Nota preliminar: A produção desse texto só foi possível graças a colaboração direta do Ir∴ Alejandro Pellegrini e do Ir∴ Ivan A. Pinheiro. O notório saber dos irmãos aliado ao espirito colaborativo dos mesmos permitiu que, aquilo que era apenas uma ideia obscura, se tornasse um texto pronto a ser publicado, de fácil entendimento e cobrindo todos os pontos necessários à reflexão do Maçom Retificado. Que Nosso Senhor Jesus Cristo os conduza sempre, obrigado meus irmãos.
Vamos ao texto:
Como superstição, entendemos a propensão humana a atribuir razões ocultas ou sobrenaturais a fenômenos passiveis de explicação pelas naturais. Em termos teológicos, classifica-se como toda crença e prática que vai de encontro à própria religião – independentemente de sua natureza – por meio de magias, cultos, rituais particulares ou públicos (como algumas manifestações devocionais populares). Já em termos laicos têm-se as seguintes definições dicionarizadas (1):
Crendice; crença sem fundamento racional e lógico que, normalmente, se baseia situações recorrentes ou coincidências eventuais.
Crença que faz com que alguém crie certas regras ilógicas, tenha medo de coisas inofensivas ou acredite em coisas sem fundamento.
Outras fontes, mais ligadas à teologia sistemática (2), apontam que a palavra deriva do latim superstitio e significa “o excesso” ou também “o que resta e sobrevive de épocas passadas”. Qualquer que seja a acepção, designa “aquilo que é alheio a atualidade, que é velho ou degenerescente”. Transposto para a linguagem dos romanos pagãos, superstitio designava as observâncias de culto arcaicas, populares, não mais condizentes com as normas da religião oficial vigente. O primeiro autor a fazer uso do vocábulo teria sido Cícero (106-43 a.C), em De natura Deorum, relacionando-o a excessiva devoção em forma de orações e a oferta de repetidos sacrifícios dos pais pela sobrevivência dos filhos (3). Já Sérvio Honorato, em seus comentários à Eneida (4) de Virgílio, diz que o nome “supersticioso” era dado a certas mulheres que atingiram idade avançada e que sobreviviam a muitas contemporâneas suas; constituindo então “o resto ou a sobra...”. E como essas mulheres fossem dadas a aberrantes e tolas práticas de piedade, a “superstição” veio a adjetivar a religiosidade pouco esclarecida de pessoas simplórias ou tendentes a decrepitude.
Seguindo ainda entre os romanos temos Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C), autor de “Antiquitates rerum humanarum et divinarum”, que apesar da linguagem politeísta, exprimiu com grande coerência o que significa essa forma de religiosidade inferior, quando afirmou: “o supersticioso é o homem que teme os deuses como inimigos, ao passo que o homem religioso os reverencia como pais”. Citado por S. Agostinho em De Civ. Dei; Marco Fabio Quintiliano (35-95 d.C) corroborava tal pensamento sustentando que “o homem supersticioso difere do religioso, tal qual o homem que procura a curiosidade difere do homem que procura o amor.
Em suma, vemos que o conceito de superstição como deterioração da religião, sendo desta uma contrafação, já era comum entre os romanos e à medida que o pensamento ocidental se desenvolve o termo não sofre muitas variações. Voltemos a Cícero, em “De natura Deorum”, para constarmos a clareza dessa distinção:
"Pois aqueles que todos os dias invocavam e sacrificavam para que seus filhos fossem salvos por eles, foram chamados de supersticiosos, porque o nome se mostrou depois mais abrangente; porém aqueles que diligentemente retratavam e, por assim dizer, reliam todas as coisas que se referiam ao culto dos deuses, eles foram chamados de religiosos, a partir de reler; tanto quanto elegantes de eleger, como diligentes de diligenciar, inteligentes de inteligir; pois em todas estas palavras há a mesma força de ler que há em religioso. Assim se formou em supersticioso e em religioso um nome de vício, outro de louvor. E me parece suficientemente ter mostrado que os deuses existem e quais sejam"(5).
Santo Tomás de Aquino define a religião da seguinte forma: “a religião é o que nos leva a prestar a Deus um culto devido [...] dois elementos nela se consideram. Um o que ela presta, a saber, o culto, que lhe constitui a matéria e o objeto. O outro, o a quem o culto é prestado, que é Deus [...] a religião é uma virtude moral, cujo objeto são os meios conducentes ao fim último”(6).
Partindo do que foi dito acima, conclui-se que a superstição (como vício) é o desvio do verdadeiro sentimento religioso e das práticas que o compõem. À medida que atribui importância mágica até mesmo a práticas legítimas (como quando atribuímos a uma prece – que deveria ser um ato de louvor – um valor poderoso X para solucionar um problema Y) o valor real é afetado, o que invalida o culto que deveria estar sendo prestado ao verdadeiro Deus.
A superstição, por exemplo, pode – entre os cristãos – levar uma pessoa a fazer o sinal da cruz enquanto assiste a um jogo de futebol onde seu time preferido “toma um sufoco do adversário”, ou em sendo jogador, fazê-lo para comemorar um gol; carregar o terço como amuleto para proteger-se de perigos ou proferir determinadas orações como “milagrosas em situação A ou B” (há relatos de casos em que se teria utilizado a Bíblia – de forma eficaz - como escudo na tentativa de proteger-se contra disparos de arma de fogo) e constantemente se vê promessas a Santos, a Virgem ou mesmo a Jesus Cristo, como moeda de barganha (me dê A que realizarei B).
Já entre os maçons, observam-se os efeitos da superstição à medida que os estudos e o aprimoramento das virtudes morais cedem lugar a divulgação de conceitos estranhos à tradição maçônica e que passam a ocupar o dia a dia das Lojas e dos irmãos: formação de egrégoras, manipulação de energias cósmicas, teurgia, numerologia, cabala (sincrética a elementos de diversas correntes esotéricas a partir do século III), relação de cores de paramentos com chackras, etc. Em qualquer que seja o caso - de cristãos a qualquer outra profissão religiosa ou de cristãos a maçons – as práticas supersticiosas não levam em consideração as disposições interiores verdadeiras que a vivência da religião (como virtude) exige.
Na maçonaria, que aqui é o que nos interessa, a superstição ganha espaço na proporção exata em que a ordem se abre para maçons aceitos e à medida que vai passando de operativa à especulativa vai também enxertando em suas colunas elementos ocultistas que - com sua pseudossacralidade e seus inúmeros sincretismos - vai tentando dar respostas às questões que outrora eram solucionadas por meio da adesão às virtudes cristãs que as corporações de ofício cultivavam em seu interior.
Assim, o humanismo renascentista - em seu viés panteísta e gnóstico - vai ganhando espaço dentro da ordem, acompanhado por toda sorte de pensamentos e teorias estranhos a tradição até ali: cabala judaico-cristã, alquimia, mesmerismo, teosofia, práticas divinatórias de comunicação com os mortos, etc. Obviamente nem todos os maçons deixaram-se seduzir por essa nova maneira de se ver a maçonaria (o que para eles a esvaziava de sentido) e em 1778 temos um evento que ficou conhecido por Convento de Gálias. Essa iniciativa teve como objetivo central tentar restabelecer a “unidade primitiva da iniciação” que havia se perdido completamente em meio a uma multiplicação anárquica de sistemas qualificados, severamente, de arbitrários: "a falta de conhecer o verdadeiro ponto central, e o depósito das leis primitivas, substituíram o regime primitivo por regimes arbitrários particulares ou nacionais e por leis que os adaptaram...”(7).
Em 22 de Novembro de 1778 o Convento de Gálias assistiu Jean de Turckheim declarar:
"Uma nova legislação acaba de reformar os abusos da antiga; a Cidade Santa está purificada e sobre seus altares fumegam já os incensos das boas obras que oferecemos como tributo a Divindade [...] Longe de nós essas meditações sombrias que concentram a imaginação exaltada [...] Longe de nós estas combinações alquímicas, tão perigosas por seus atrativos; a cujas loucuras, certamente de forma acidental, devemos algumas descobertas interessantes, mas que uma química esclarecida explicou, baniu e finalmente expôs ao ridículo e a miséria. Apartemo-nos destes erros, destas loucuras; a ocupação mais nobre do homem, depositário do Sopro Divino que o anima é a augusta contemplação da Verdade".
Não são necessárias mais do que essas linhas para perceber que os fundadores do Regime Retificado reconheciam, já na sua gênese, a vocação natural do homem, a qual qualificaram como a mais nobre, a busca da Verdade. Concebiam um mundo que era obra de um Deus sábio e lógico (distinto deste mesmo mundo e por vezes oposto a ele) que podia ser conhecido por meio do uso da razão, não constituindo assim um fantasma ou uma irrealidade. E confiados ao acume da razão, sem deixar se levar pelo racionalismo, lançaram luzes sobre os caminhos que conduziriam as verdade da fé, rechaçando a superstição e as trevas com que estas cobrem o homem e o impedem de aproximar-se de seu fim.
No entanto, decorridos quase trezentos anos desde o discurso de Turckheim, a maioria das ordens maçônicas parece permanecer fiel ao mesmo mote daqueles tempos: voltando-se aos princípios filosóficos anteriores e (ou) alheios aos princípios religiosos que animavam as corporações de oficio durante o medievo, abraçando teses ocultistas com sua pseudossacralidade e com seus sincretismos diversos (8) que produzem, quando muito, fértil terreno para produção de “pensamentos mágicos”.
E não obstante o fato de reconhecermos a universalidade maçônica como princípio legitimo, podendo-se admitir aí a criação, adesão e manutenção das mais diversas maneiras de se fazer maçonaria (tudo calçado no liberdade de pensamento), o Regime (Rito) Retificado rejeita as superstições e convida para o saudável exercício da contemplação da verdade: “longe de nós essas meditações sombrias que concentram a imaginação exaltada” [...] “longe de nós”.
Notas:
1 - Fonte: https://www.dicio.com.br/supersticao/
2 - Escola MaterEcclesia: Cursos por Correspondência, Apostila “Ocultismo”,
“Serie I: Fenômenos Mediúnicos”, Módulo 20 – Superstição. p 83.
3 - http://letrasclassicas.com.br/wp-content/uploads/2018/02/Paredes-2018-Denaturadeorum-II.pdf em 27/09/2020 as 13:35
4 - Poema épico latino escrito por Virgílio no século I a.C.
5 - http://letrasclassicas.com.br/wp-content/uploads/2018/02/Paredes-2018-Denaturadeorum-II.pdf em 27/09/2020 as 13:38.
6 - Suma Teológica, Questão 81: “Da Religião”, Art 5: “Se a Religião é uma Virtude Teologal”.
7- Fragmento de Carta de JBW a Rodolphe Saltzman, de 3 a 12 de maio de 1812, Renaissance Tradicionale, n°147-148, 2006 p 202-203.
8 - Tal fenômeno foi menos presente na maçonaria anglo-saxônica que conservou seus princípios doutrinários desde a origem até os tempos atuais; por vezes, no decorrer da história, tomou posições idênticas às da fé cristã.
I.C.J.M.S.
Que Nossas Ordem Prospere !!! Que Nossos Irmãos Celebrem a Alegria de Trabalharem Juntos em Prol de Nosso Senhor
Comments