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Desilusões de Jean Baptiste Willermoz - Parte 1

Atualizado: 4 de jul. de 2021

Esse é um extrato do Capítulo V do livro “Un Místico Lyonés y los secretos de la Francmasonería, Jean Baptiste Willermoz (1730-1824)”, de Alice Joly.


Nele o autor discorre sobre assuntos como as desafeições de Willermoz e o seu descontentamento com a Estrita Observância Templária, uma certa inimizade com Louis-Claude de Saint-Martin, com o Templo dos Filósofos Élus Cohen lyoneses de 1.774 a 1.778, o desenvolvimento da doutrina de Pasqually, a decadência da Ordem Cohen, os sucessos mundanos do Filósofo Desconhecido na sociedade parisiense e encerra com uma meditação sobre uma reforma pessoal da maçonaria por Jean-Baptiste Willermoz.


Nessa primeira parte trataremos da Estrita Observância Alemã e um pouco sobre a "inimizade" entre Willermoz e Saint-Martin.


A Desafecção de Jean-Baptiste Willermoz Pela Estrita Observância Templária e Pelo Templo dos FIlósofos Elus Cohen de Lyon

Alice Joly


Às vésperas da reunião dos Diretórios Escoceses do Convento nacional, pomposamente denominado Convento das Gálias, J.B. Willermoz já se encontrava enojado com a Estrita Observância Templária (1).


O seu desinteresse, caso decidamos acreditar em sua versão, por uma causa puramente espiritual, se originou muito cedo, pode dizer-se, desde sempre. Datou do seu primeiro contato com o Barão Weiler. O lionês "despenca das alturas" ao constatar que seu instrutor, com o tempo, se tornava impaciente simplesmente por “nada saber das coisas essenciais”, além de parecer não estar disposto a instruí-lo; longe de apresentar um tesouro de conhecimento, se apresentava de mãos vazias. Ao analisar a história da Ordem Alemã e esquadrinhá-la, Willermoz descobrira que os Clérigos de Stark - que gabavam-se de sua ciência oculta e de conhecedores de mistérios e segredos - não tinham “base nenhuma, nenhuma prova” do que afirmavam, não tendo mais a oferecer que novas razões para o desânimo.


Uma total desilusão apossou-se dele, pondo fim a todas as expectativas que nutrira, até então, no regime que tão diligentemente havia adotado para si. Mas teriam sido, todas essas expectativas, espirituais? Aqui pegamos o nosso amado lionês em delito flagrante, um delito não calçado em mentiras mas orquestrado em uma organizada teia de fatos para lá de óbvios. Se o Barão Weiler o tinha decepcionado, desde Julho de 1774, a ponto dele não mais nutrir esperanças de que a ordem tivesse algo a lhe transmitir ou lhe fosse espiritualmente útil em algum momento (estamos falando de um homem cujo mote central da existência foi a busca espiritual) então por qual razão ele continuou a segui-lo?, e por qual motivo, empregara uma considerável quantia em dinheiro e grande parte de seu tempo, a fim de estabelecer na França uma nova ordem maçônica desprovida de sentido?


Acontece que algumas questões ditas materiais eram, sim, muito relevantes para Willermoz, ainda que ele não reconhecesse publicamente o valor das mesmas. É fato inquestionável que Willermoz procurava na maçonaria os raros e misteriosos segredos, os quais estava convencido que ela era depositária, mas com isso pretendia também estender a sua influência e, a portas fechadas, tornar-se alguém mais importante do que era até então. Ele estava perseguindo não apenas uma via de realização espiritual mas também de realização pessoal (no campo material). E é por isso que a decepção que o Irmão Spica Aurea lhe tinha causado no plano intelectual não fora suficiente para minar o seu zelo, pois acreditava que a ordem templária da Alemanha era uma sociedade, ordeira e poderosa, a qual valia a pena se unir.


Em 1775, ainda que hesitante, Willermoz estava tão apaixonado por sua nova filiação maçônica que estava por fazer de inimigo, um grande amigo seu, seu professor em ciências ocultas e irmão na Ordem dos Elus Cohens: Louis Claude de Saint-Martin (2).


Tendo vivido na casa de Willermoz, partilhado da mesma fé mística e colaborado com ele para a construção do círculo de discípulos Cohens, Saint-Martin não ignorava as relações com a Estrita Observância Templária. Chegara inclusive a enviar seu nome em petição no ano de 1773 para a instalação da Estrita Observância em Lyon - ainda que não tenha sido contado entre seus membros - mas no ano de 1774, enquanto o Conselho de Administração de Auvergne estava próximo a instalar-se, Louis Claude de Saint-Martin deixa Lyon com a desculpa de acompanhar o jovem Antoine Willermoz que estava de partida para a Itália em viagem de negócios. Durante sua ausência escreveu três afetuosas cartas a Willermoz (3) repletas de termos carinhosos para com “a pequena mãe” e para com os queridos irmãos de Lyon; todavia não fazia qualquer alusão a experiência da maçonaria alemã que naquele momento constituía a principal ocupação de seus amigos.


Ao contrário do que alguns querem afirmar, a motivação de Saint-Martin não está ligada aqui ao rigor da discrição mas trata-se de uma omissão voluntária, uma vez que ele não se furta na correspondência a aludir à questões Cohen (que exigiria tanto silêncio quanto as da ordem alemã), narrando inclusive novidades que havia aprendido de Don Martinez (?) em visão estranha de "pancadas e sensações” (sic) que o impressionaram em Coni, numa tarde em que ele tinha ido visitar Antoine; que estava doente, no seu quarto, enquanto ele se apoiava nos pés de sua cama (3).


Saint-Martin era um homem atencioso e naturalmente inclinado a ser bom, tanta reserva de sua parte sobre o assunto “Estrita Observância Templária” sugere uma preocupação de não comprometer-se, evitando assim desaprovação pela outra parte.


O mês de Julho de 1775 assiste os dois amigos separarem-se um do outro, quase que como em uma ruptura definitiva. Saint-Martin deixa Lyon, renunciando as vantagens inestimáveis oferecidas a um homem sem fortuna, sem posição e quase em desacordo com a sua própria família (sic). Ruma então para Paris onde ficou na companhia de Perisse Duluc, e após nove dias de reflexão, responde a uma carta de pesadas críticas (5).


Não se trata aqui de uma simples diferença de opinião sobre o método de propaganda que se adequava à sua doutrina secreta, que causou a tempestade, e que mereceu a oposição de Saint-Martin, ainda que isso trouxesse risco a amizade de ambos. “O objeto em questão” é, como nos diz o antigo oficial do Regimento de Foix, difícil de conciliar-se com suas íntimas convicções, sendo aliás pouco conhecido por ele. E, se era por ele pouco conhecido, certamente não tem qualquer relação a fé em comum que mantinham: "Tendes um belo jogo contra mim", escreve ele, "que só vos atormentará, e que prejudica tanto o meu espírito como o vosso[...]”. É evidente que, para Saint-Martin, “o fato em questão” é o interesse apresentado por Willermoz pela organização e fundação de uma Loja da Estrita Observância em Lyon.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Caso o leitor não tenha ainda percebido Willermoz desejava utilizar-se do prestígio alcançado dentro da EOT para inserir-lhe a Doutrina de Pasqually a fim de veiculá-la (ainda que com correções) por meio desta. Parece que Saint-Martin não estava bem certo da eficácia de tal intenção ou mesmo, quem sabe, da lisura da mesma. O fato é que a história sugere que ele preferiu abster-se e tomar outro rumo à corroborar com as ambições (tomem aqui no bom ou no mau sentido como queiram) de nosso amado comerciante de sedas.]


"O silêncio é, com todo o respeito, a opção que me convém; todavia, ao condenar-me sobre este assunto; obrigaste-me a quebrá-lo [...]”. Esta frase é a chave para todo o debate. Willermoz insistiu tanto para que seu amigo se juntasse aos diretórios de Lyon, não se contentando com uma simples “aceitação” puramente cordial deste mas tentando envolvê-lo diretamente nas questões (e consequentemente em seu projeto) que Saint-Martin não teria visto outra saída a não ser “atacar”, fazendo seu amigo ver que as suas novas ocupações maçônicas só poderiam culminar no prejuízo do progresso espiritual e do avanço dos Cohens; nas críticas de Willermoz, Saint-Martin tinha visto apenas “exigência e obstinação” crendo então que o amigo não estava levando em conta que "a verdade é persuadida, jamais imposta".


No entanto, afastado de Lyon e tendo tempo para refletir melhor e julgar a questão com mais calma, Saint-Martin determina-se a não mais se enfurecer; pelo contrário, tenta acalmar a irritação de seu amigo dando a esse o conselho de "nunca perder os caminhos da caridade e da doçura". Para ele, cada desacordo com seu amado irmão parece ser uma vitória dos espíritos maus, empenhado em perverter os “menores espirituais”. Por tal razão, ele recolhe-se a sua humildade, não hesitando em sacrificar algumas das suas ideias sobre o essencial do debate. Ele deseja apaziguar esse processo de disputa, todavia mantendo-se fiel ao que acha correto. Tudo o que pode prometer é calar-se e não constituir problemas para Willermoz com suas objeções. Sacrifica assim, voluntariamente, sua auto-estima em nome da tranquilidade de seu amigo, mas na condição de que esse lhe faça o mesmo favor: "Se a vossa paz me for querida, é muito natural” - escreve ele - “que a minha também o seja, e que eu procure todos os meios para preservar aquilo que me foi dado, e que tenho a certeza irei apreciar quando puder prosseguir em liberdade".


Os meios são muito simples e ele já os encontrou. Deixará a casa de Willermoz, sob o pretexto de estudar química com um certo M. Privat, que vive em lugar remoto. O apartamento onde passa a habitar lembra de tal forma as suas desilusões que, durante meses, o desejo de escapar à influência opressiva de J.B. Willermoz ocupa o seu espírito. Mudou-se então para uma "nova construção, localizada no alto e do lado esquerdo, antes da ponte que dá ao Gourguillon" (6), onde estaria separado dos alojamentos centrais. A vizinhança era pacífica, muito lisonjeira para os amantes da solidão. Sem dúvida, Saint-Martin já teria diversas vezes “caminhado em seus pensamentos” sobre as colinas de Saint-Just e Fourviere, onde a vista estende-se quando o tempo esta claro sobre a cidade e a planície do Delfinado, até os picos longínquos dos Alpes. Foi isso que fez o seu amigo pedir um quarto e uma loja de física, embora não fosse a física comum que lhe interessava, e na realidade apenas Willermoz poderia ter dito se o local preenchia totalmente, ou apenas parcialmente, as condições necessárias para praticar a misteriosa ciência de Pasqually.


Com esse afastamento, Saint-Martin busca preservar o “tesouro comum”: a amizade, a confiança e a fé que partilha com Willermoz. Preservando também o bem dos outros irmãos Cohen que não serão escandalizados a medida que ignoram os desacordos de seus mestres. Da mesma forma, passa a buscar o bem supremo, a liberdade que desejou como condição para “não perder nada de si”.


Todas as outras preocupações são secundárias. É por isso que Saint-Martin responde tão generosamente a qualquer direcionamento que lhe deem, desde que bem intencionado. Quando a questão é sua vida interior, não se trata de conveniência, reconhecimento, ou valor. Aceitou apenas as ordens que tinha recebido espiritualmente, quer através das suas premonições interiores, quer através do milagre dos "Passes" nos quais acreditava. Desta forma, ele pode facilmente dissociar-se dos outros, suportar as suas contradições e abster-se de os julgar, desde que não cruzassem seu caminho impedindo-o de seguir na via que conduz a Deus. A grandeza do bem que ele procura é a única desculpa que ele próprio invoca para este aparente egoísmo: "Eu procuro apenas o bem de todos, procurando o meu, pois há um ponto de união para todos os homens".


“Fiat Pax”, deseja Louis Claude de Saint-Martin no fim de sua longa carta - datada de 30 de Julho de 1775 - uma das mais interessante e reveladoras que já havia escrito. Não sabemos em que condições ficou a instalação projetada ou se o Filósofo-Desconhecido encontrou no seu refúgio solitário paz que desejava. O que sabemos é que não quebrou a regra de silêncio que abraçou, evitando misturar-se a “qualquer assunto”, crendo que o tempo viria em seu auxilio.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Percebe-se que Alice Joly tem Saint-Martin em altissima conta. De fato, a doçura com que o martinezista escreve e parece encarar as vicissitudes da vida é algo inspirador. Todavia não podemos nos deixar guiar por inspiração ou simpatia quando a percorrer as linhas da história. O fato é que as diferenças entre Willermoz e Saint-Martin se davam essencialmente nas questões de “institucionalizar ou não" as vias iniciáticas, não se tratando em tempo nenhum de superioridade moral ou espiritual de um sobre o outro. Observamos que essa postura de Saint-Martin que Alice Joly descreve (e que parece lhe emprestar uma “elevação espiritual” maior que a de seu irmão) aparenta não ter sido definitiva e em 16 de dezembro de 1789, Saint-Martin se dirige a Willermoz solicitando que “se sem estar na sociedade maçônica interior nem exterior, (estaria) não obstante apto para participar nas instruções secretas da iniciação, no caso de que (seus) passos se dirigissem até (sua) boa cidade”.


Willermoz nunca lhe respondeu, deixando claro para o Filósofo Desconhecido qual era sua posição ante a maçonaria (ele não fazia mais parte dela).


Em 4 de julho de 1790, escreveu Saint-Martin a Antoine Willermoz: “Informe também, por favor, ao Chefe maior que espero dele uma resposta que não precisa ser muito extensa, pois ao não haver recebido, posso presumir de antemão de que natureza seria, a qual posso apenas presumir, e que em consequência rogo apresentar e admitir minha demissão de meu posto na ordem interior e de amavelmente me apagar de todos os registros e listas maçônicas onde posso estar inscrito. Minhas ocupações não me permitem seguir esta carreira. Não o incomodarei mais por outras razões. Ele sabe bem que a eliminação de meu nome dos registros não o prejudicará em nada já que não lhe sou útil para nada. Também sabe que meu espírito jamais ha sido inscrito, pois somente pode estar vinculado com o ser que a figura”. “Nós estaremos sempre, assim o espero, como Cohens e o estaremos pela iniciação se, não obstante, minha demissão não for um obstáculo, porque então sacrificaria inclusive a iniciação, tendo em conta que todo o regime maçônico é para mim cada dia mais incompatível com minha forma de ser e a simplicidade de meu caminho. Não deixarei de respeitar até a morte a este querido irmão e posso assegurar que não terei más recordações dele em minha vida” - (Carta reproduzida em: Papus, l’illuminisme en France, 1771-1803, op. cit., p. 207-208.).


Assim terminou a passagem do Filósofo desconhecido pelo Regime Escocês Retificado.]


Notas:


1 - Ao menos é o que diz em uma carta escrita em 12 de outubro de 1781 ao príncipe Charles de Hesse, onde ele expõe os projetos e sentimentos que explicam sua conduta durante o Convento. Conhece-se essa carta, graças aos extratos e ao resumo que M. Le Forestier tornou públicos.

2 - M.J. Buche retratou a história dessas diferenças em um livro dedicado à escola mística de Lyon, embora estudando, acima de tudo, a próxima geração, a de Balanche. Descreveu com clareza a oposição dos dois amigos, embora pareça não ter percebido o verdadeiro motivo das questões que os dividiu. M.J. Buche, "La Escuela mística de Lyon", 1935, pp. 17-39.

3 - Publicadas por Papus. Saint-Martin, pp. 124-127.

4 - Papus, Saint-Martin, carta del 21 de octubre de 1.774, p. 127

5 - Papus, Saint-Martin, carta del 21 de julio de 1.775, pp. 127-136.

6 - Este Privot não foi identificado por M. Buche, que procurou nos almanaques de Lyon um médico ou professor que tivesse esse nome sem, no entanto, encontrar. É possível crer que o amigo de Saint-Martin não era um químico profissional. Encontramos em 1791, nas listas da "Sociedade Filantrópica", onde havia tantos Maçons, um M. Privat que vivia na Rue de Farges. Ou seja, exatamente nas proximidades do Novo Caminho, onde Saint-Martin estava à procura de se instalar. A casa que cobiçava é provavelmente a chamada "Pavillon", 53, Rue du Chemin Nouvelle. - Buche. Mystic School. p. 31.


I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere !!!

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