mas sim por sua aplicação pessoal no esforço de adquirir conhecimentos das doutrinas ocultas e, mais especificamente, por ter alcançado importantíssimo papel na maçonaria de sua época.


Recebido na maçonaria no ano de 1750, aos 20 vinte anos (4), não se sabe o nome de sua loja mãe, em que sua iniciação ocorreu. Segundo documentos da Grande Loja inglesa de 1739 na cidade de Lyon existia apenas a Loja “Sectarios” (5). Uma carta evocando a iniciação de Willermoz na Arte Real se perdeu. Outra referência é que no mesmo ano Casanova também recebera a iniciação maçônica em Lyon, mas nem ele ou Willermoz revelaram o nome de suas lojas mães. Em outro arquivo da Grande Loja Escocesa de Marselha (6) consta que na cidade de Lyon em 1744, existiam pelo menos três lojas maçônicas: “A Amizade”, “Perfeita Amizade” e “Os Amigos Escolhidos”. Curiosamente, essas lojas não são citadas na ata da assembleia da Grande Loja francesa realizada em seis de novembro de 1744 (7). Isto não quer dizer que estas e outras lojas na França não existissem, pois foi após 1750 que a maçonaria francesa se uniu (8).


No entanto, se não sabemos em que Loja nosso irmão deu seus primeiros passos, podemos afirmar que foram rápidos. Evocando todas as anotações, das fontes já citadas, Willermoz relata que foi “Vestido com todos os cordões e de todas as cores possíveis”. Entretanto, escreve com certo desdém da Loja e dos tempos em que lá viveu e de lá se desprendeu, pois estava desgostoso com a frivolidade e a indisciplina que reinavam na maçonaria. Ressalta que sem a amizade e o cuidado particular demonstrado pelo Venerável Mestre de sua Loja para com ele, teria saído antes. Isso se confirma, pois ao escrever sobre a experiência de sua Iniciação, 50 anos mais tarde, descreve a decepção que lhe causou.


Como a maioria dos candidatos à iniciação naquela época, tal qual nos dias atuais, Willermoz fora atraído pela reputação da sociedade maçônica, que estava em voga. Secreta por definição, a fraternidade contava entre seus membros com nobres e membros da alta burguesia, convivendo em perfeita igualdade (sonho que permeava a mente europeia na ocasião), coisa que diante de uma sociedade com diversas barreiras impostas por meio de uma forte hierarquização, mesmo no século XVIII, dava a um comerciante uma perspectiva inimaginável sob qualquer outro contexto. Todavia, a possibilidade de estar perto de gente influente ou poder ter acesso a círculos socialmente restritos, não era de forma alguma o mote central de Jean-Baptiste Willermoz, um motivo muito maior o guiava: “O prestígio do segredo maçônico”. O silêncio que toda a instituição guardava sobre o tema de suas ocupações parecia esconder um depósito de conhecimentos importantes, e por isso mesmo extremamente desejável.


Qual era, em realidade, a ciência que os maçons protegiam com tanta descrição? Como era apresentada ao jovem de Lyon?


Sobre sua loja não é possível saber com certeza em quantos graus trabalhava. Podemos, no entanto supor que já seguia os três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre, tal qual existente nas outras Lojas do reino que se identificavam mais a maçonaria da Inglaterra do que com a Francesa.


Naquela época, os primeiros rituais instruíam Aprendizes e Companheiros a respeito da Lenda do Templo de Salomão, sobre a herança sucessória dos construtores deste magnífico edifício que fora erguido sob a cuidadosa orientação do mestre Hiram, em honra a Deus, O Grande Arquiteto do Universo. Já os Mestres, encontravam-se na Câmara do Meio onde desenvolviam essa lenda, tornando-a cada vez mais dramatizada, como descrevem os rituais da época (9). Para tal, se utilizavam um de um jogo de palavras embaralhadas e às vezes descabidas; tapetes, decorações e ornamentos luxuosos que, em um primeiro momento, poderiam até impactar ao neófito, mas esse, à medida que avançava, acabava por esfriar o seu interesse.


Joseph de Maistre expressou de forma muito coerente essa desilusão que ele próprio experimentou: “É possível que não exista um maçom capaz de reflexão, que não tenha se perguntado uma hora após a sua recepção – Qual é a origem de tudo isto que vi? De onde procedem todas estas cerimônias estranhas, este aparato, estas palavras grandiosas, etc.?” Mesmo após um período passado na Ordem ele prossegue: “Qual é a origem de todos estes mistérios que não cobrem nada e destes tipos que não representam nada? Porque homens de tantos países se reúnem (há vários séculos) para se enfileirar em filas e mais filas, jurar não revelar um segredo que não existe levar a mão de um ombro ao outro para poder se sentar a mesa? Não lhes parece extravagante, comer e beber em excesso, sem falar de Hiram, do Templo de Salomão, da estrela flamejante, etc., etc., etc.? Estas perguntas são naturais e sensatas. Desgraçadamente não se vê que a história ou mesmo a tradição oral se digna em responder (10)”.


Tomando o sentido simbólico da construção do Templo na qual o maçom deve colaborar, ficava claro que a sociedade se comprometia, por meio de seus membros, a trabalhar no aperfeiçoamento pessoal e o da sociedade em que viviam. Mas sendo esse o sentido, qual a necessidade de tanto mistério? Era realmente preciso guardar segredos para colocar em prática virtudes humanitárias? Não, não podia ser somente isso. Fazia falta relembrar a sociedade maçônica da época que, antes de tudo, ela era guardiã da ideia cristã de que todos os homens são iguais, por terem sido redimidos no Sangue de Cristo (pensamento central da sociedade medieval da qual a maçonaria provinha). Assim, os ideais franceses de igualdade, fraternidade e liberdade não eram oriundos de conceitos nascidos em Lojas Maçônicas, embora nelas discutidos, mas do próprio corpo de ensinamentos deixados a nós pelos cristãos do primeiro séculos, aperfeiçoados por pensadores e filósofos que os precederam (11).


Esses personagens perceberam que seria algo totalmente sem sentido o ideário maçônico compor-se por uma busca de pressuposta igualdade exercida apenas às portas fechadas ou o entregar-se a banquetes cujo resultado era, no máximo, o exercício da oratória (nem sempre com resultado satisfatório). Se fosse esse o sentido, não existiria a necessidade de juramentos, discrição absoluta sobre os ensinamentos, cerimônias pomposas dedicadas à narrativa de velhas lendas, etc. Tais posturas da maçonaria na época só serviam para afastar valorosos irmãos; pois descobriam que o mistério era tratado apenas como um mito, preferiam voltar a suas vidas fora da fraternidade.


Willermoz nunca seguiu tal caminho. Nunca se entregou a futilidade comum a tantos irmãos maçons (salvo exceções) dessa época tanto em Lyon como no restante da Europa. Ele sabia que o Oriente onde o Templo fora erguido por Salomão conservava tradições muito antigas, sabia também que o ideal maçônico era participe dessa antiguidade. Preservar a recordação de Hiram, buscar o verdadeiro segredo: o sentido da Palavra Perdida transmitida somente aos mais dignos, através dos tempos… esse tinha que ser o sentido verdadeiro da atividade maçônica.


Mas, para os maçons do século XVIII essa busca era difícil, pois o uso do Templo e da maçonaria haviam se apartado de sua origem primitiva: arbitrar em uma associação de construtores de ofício, os segredos e mistérios dos métodos de construção da nova Obra, o verdadeiro templo de Deus, que foi reservado aos companheiros no canteiro de obras do templo de Salomão. Procurar entre os homens aqueles que ainda poderiam ser realmente instruídos e conduzidos a realização dessa Grande Obra.


Como podemos constatar nas fontes, nosso mestre do passado enfrentou as mesmas dificuldades que ainda hoje os maçons experimentam. Há muito o que se tratar sobre o assunto. Documentos, cartas e trabalhos de outros irmãos o abordaram ... Continuaremos este post em uma segunda parte para não torná-lo longo ou enfadonho.





(1) Biblioteca Municipal de Lyon, MS 5525, peças 2 e 6, contratos de JBW como aprendiz.


(2) É o assunto da maioria das cartas dele entre 1754 e 1772.


(3) Claude Catherin Willermoz teve 13 filhos, a mais velha era Catherine Therese, que se tornou conhecida como Madame Provençal (1729-1810), JBW era o primogênito entre os homens. Seus dois irmãos eram Pierre Jacques (1735-1799) e Antoine (1741-1793). “Noticias sobre Willermoz”, Lyon, 1824. Louis de Combes, “Os Iluminados martinistas de Lyon”, 1906.


(4) Carta de JBW a “Triple Union” de Marselha; BML, MS 5456.


(5) “O livro da muito ilustre e muito nobre da sociedade dos maçons livres”, pequeno opúsculo anônimo, sem data ou origem, que descreve Lyon como tendo três lojas na data de 1739.


(6) “A Franco Maçonaria na França”, G. Bord, Paris, 1908.


(7) "Lista antiga e nova dos Mestres das Lojas regulares da cidade de Paris e do reino da França", das quais o Grão Mestre é o muito ilustre Conde de Clermont de 1762. Este pequeno manuscrito contém uma lista de 1744 e outra 1762. Em 1744 existiam em Paris 20 Lojas regulares e nas províncias 24.


(8) Sobre a maçonaria lyonesa o livro “Efemérides das Lojas maçônicas de Lyon”; E. Vacheron, 1875. Esta obra serve de guia a todas as obras sobre esta questão; J. Bricaud “A Franco Maçonaria lyonesa”. “A vida intelectual em Lyon no século XVIII”; P. Grosclaude, Paris, 1933.


(9) Biblioteca Municipal de Lyon, MS 5457.


(10) Joseph de Maistre “A franco maçonaria, memórias ao duque de Brunswick”. E. Dermenghem 1924.


(11) “Los más secretos mistérios de los Altos Grados”, Rene Le Forestier, Paris 1916.


I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere!!!

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