No desejo de crescer cada vez mais no conhecimento da Sã Doutrina que nossos Pais Fundadores nos legaram por meio do Regime Escocês Retificado, temos dividido nosso tempo (que, diga-se de passagem, é bem curto) não apenas dedicando-o ao mais profundo estudo que nossas limitações diversas nos permitem fazer, mas também ao ato, generoso, de partilhar os frutos colhidos nessa cansativa empreitada através do humilde trabalho que tentamos fazer neste blog.
Nosso trabalho tem como único objetivo ajudar aqueles irmãos que estão realmente dedicados a tentar compreender o Regime criado por Jean Baptiste Willermoz a discernir entre “os falsos caminhos” apresentados por aqueles que insistem em distorcer o rito com suas hermenêuticas pessoais (geralmente resultado de estudos em seitas esotéricas duvidosas ou mesmo pueris) e o modelo que o comerciante de sedas de Lyon nos legou .
Inspiramo-nos, sobretudo, no Apóstolo Paulo, que em sua carta aos Efésios, expressa o seu desejo de que, crescendo no conhecimento de Jesus Cristo, não sejamos desviados do caminho: “Assim, não seremos mais crianças, joguetes das ondas, agitados por todo vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e da sua astúcia que nos induz ao erro.” (cf. Ef 4,14).
Nos nossos dias, e talvez será assim até o dia em que o Reparador dos Mundos chame os irmãos retificados para a prestação de contas ante o Trono da Glória. Muitos desses “ventos de doutrina” seduzem os maçons imersos no sistema de Willermoz, com respostas que os impedem de compreender e seguir a verdadeira Via da Retificação traçada pelos nossos Pais Fundadores, com caminhos que parecem ser retos, quando, na verdade, nem caminhos são.
Se essas confusões doutrinárias ficassem unicamente restritas ao Regime Retificado já seria algo muito grave, mas seus dispensadores as expandem em direção ao cerne da própria filosofia cristã... e nós, como maçons cristãos, cremos ser nossa obrigação dispersa-las. Já fizemos isso, de forma breve, quanto a existência de um “cristianismo esotérico” e quanto a “transmissão de ensinamentos secretos de Nosso Senhor Jesus Cristo a Seus Apóstolos”. E agora mais uma vez vamos fazê-lo, abordando a questão de “antigas iniciações aos mistérios ocultos do cristianismo” que alguns sustentam que a Igreja oficial teria feito "questão de esconder"…
Bom, a primeira coisa que temos a fazer aqui é dizer que existe SIM uma iniciação cristã e que de oculta ou misteriosa ela nada tem. A iniciação cristã consiste em consagrar continuamente todo o ser do cristão na sequela de Jesus Cristo mediante o Batismo, a Crisma e a Eucaristia. O Batismo só se realiza plenamente por ocasião da morte real, que é passagem para a ressurreição pessoal, ressurreição que terá lugar quando todos os mortos ressuscitarem no fim dos tempos. Esta concepção não é inventada pelos homens. É transmitida e acolhida mediante a Revelação de Deus aos homens por Jesus Cristo, revelação da qual a Igreja Cristã tem o depósito fiel.
Acontece que, em nosso meio e às vezes para além dele, alguns irmãos ressentidos desta autoridade pertencente a cristandade e seu veículo natural sobre a terra (a Santa Igreja Cristã) tentam espalhar a ideia de que existiria, ou que teria existido, em algum tempo e segundo algumas formas sobre as quais não se expressam mais que de forma enigmática, uma iniciação a mistérios escondidos, ‘ocultos’, no próprio seio da religião cristã, mistérios ignorados pela Igreja oficial, seja por desconhecimento, seja por esquecimento.
Nenhuma ideia a respeito do cristianismo poderia estar mais errada e demonstrar mais incompreensão do que ele seja do que essa. Com efeito os Pais da Igreja, a quem destaco aqui Santo Irineu que no século II foi Bispo de Lyon de 177 a 198 A.D (que recordemos, foi neto espiritual do Discípulo Bem Amado) definem como mistérios do cristianismo: a Encarnação do Verbo, Filho de Deus feito homem, sua morte e sua ressurreição, atualizadas nos sacramentos do Batismo, da Eucaristia e, completado pelo Envio do Espírito Santo no Pentecostes, atualizado no sacramento da Crisma ou Confirmação.
Imaginamos aqui que o leitor do blog esteja ciente de que o termo “atualizada” que empregamos aqui tem, teologicamente, um sentido muito forte, concreto e realista.
Quando falamos de “atualização” da Encarnação, Morte e Ressurreição do Verbo, ou do Envio do Espírito Santo, não estamos falando de uma celebração de tais fatos, nem de uma espécie de cerimonial (como nos das iniciações tradicionais) onde se imitam gestos ou atos ancestrais de maneira a reviver simbolicamente certos mitos, mas de um reviver pleno, em um sentido realíssimo, tudo aquilo que se realizou outrora. Isto significa que aquele que recebe os três sacramentos em questão participa efetiva e realmente da Vida, da Morte e da Ressurreição do Verbo, e se recebe, efetiva e realmente, ao Espírito Santo.
Em outros termos, o homem que recebe esses sacramentos recebe a comunicação da vida divina mediante a Pessoa do Verbo e mediante a Pessoa do Espírito Santo. Eis aqui, em toda a sua plenitude, em total conformidade com a Doutrina dos Pais da Igreja a totalidade dos mistérios cristãos desde o inicio do cristianismo, não existindo nada mais para além disso. E o que mais poderia o homem aspirar além da participação direta na vida divina ?
Mistérios sim, por serem insondáveis à inteligência dos homens, inconcebíveis ao entendimento, mas que de forma alguma se encontram fechados a vida espiritual, ao contrário, essa vida espiritual consiste exatamente em não deixar de aprofundar-se, esforçando-se sem descanso em realizar a volta à conformidade, cada vez mais exata e justa, do homem com o divino. – Retende, peço-vos, este ponto, pois é importante para o que se segue.
É por isso que os Pais da Igreja, destacando aqui Santo Irineu, chamam o Batismo, a Crisma e a Eucaristia, os três graus da iniciação cristã (e por favor não me criem analogias com aprendiz, companheiro e mestre). A sua sucessão constitui, realiza a introdução progressiva e completa à plenitude dos mistérios cristãos. E esses, ao contrário dos mistérios pagãos da antiguidade, não estão fechados aos homens, nem estão reservados a uma casta especial de adeptos, mas estão abertos a TODOS aqueles que consintam que o desejo de Nosso Senhor Jesus Cristo, de estar “Todo em todos” se faça real também nele.
Todos os homens estão qualificados a serem admitidos nos mistérios cristãos, sendo a única exigência para tal a de ser “filho de Adão” - ou seja - de ser homens. Já que todos possuem a vocação de realizar o desejo de Deus para com eles: de redimi-los, salvá-los e deifica-los. É a parábola da festa de bodas dada pelo Rei, onde os servos vão buscar aos convidados pelos “caminhos e valados” (Lc. 14:16-24).
Com efeito, a estes mistérios só se alcançam por etapas, por uma preparação progressiva, por um processo de “entrada ao interior” que prefigura o ensino (o catecismo) e que a liturgia realiza. Deste ponto de vista, a liturgia age como o Rito Retificado tenta agir, oferecendo uma entrada concêntrica, progressiva, mediante uma série de etapas cuidadosamente graduais, n'Aquele que é o mais interior, o mais íntimo de todas as coisas: Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta preparação e progressão é destinada a todos, é oferecida a todos. Já que, aos olhos de Deus, a diferença de capacidade entre os homens não conta, conforme podemos ver em Mt. 20:2-14. Em vez disso, como dizem nossos Veneráveis Mestres: “Prestai atenção meus irmãos”; para o homem, ser capaz, significa ser cobrado em dobro; vide a “Parábola dos Talentos” (Mt 25:14-30).
Eis aí então, meus Bem Amados Irmãos, o significado real de mistério cristão desde o princípio da cristandade (o que nunca se alterou ou foi omitido).
Sugiro que reflitam sobre a pista que deixamos acima sobre o modo concêntrico em que se realiza a Sagrada Liturgia e o modelo concêntrico estabelecido por nosso Pai Fundador, Jean Baptiste Willermoz, no sistema que nos deixou como herança.
I.C.J.M.S.
Que Nossa Ordem Prospere !!!
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