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A Trajetória e a Vida de Jean-Baptiste Willermoz - Parte 7

Tradução da integra do Capitulo V do livro "Un Mystique Lyonnais et les Secrets de la Franc-Maçonnerie - 1730 - 1824" da arquivista francesa Alice Joly. O texto que se segue já foi por nós publicado nesse blog nos seguintes artigos: Desilusões de Jean Baptiste Willermoz - Parte 1, Desilusões de Jean Baptiste Willermoz - Parte 2 e Desilusões de Jean Baptiste Willermoz - Parte Final ; no entanto achamos interessante repeti-lo aqui (na integra) a fim de dar uniformidade a série de postagens que estamos fazendo trazendo a tradução do referido livro.


Desafeição de Willermoz pela Estrita Observância. - Desentendimento com Claude de Saint-Martin. - O Templo dos Filósofos Eleitos Cohens de Lyon de 1774 a 1778. - Desenvolvimento da doutrina de Pasqually. - Decadência da Ordem Cohen. - Sucesso social do Filósofo Desconhecido na sociedade parisiense. - Círculos místicos concorrentes: Rito Escocês Filosófico, os Philalèthes. - Jean-Baptiste Willermoz contempla uma reforma pessoal da Maçonaria.


Às vésperas da reunião dos Diretórios Escoceses do Convento nacional, pomposamente denominado Convento das Gálias, J.B. Willermoz já se encontrava enojado com a Estrita Observância Templária.


O seu desinteresse, caso decidamos acreditar em sua versão, deu-se por uma causa puramente espiritual, e havia se originado muito cedo, pode dizer-se, desde sempre. Datou do seu primeiro contato com o Barão Weiler. O lionês "despenca das alturas" ao constatar que seu instrutor, com o tempo, se tornava impaciente simplesmente por “nada saber das coisas essenciais”, além de parecer não estar disposto a instruí-lo; longe de apresentar um tesouro de conhecimento, se apresentava de mãos vazias. Ao analisar a história da Ordem Alemã e esquadrinhá-la, Willermoz descobrira que os Clérigos de Stark - que gabavam-se de sua ciência oculta e de seus conhecimentos sobre mistérios e segredos - não tinham “base nenhuma, nenhuma prova” do que afirmavam, não tendo mais a oferecer que novas razões para o desânimo.


Uma total desilusão apossou-se dele, pondo fim a todas as expectativas que nutrira, até então, no regime que tão diligentemente havia adotado para si. Mas teriam sido, todas essas expectativas, espirituais? Aqui pegamos o nosso amado lionês em delito flagrante, um delito não calçado em mentiras mas orquestrado em uma organizada teia de fatos para lá de óbvios. Se o Barão Weiler o tinha decepcionado, desde Julho de 1774, a ponto dele não mais nutrir esperanças de que a ordem tivesse algo a lhe transmitir ou lhe fosse espiritualmente útil em algum momento (estamos falando de um homem cujo mote central da existência foi a busca espiritual) então por qual razão ele continuou a segui-lo?, e por qual motivo, empregara uma considerável quantia em dinheiro e grande parte de seu tempo, a fim de estabelecer na França uma nova ordem maçônica desprovida de sentido?


Acontece que algumas questões ditas materiais eram, sim, muito relevantes para Willermoz, ainda que ele não reconhecesse publicamente o valor das mesmas. É fato inquestionável que Willermoz procurava na maçonaria os raros e misteriosos segredos, os quais estava convencido que ela era depositária, mas com isso pretendia também estender a sua influência e, a portas fechadas, tornar-se alguém mais importante do que era até então. Ele estava perseguindo não apenas uma via de realização espiritual mas também de realização pessoal (no campo material). E é por isso que a decepção que o Irmão Spica Aurea lhe tinha causado no plano intelectual não fora suficiente para minar o seu zelo, pois acreditava que a ordem templária da Alemanha era uma sociedade, ordeira e poderosa, a qual valia a pena se unir.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: O olhar crítico de Joly desafia a idealização que muitas vezes cerca figuras como Willermoz e seus contemporâneos na Maçonaria. Embora seja importante reconhecer os méritos e as realizações significativas dessas personalidades históricas, A. Joly consegue mostrar que Jean-Baptiste Willermoz e a Maçonaria de sua época compartilhavam semelhanças surpreendentes com a Maçonaria contemporânea. Ao examinarmos a história da Maçonaria, percebemos que muitos dos desafios e dilemas que enfrentamos hoje já estavam presentes na época de Willermoz. Questões relacionadas à inclusividade, diversidade de pensamento e dinâmicas de poder também ecoavam nas lojas maçônicas do passado. Portanto, ao invés de enxergar o passado como uma era dourada inatingível, podemos aprender com as lições desse período e trabalhar para melhorar a Maçonaria atual, buscando a evolução contínua da fraternidade, sempre mantendo um olhar crítico e reflexivo sobre nossas práticas e princípios.]


Em 1775, ainda que hesitante, Willermoz estava tão apaixonado por sua nova filiação maçônica que estava por fazer de inimigo, um grande amigo seu, seu professor em ciências ocultas e irmão na Ordem dos Elus Cohens: Louis Claude de Saint-Martin.


Tendo vivido na casa de Willermoz, partilhado da mesma fé mística e colaborado com ele para a construção do círculo de discípulos Cohens, Saint-Martin não ignorava as relações com a Estrita Observância Templária. Chegara inclusive a enviar seu nome em petição no ano de 1773 para a instalação da Estrita Observância em Lyon - ainda que não tenha sido contado entre seus membros - mas no ano de 1774, enquanto o Conselho de Administração de Auvergne estava próximo a instalar-se, Louis Claude de Saint-Martin deixa Lyon com a desculpa de acompanhar o jovem Antoine Willermoz que estava de partida para a Itália em viagem de negócios. Durante sua ausência escreveu três afetuosas cartas a Willermoz repletas de termos carinhosos para com “a pequena mãe” e para com os queridos irmãos de Lyon; todavia não fazia qualquer alusão a experiência da maçonaria alemã que naquele momento constituía a principal ocupação de seus amigos.


Ao contrário do que alguns querem afirmar, a motivação de Saint-Martin não está ligada aqui ao rigor da discrição mas trata-se de uma omissão voluntária, uma vez que ele não se furta na correspondência a aludir à questões Cohen (que exigiria tanto silêncio quanto as da ordem alemã), narrando inclusive novidades que havia aprendido de Don Martinez (?) em visão estranha de "pancadas e sensações” (sic) que o impressionaram em Coni, numa tarde em que ele tinha ido visitar Antoine; que estava doente, no seu quarto, enquanto ele se apoiava nos pés de sua cama.


Saint-Martin era um homem atencioso e naturalmente inclinado a ser bom, tanta reserva de sua parte sobre o assunto “Estrita Observância Templária” sugere uma preocupação de não comprometer-se, evitando assim desaprovação pela outra parte.


O mês de Julho de 1775 assiste os dois amigos separarem-se um do outro, quase que como em uma ruptura definitiva. Saint-Martin deixa Lyon, renunciando as vantagens inestimáveis oferecidas a um homem sem fortuna, sem posição e quase em desacordo com a sua própria família (sic). Ruma então para Paris onde ficou na companhia de Perisse Duluc, e após nove dias de reflexão, responde a uma carta de pesadas críticas.


Não se trata aqui de uma simples diferença de opinião sobre o método de propaganda que se adequava à sua doutrina secreta, que causou a tempestade, e que mereceu a oposição de Saint-Martin, ainda que isso trouxesse risco a amizade de ambos. “O objeto em questão” é, como nos diz o antigo oficial do Regimento de Foix, difícil de conciliar-se com suas íntimas convicções, sendo aliás pouco conhecido por ele. E, se era por ele pouco conhecido, certamente não tem qualquer relação a fé em comum que mantinham: "Tendes um belo jogo contra mim", escreve ele, "que só vos atormentará, e que prejudica tanto o meu espírito como o vosso[...]”. É evidente que, para Saint-Martin, “o fato em questão” é o interesse apresentado por Willermoz pela organização e fundação de uma Loja da Estrita Observância em Lyon.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Willermoz desejava utilizar-se do prestígio alcançado dentro da EOT para inserir-lhe a Doutrina de Pasqually a fim de veiculá-la (ainda que com correções) por meio desta. Parece que Saint-Martin não estava bem certo da eficácia de tal intenção ou mesmo, quem sabe, da lisura da mesma. O fato é que a história sugere que ele preferiu abster-se e tomar outro rumo à corroborar com as ambições (tomem aqui no bom ou no mau sentido como queiram) de nosso amado comerciante de sedas.]


"O silêncio é, com todo o respeito, a opção que me convém; todavia, ao condenar-me sobre este assunto; obrigaste-me a quebrá-lo [...]”. Esta frase é a chave para todo o debate. Willermoz insistiu tanto para que seu amigo se juntasse aos diretórios de Lyon, não se contentando com uma simples “aceitação” puramente cordial deste mas tentando envolvê-lo diretamente nas questões (e consequentemente em seu projeto) que Saint-Martin não teria visto outra saída a não ser “atacar”, fazendo seu amigo ver que as suas novas ocupações maçônicas só poderiam culminar no prejuízo do progresso espiritual e do avanço dos Cohens; nas críticas de Willermoz, Saint-Martin tinha visto apenas “exigência e obstinação” crendo então que o amigo não estava levando em conta que "a verdade é persuadida, jamais imposta".


No entanto, afastado de Lyon e tendo tempo para refletir melhor e julgar a questão com mais calma, Saint-Martin determina-se a não mais se enfurecer; pelo contrário, tenta acalmar a irritação de seu amigo dando a esse o conselho de "nunca perder os caminhos da caridade e da doçura". Para ele, cada desacordo com seu amado irmão parece ser uma vitória dos espíritos maus, empenhado em perverter os “menores espirituais”. Por tal razão, ele recolhe-se a sua humildade, não hesitando em sacrificar algumas das suas ideias sobre o essencial do debate. Ele deseja apaziguar esse processo de disputa, todavia mantendo-se fiel ao que acha correto. Tudo o que pode prometer é calar-se e não constituir problemas para Willermoz com suas objeções. Sacrifica assim, voluntariamente, sua auto-estima em nome da tranquilidade de seu amigo, mas na condição de que esse lhe faça o mesmo favor: "Se a vossa paz me for querida, é muito natural” - escreve ele - “que a minha também o seja, e que eu procure todos os meios para preservar aquilo que me foi dado, e que tenho a certeza irei apreciar quando puder prosseguir em liberdade".


Os meios são muito simples e ele já os encontrou. Deixara a casa de Willermoz, sob o pretexto de estudar química com um certo M. Privat, que vive em lugar remoto. O apartamento onde passa a habitar lembra de tal forma as suas desilusões que, durante meses, o desejo de escapar à influência opressiva de J.B. Willermoz ocupa o seu espírito. Mudou-se então para uma "nova construção, localizada no alto e do lado esquerdo, antes da ponte que dá ao Gourguillon", onde estaria separado dos alojamentos centrais. A vizinhança era pacífica, muito lisonjeira para os amantes da solidão. Sem dúvida, Saint-Martin já teria diversas vezes “caminhado em seus pensamentos” sobre as colinas de Saint-Just e Fourviere, onde a vista estende-se quando o tempo esta claro sobre a cidade e a planície do Delfinado, até os picos longínquos dos Alpes. Foi isso que fez o seu amigo pedir um quarto e uma loja de física, embora não fosse a física comum que lhe interessava, e na realidade apenas Willermoz poderia ter dito se o local preenchia totalmente, ou apenas parcialmente, as condições necessárias para praticar a misteriosa ciência de Pasqually.


Com esse afastamento, Saint-Martin busca preservar o “tesouro comum”: a amizade, a confiança e a fé que partilha com Willermoz. Preservando também o bem dos outros irmãos Cohen que não serão escandalizados a medida que ignoram os desacordos de seus mestres. Da mesma forma, passa a buscar o bem supremo, a liberdade que desejou como condição para “não perder nada de si”.


Todas as outras preocupações são secundárias. É por isso que Saint-Martin responde tão generosamente a qualquer direcionamento que lhe deem, desde que bem intencionado. Quando a questão é sua vida interior, não se trata de conveniência, reconhecimento, ou valor. Aceitou apenas as ordens que tinha recebido espiritualmente, quer através das suas premonições interiores, quer através do milagre dos "Passes" nos quais acreditava. Desta forma, ele pode facilmente dissociar-se dos outros, suportar as suas contradições e abster-se de os julgar, desde que não cruzassem seu caminho impedindo-o de seguir na via que conduz a Deus. A grandeza do bem que ele procura é a única desculpa que ele próprio invoca para este aparente egoísmo: "Eu procuro apenas o bem de todos, procurando o meu, pois há um ponto de união para todos os homens".


“Fiat Pax”, deseja Louis Claude de Saint-Martin no fim de sua longa carta - datada de 30 de Julho de 1775 - uma das mais interessante e reveladoras que já havia escrito. Não sabemos em que condições ficou a instalação projetada ou se o Filósofo-Desconhecido encontrou no seu refúgio solitário paz que desejava. O que sabemos é que não quebrou a regra de silêncio que abraçou, evitando misturar-se a “qualquer assunto”, crendo que o tempo viria em seu auxilio.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Percebe-se que Alice Joly tem Saint-Martin em altissima conta. De fato, a doçura com que o martinezista escreve e parece encarar as vicissitudes da vida é algo inspirador. Todavia não podemos nos deixar guiar por inspiração ou simpatia quando a percorrer as linhas da história. O fato é que as diferenças entre Willermoz e Saint-Martin se davam essencialmente nas questões de “institucionalizar ou não" as vias iniciáticas, não se tratando em tempo nenhum de superioridade moral ou espiritual de um sobre o outro. Observamos que essa postura de Saint-Martin que Alice Joly descreve (e que parece lhe emprestar uma “elevação espiritual” maior que a de seu irmão) aparenta não ter sido definitiva e em 16 de dezembro de 1789, Saint-Martin se dirige a Willermoz solicitando que “se sem estar na sociedade maçônica interior nem exterior, (estaria) não obstante apto para participar nas instruções secretas da iniciação, no caso de que (seus) passos se dirigissem até (sua) boa cidade”.


Willermoz nunca lhe respondeu, deixando claro para o Filósofo Desconhecido qual era sua posição ante a maçonaria (ele não fazia mais parte dela).


Em 4 de julho de 1790, escreveu Saint-Martin a Antoine Willermoz: “Informe também, por favor, ao Chefe maior que espero dele uma resposta que não precisa ser muito extensa, pois ao não haver recebido, posso presumir de antemão de que natureza seria, a qual posso apenas presumir, e que em consequência rogo apresentar e admitir minha demissão de meu posto na ordem interior e de amavelmente me apagar de todos os registros e listas maçônicas onde posso estar inscrito. Minhas ocupações não me permitem seguir esta carreira. Não o incomodarei mais por outras razões. Ele sabe bem que a eliminação de meu nome dos registros não o prejudicará em nada já que não lhe sou útil para nada. Também sabe que meu espírito jamais ha sido inscrito, pois somente pode estar vinculado com o ser que a figura”. “Nós estaremos sempre, assim o espero, como Cohens e o estaremos pela iniciação se, não obstante, minha demissão não for um obstáculo, porque então sacrificaria inclusive a iniciação, tendo em conta que todo o regime maçônico é para mim cada dia mais incompatível com minha forma de ser e a simplicidade de meu caminho. Não deixarei de respeitar até a morte a este querido irmão e posso assegurar que não terei más recordações dele em minha vida” - (Carta reproduzida em: Papus, l’illuminisme en France, 1771-1803, op. cit., p. 207-208.).


Assim terminou a passagem do Filósofo desconhecido pelo Regime Escocês Retificado.]


Conforme passavam os meses, Jean-Baptiste Willermoz perdia gradualmente as ilusões que havia nutrido acerca da Estrita Observância Templária. A pobreza da doutrina da ordem alemã parecia-lhe cada vez mais insuportável e a medida que se tornava melhor conhecedor dos acontecimentos internos e da desordem que reinava nas lojas da Alemanha; enquanto na França, teve que reconhecer que os Diretórios Escoceses nunca chegariam a parear sua importância com o Grande Oriente.


Mesmo em Lyon o zelo estava enfraquecendo; seduzidos momentaneamente pela possibilidade de participar de uma iniciação para eles desconhecida, os irmãos escolhidos por Willermoz entregaram-se com prazer à uma ordem com nome e divisas latinas, onde podiam portar insígnias cavaleirescas e a cruz vermelha dos Templários, mas com o passar do tempo foram enfastiando-se das cerimônias criteriosamente regulamentadas e mesmo os trajes mais bem elaborados acabavam mesmo é por lhes parecer banais. Assinalemos também a atonia dos irmãos de “La Beneficencia”.


Seu Chanceler, ab Eremo, podia cada vez menos deixar-se levar por ilusões a respeito desse assunto; desde 20 de maio de 1777 seu jovem irmão Antoine Willermoz enviou-lhe uma longa carta onde narrava todas as debilidades da instituição, sem amenizar as causas. Assim, viu Jean-Baptiste Willermoz, que a Ordem Alemã, ainda que lhe fosse bastante querida, só tinha importância imaginária; que os ofícios do Capítulo eram “quiméricos ou velados” e que os planos de organização, reforma e propaganda eram também totalmente ilusórios. “Até o momento”, escreve,”não acho que seu cargo seja impossível de preencher, quanto aos demais podem ser preenchidos por nomeações temporárias.”. É provável que somente Jean-Baptiste Willermoz soubesse o que estava a fazer em meio a esse imbróglio, Antoine confessa não saber e se surpreende com o fato de seu irmão ter-se afastado dos maçons regulares objetivando lançar bases a um estabelecimento ainda mais material, cuja organização “viciosa” excita a vaidade e a ambição; ele é claro, a essa altura dos acontecimentos, já não ignorava os planos secretos da Estrita Observância Templária, seus “mexericos” e suas desordens; para Antoine, o passado dessa sociedade é triste ao passo que seu futuro, é incerto. Por outro lado, Antoine expressa seus medos não somente como um simples maçom regular, mas como iniciado Cohen. Chegara mesmo a confidenciar a Mme Provensal que seu irmão, que conhecia um caminho mais curto, havia comprometido seus discípulos em caminhos incertos. Que necessidade havia de ir buscar em outras sociedades os conhecimentos que seu grupo já possuía? Por acaso há duas verdades possíveis?


Todavia o mais velho dos Willermoz não julgava a reforma trazida pelo Barão Weiler com tanta severidade como seu irmão Antoine. É fato que seu desânimo crescia, todavia ainda não lhe permitia notar os erros evidentes ali presentes. Seu amor próprio, vivo em demasia, fazia com que seu prestígio fosse alvo constante de suas preocupações, o que lhe proibia de interromper uma experiência decepcionante e reconhecer que estava enganado. Um só meio se oferecia para conciliar todos os seus desejos e escrúpulos: reformar por completo a Ordem. Isso se constituiria na “mão firme” que poderia conduzir a seu “verdadeiro objetivo”. “Me atrevo”, escrevia a Hesse em 12 de Outubro de 1781, “a formular um projeto que será para ela, ao menos em minha pátria, um de seus guias, e de usar nela as luzes que recebi em outro lugar”. As “luzes” em questão eram as que provinham de Pasqually. O que dele viera parecia muito mais precioso para Willermoz do que aquilo que, até então, tinha sido usado para propagar a Estrita Observância Templária em França.


Os Réau-Croix dedicavam-se regularmente a seus trabalhos, que incluíam orações, meditações e práticas teúrgicas. Willermoz era um Réau-Croix dedicado quanto a seus exercícios místicos; dessa fase de nosso amado lionês restaram poucos registros: um pequeno livro coberto com seda roxa e um broche de prata adquirido após a morte de Pasqually, composto por imagens simbólicas, provavelmente comprados durante viagem aos países baixos; o livro, diga-se de passagem, aparenta bastante uso dado às marcas que contém.


Mas, não obstante sua fé e sua aplicação, Willermoz acabou nunca recebendo a resposta inefável que esperava, nem a comprovação por meio de manifestações físicas por parte dos espíritos puros que invocara e para os quais oferecera fino incenso, de sua qualidade como menor espiritual e de sua reintegração.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Se a teurgia de Pasqually tinha algum valor de fato então podemos concluir que nosso bem amado irmão, não tendo recebido os sinais de “la chose” como indicativo de seu sucesso, não estaria apto a nos guiar nos caminhos da reintegração (dado que nem ele os teria trilhado); no entanto, se depositamos fé que nosso irmão tenha sido bom homem e merecedor (bem como que tenha conquistado a alegria) de trilhar o caminho da salvação, então temos que admitir que o sistema de Pasqually era - no mínimo - falho, para não dizer diretamente que era na verdade um engodo].


Mas a direção e as instruções do Templo Cohen já eram elementos que lhe traziam contentamentos suficientes para compensar o seu fracasso como teurgo. A atividade desse círculo esotérico dependia totalmente dele que correspondia a essa necessidade com muito amor e dedicação. E, não obstante seus fracassos como magista (ou seja lá que nome se dá a isso), continuava a receber instruções dos mestres especialmente dotados em teurgia prática e teórica: Louis Claude de Saint-Martin e Hauterive. O primeiro, após uma ausência de várias semanas e tendo já feito as pazes com seu amigo, voltou a habitar a pensão que havia abandonado ficando nela até por volta do final de junho de 1776. já Hauterive havia chegado a Lyon em Julho de 1775, ocasião em que ofertou aos lioneses suas instruções; sua “penúltima” conferência data de 4 de outubro de 1775.


Esses dois instrutores trouxeram ao templo de Lyon não apenas o resultado de suas meditações pessoais mas também os ensinamentos orais e o eco do pensamento e do estilo de seu falecido mestre. E isso era essencial para o funcionamento do Templo. Os Cohens de Lyon, “homens de desejo”, eram apenas medíocres em relação às especulações metafísicas e não se acanharam em solicitar aos mestres esclarecimentos sobre as verdades contidas no Tratado de Reintegração dos Seres que lhes parecia escrito de forma desordenada e de uma obscuridade ininteligível.


Embora as notas das conferências realizadas em Lyon entre janeiro de 1774 e setembro de 1776 não resultem como provas de um método rigoroso, possuem ao menos o mérito de tocar nos pontos importantes da doutrina, fornecendo-lhes precisões, esclarecendo, se não elucidando, certos detalhes, preenchendo-lhes as lacunas e demonstrando, sobretudo, o trabalho empreendido por Willermoz e seus amigos para assimilar essas complexas questões. O lionesses estudaram, sob a ótica de Pasqually, os problemas da natureza de Deus. Tal ótica não coaduna com o pensamento cristão e, consequentemente, com aquilo que a Igreja ensina a respeito da Santíssima Trindade, já que considera Pai, Filho e Espírito Santo, não como três pessoas distintas, mas como tres faculdade do Ser Criador.


Não por três, mas por quatro, que dividiam a essência de Deus. Segundo eles, Deus é trinitário por suas faculdades e quádruplo por sua natureza. Quatro essências ou potências constituem por inteiro o pensamento, a vontade, a ação e a operação. O universo criado reproduz essa mesma divisão, com a imensidão divina, o supraceleste, o celeste e o terrestre. O mesmo homem, tal e como o criou Deus, também é de essência quaternária, refletindo a imagem de seu Criador. Se entendemos bem os termos empregados, parece evidente que os discípulos de Pasqually não separavam Deus de sua obra, e que seu conceito da divindade se resolvia, em última análise, num panteísmo curiosamente preciso e complicado.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: O nome 'Panteísmo' foi forjado em 1705 pelo filósofo inglês J. Toland e é a doutrina que ensina ser Deus o Hèn Kai Pãn dos gregos, o "UM é Tudo", a única substância existente, a qual, por via de emanação, se manifesta nos diversos entes visíveis. Deus , pois, seria o substrato neutro impessoal, preposto por cada fenômeno da natureza. Acha-se em contínua evolução; em cada indivíduo humano que se aperfeiçoa, é a Divindade que vai tomando consciência de si. No decorrer dos séculos vemos o panteísmo assumir modalidades diferentes: alguns ensinam simplesmente que "tudo é Deus e Deus é tudo" , há os que dizem que Deus é ALMA do mundo ou princípio ( "espiritual", como costumam dizer) imanente que dá substância ao mundo. Qualquer uma das fórmulas implica que Deus se identifique , de forma total e parcial, com a natureza posta em evolução.


Tendo pois uma definição e uma conclusão sobre o que implica o panteísmo, submetemos-o a razão e então tiramos daí três observações:


I - Deus não se pode, nem de forma parcial, identificar com o mundo. Ora, sendo Deus o Absoluto, Necessário, Ilimitado (e o panteísmo reconhece isso) e o mundo sendo relativo, contingente e limitado em suas perfeições (o que demonstra a experiência ) não podem de forma alguma ser a mesma coisa sendo coisas opostas. Só para citar como pode o mesmo sujeito ser simultaneamente, e SOB O MESMO PONTO DE VISTA, Absoluto e relativo ? Esses predicados excluem um ao outro.


II - Deus não pode evoluir nem progredir, pois toda evolução implica em aquisição ou perda de perfeição; de qualquer forma, supõe imperfeição, o que é absurdo em Deus. Admitir um Deus ou uma Substância divina em evolução é explicar um mundo não por um SER Absoluto, mas por um "Tornar-se" absoluto; ora, o "tornar-se" absoluto é contraditório em si, pois "tornar-se" significa lacuna em demanda de plenitude, ao que ABSOLUTO diz perfeição plena.


III - O terceiro ponto é mais uma questão que uma afirmação: A substância única do universo que evolui para sua maior perfeição, como se eleva acima de si mesma ? Se é a única realidade , onde encontra apoio para subir ? ... Onde encontra a fonte das perfeições que ela por definição não possui ? o "mais" sairia então do "menos" ? A LÓGICA ensina justamente o contrário ... Para a lógica a evolução do imperfeito para o perfeito supõe na base de tudo uma realidade de perfeição infinita; é a atividade deste Ente primordial que produz novos seres, os quais são necessariamente menos perfeitos e, por isso mesmo, finitos, pois não se pode ter dois infinitos ou dois absolutos sob o mesmo ponto de vista. O ENTE primordial (maiores informações sobre ENTE são obtidas na obra de Tomás de Aquino e de Aristóteles) nada ganha quando produz seus efeitos, pois ao infinito nada se pode acrescentar; logo, ele é essencialmente distinto dos seus efeitos e do mundo. É o DEUS TRANSCENDENTE que não toma consciência de SI, mas desde todo o sempre é Personalidade plenamente consciente.


Algumas vezes ouvimos a seguinte fórmula que tenta salvar o panteísmo:


"Deus está presente, imanente em todas as coisas, como a alma se acha no corpo."


A proposição é ambígua. Se significa que Deus é imanente a tudo como elemento integrante (e tal é o sentido que o filósofo panteísta lhe dá) a fórmula não se exime das dificuldades anteriormente propostas: Deus não pode ser constituído de seres em evolução.


A sã razão pode no entanto adotar essa forma admitindo que Deus esta presente a tudo, simplesmente como o agente está presente a qualquer dos objetos da sua ação. E é essa a proposição que o Cristianismo reafirma dizendo:


"Deus é o Criador que do nada tirou todos os seres e os conserva na existência; por conseguinte, onde é que haja uma parcela de ser , Ele aí está presente - presente, porém porque age, conservando, não porque se identifique com a substância do ser contingente". Logo, de acordo com a filosofia Cristã Deus é transcendente (pois ultrapassa infinitamente os demais seres em perfeição) e imanente (sua ação criadora e conservadora atinge o íntimo de tudo o que existe).


Assim, tudo o que existe está dentro da ação causal de Deus porém tudo que existe é limitado e é substância distinta da substância de Deus.]


A obra divina compreendia o mundo dos espíritos, o mundo físico e a criação do homem.


Os seres espirituais eram coeternos com seu criador e não tinham outra existência e outra inteligência que a de Deus, somente uma livre vontade da qual estiveram dotados a partir do momento de sua emanação constituía sua personalidade.


O mundo físico seria uma consequência da revolta dos anjos. Pasqually tentava preencher o que deveria lhe parecer uma lacuna da Bíblia, ensinando que a matéria e o espaço, assim como o tempo, eram, em suma, o castigo dos perversos, a “prisão” , onde Deus os encerrara para limitar os efeitos de sua voluntária revolta. Retomava assim as teses gnósticas, apontando o mal como causa e característica da matéria. Suas teses entravam em todo tido de detalhes acerca da hierarquia dos seres que constituem o mundo: físicos, espíritos planetários maiores e inferiores, espíritos do “eixo do fogo central” dos quais dependem os veículos ou “almas passivas” dos animais, vegetais e minerais, “destinados a manutenção das formas” . Esta classe inferior de “seres espirituais corporais” distinguia-se sobretudo de outras, porque o Ser Criador não lhes havia dado o livre arbítrio.


O mal, teria provocado, ainda, a emanação do homem. Um dos pontos originais dessas doutrinas é a imensa importância dada a Adão no plano divino. Instruído como “Maior dos maiores”, o “menor espiritual” devia reger toda a criação, assim como o devir do “Deus Temporal” dos espíritos bons e maus, puros ou materiais, contidos nos círculos da imensidade celeste e supraceleste. Acredita-se que a natureza do homem tenha sido objeto de abundantes comentários nas conferências do Templo de Lyon. Precisavam estudar sua natureza primitiva e qual o resultado de sua prevaricação. Isso era extremamente necessário a eles, dado que observando a nós mesmos, caso saibamos ver, podemos enxergar “o espelho da criação e a imagem do Grande Templo Universal” ; isso permitiria ver o grau de decadência e a extensão da tarefa a cumprir para apagar os vestígios da falta original em si mesmo e no universo, com o qual se corresponderia intimamente.


Toda a doutrina de Pasqually se encontra estudada nas notas instrucionais de Willermoz. De fato, pode-se dizer que ela está mais clara em suas notas do que no Tratado de Reintegração dos Seres, apresentando-se como uma espécie de espiritualismo integral que abarca todo o real: planetas, estrelas, homens, plantas, animais, minerais, elementos, fenômenos físicos, manifestações da vida, faculdades do espírito, uma substância imaterial durável ou momentânea, vinda mais ou menos diretamente de Deus. Como imagens dessa realidade espiritual, os números são “a expressão do valor dos seres, o sinal ao mesmo tempo sensível e mais intelectual que o homem pode empregar para distinguir suas classes e suas funções na natureza universal".


O caso aqui não era apenas assimilar a doutrina de Pasqually, mas de completá-la. O Tratado de Reintegração dos Seres era extremamente mal redigido, sendo muito prolixo em relação ao tema da queda, conseguira unicamente esboçar seu principal objetivo, que era a regeneração do homem. Os lionesses se viram obrigados a preencher essa importante lacuna.


Os lioneses se esforçaram para distinguir o primeiro grau, que era um grau de reconciliação e perdão ao pecador arrependido, do grau mais eminente, onde o homem retorna em razão de seus méritos, as qualidade e virtudes que Adão, em decorrência da queda, havia perdido. Alcançar o estado perseguido nesse grau era mais importante coletivamente do que a nível pessoal, isso porque o lioneses acreditavam que um grupo muito grande de homens poderia ser salvo graças aos esforços de alguns poucos; e além disso, acreditavam que Adão não seria “reintegrado plenamente” até que o último de seus descendentes tivesse alcançado a regeneração, fazendo assim que Adão fosse o último a reconquistar seus direitos entre os salvos e isso só seria possível quando não houvesse mais o menor rastro do pecado original no mundo . Quer dizer que a condenação ao inferno seria remediável? É o que parece proposto pelos lioneses, ainda que de forma imprecisa. As instruções não avançam muito mais em outras direções que não aquela da ideia da regeneração geral, da qual o próprio demônio não estaria excluído, elas possuem vários pontos questionáveis ante a imensa tarefa que atribui ao homem e a responsabilidade que tais tarefas acarretaria . Com efeito, haveria de espantar, ja que o homem dependeria unicamente, de qualquer forma, do arrependimento dos espíritos rebeldes ou seja, do desaparecimento do mal e da reconstituição do universo segundo o plano divino. Notas de Jean-Baptiste Willermoz limitam, claro, as ambições do iniciado, insinuando que durante a vida terrestre toda reconciliação, e com maior razão toda reintegração, só pode ser imperfeita.


De qualquer forma, o homem, para cumprir sua tarefa, dispõe de meios muito limitados, já que tornou-se incapaz - dado a sua falta - de “criar o pensamento que o pode aproximar do Criador”, sendo não mais que um ser passivo, entregue as diversas impressões que lhe chegam, seja dos “intelectos bons” ou dos “intelectos malvados” do maligno - desejosos de o pôr a perder nas vias da revolta e da contradição . A salvação era um assunto de discernimento, dependia de três colunas: a do meio-dia, que é a faculdade de escolha, a do norte, que é a vontade unida a coragem, e a do oriente que é a humildade . A Ordem dos Elus Cohen era representada como a escola prática onde se aprendia a realizar essa escolha com total segurança.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: São tamanhos os erros e estranhezas teológicas, filosóficas e metafísicas de Pasqually e de seus discípulos Cohens (que nos chegaram graças aos Cohens de Lyon - em especial Willermoz e Saint Martin) que oramos ao Senhor Deus em ação de graças por ter colocado a “tesoura” dos bons protestantes que compunham os conventos de Gálias e Wilhelmsbad a impedir que toda essa superstição fosse incorporada ao Regime Retificado]


A ordem Cohen propiciaria ainda a seu discípulo os meios para atrair os intelectos bons e potencializá-los e rechaçar os intelectos malvados; era necessário para isso arrepender-se e mortificar sua natureza decaída. Os sete graus da ordem Cohen eram os sete graus da purificação ao estado de “menor espiritual”, apto para reintegrar-se. Os símbolos e temas maçônicos, sobretudo o do templo de Salomão, eram explicados à luz das doutrinas de Pasqually. Qualquer outro tipo de maçonaria era tido e denunciado como apócrifo…


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Os “adoradores” dos Cohens e de Pasqually em nosso meio deveriam ter sempre em mente que, segundo as proposições destes, tudo o que estamos fazendo como maçons em nosso tempo é transmitir uma mensagem espúria levando varias almas ao mergulho na obscuridade de nossa falsa doutrina].


Como as instruções em Lyon eram dedicadas a alunos pouco avançados, não se prestavam a explicar os altos graus e nem transmitiam as práticas das operações teúrgicas, que estavam reservadas aos Reau-Croix, não sendo nem sequer abordadas ali.


Havia outro ponto importante sobre Martinez de Pasqually o qual não era explicado com clareza. Era sobre o papel que, para ele, o Cristo ocupava na obra da reintegração. De fato ele não considerava tanto a Nosso Senhor a ponto de estabelecer uma doutrina baseada em seus ensinamentos ou de lhe prestar culto. Não obstante tal fato, Martinez fingia ser um bom católico e com isso evitava escandalizar a quem quer que fosse, desviando-se assim de problemas de qualquer natureza. Sempre “dava um jeito” de evocar a memória de Jesus, todavia seu tratado se detivera no Êxodo, uma boa razão para que o último daqueles adjetivados como “conciliadores” estudados fosse Moisés.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Para Martinez de Pasqually o Cristo era uma espécie de “peça” no grande esquema cósmico destinado a reintegração, tinha suma importância como parte de um todo … mas não era, de forma nenhuma, o centro em torno do qual sua doutrina e cosmologia viriam a se desenvolver.]


Saint-Martin, Hauterive, Willermoz e os discípulos lioneses são, antes de qualquer outra coisa, cristãos e não partilhavam da mesma indiferença de seu mestre; para eles, é de suma importância, aplicar o simbolismo, o vocabulário e as teorias dos Cohen aos Evangelhos. Eles não viam o Cristo somente como UM DOS reconciliadores, um sábio entre outros sábios inspirados… Consideravam Cristo como DEUS FEITO HOMEM, o ÚNICO REDENTOR do mundo. Eles ensinavam que Jesus substituíra a Adão para cumprir a tarefa na qual esse fracassara e assim exercer justiça contra o Maligno, todavia exercendo sobre o homem a misericórdia. Seu sacrifício ultrapassaria infinitamente o de Abel, Abraão, Moisés e Salomão. É a “operação” perfeita, graças a qual o homem obteve o favor de “segundo nascimento espiritual”. Também atribuíam uma grande importância a Eucaristia, sacramento e sacrifício ao mesmo tempo, que perpetua, na igreja, o santo sacrifício do calvário.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Curiosamente, temos em nossas fileiras homens que parecem querer completar a obra do Maligno ao invés de se aterem a obra da retificação. Não é incomum ouvir falar em “cristo cósmico”, “espírito crístico”, na tentativa de “diluir” a importância de Nosso Senhor negando assim aos novos aprendizes a possibilidade de realizar a obra da reintegração… Todavia os próprios Cohens de Lyon (afastando-se das fantasias de Pasqually) reafirmaram a autoridade espiritual da igreja no que tange a transmissão da verdade… sendo Cristo, a própria verdade e sendo a Eucaristia, a forma que ele se dá aos homens. Tais dissimuladores inventam uma doutrina para si, perdem-se em seu círculo de loucuras e põe a perder aqueles que chamam de irmãos. Seu trabalho de desconstrução é tão pueril (embora às vezes seja eficaz) que chegam a dizer: “Quando falamos em Cristo aqui, estamos falando de Yehoshua”, como se a partir do momento em que falássemos “bat” passássemos a ter um animal diferente de morcego, ao falar “perro” deixássemos de ter um cachorro ou se a palavra “vache” desse a nossa amada vaquinha asas para voar ou capacidade de falar em línguas… Em suma, assim como Sha'ul; Šāʼûl , Saul e Saulos não dividem nosso amado apóstolo em quatro pessoas diferentes de Paulo, assim também Yehoshua é a mesma figura de Nosso Senhor Jesus Cristo tal qual nos revelam os Evangelhos e cuja memória é perpetuada pela Santa Madre Igreja Católica.]


Mas Pasqually tinha apreços menos ortodoxos acerca da religião cristã, considerando que - em suma - não existia nada mais do que uma única religião sendo tudo mais modificações do culto perfeito que Deus havia destinado ao menor espiritual “O verdadeiro culto cerimonial foi ensinado a Adão depois de sua queda pelo anjo reconciliador, sendo santamente operado por seu filho Abel em sua presença, restabelecido por Enoch, que formou discípulos, e foi posteriormente esquecido em toda a terra, foi restaurado posteriormente por Noé e seus filhos e renovado por Moisés, Davi, Salomão e Zorobabel, sendo finalmente aperfeiçoado por Cristo em meio aos doze apóstolos durante a última ceia".


Certamente, nessa cadeia de eventos dedicados a misericórdia, o cristianismo era um dos mais importantes elos, mas também a franco-maçonaria ocupava seu lugar juntamente a outras tradições que não procediam da tradição bíblica. Os Cohens estavam convencidos de que todas as formas de religião não eram nada além dos restos degradados do “verdadeiro culto ao Eterno” e que entre elas havia correspondências secretas. As igrejas cristãs não haviam conservado - de maneira mais acertada - a verdade mais do que as outras tradições existentes. Defendia ainda que os sacerdotes tinham perdido o sentido do culto que celebravam. Mas Pasqually seria, felizmente, um dos que possuíam as verdadeiras chaves. A lenda maçônica do grau de Mestre, encontrou aqui uma aplicação fácil: os Cohens tinham encontrado a palavra perdida sob a direção de Martinez.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Curiosamente, aqueles entre nós que se julgam grandes e sábios livres pensadores e que criticam as igrejas cristãs acusando-as de arrogar para si o “monopólio” da verdade, não observam o caráter sectário evidente nos Cohens e nos ensinamentos de seu “guru”.


O Dicionário Enciclopédico das Religiões define que uma seita é um “conjunto de pessoas que professam uma doutrina diversa da geralmente seguida”. Também assinala “um grupo de pessoas que se separa de uma comunhão principal ou de uma determinada religião”. Ou ainda: teoria de um mestre seguida por prosélitos. Suas principais características são: a) ruptura com a sociedade maior; b) obediência total a um chefe ou guru “carismático”; c) tendência ao segredo; d) emoção e afetividade mais acentuadas do que o raciocínio; e) militantismo ou proselitismo; f) culto caloroso; g) expectativa de intervenção divina.


Como se pode ver na definição acima, o pensamento de Pasqually e a plena aceitação do mesmo fora dos círculos de Lyon (e até dentro deste) reveste-se COMPLETAMENTE de caráter sectário (o que teoricamente deveria ser repelido por maçons).]


Jean-Baptiste Willermoz aderiu a ideia de que o segredo do verdadeiro culto havia sido transmitido de era em era por alguns iniciados. Tentou traçar aproximações entre o cerimonial dos sacrifícios do antigo culto e o cerimonial instituído por Jesus Cristo. Nessa época fazia cópias de um fragmento de texto de São Basílio de Cesareia e de uma carta escrita por Inocêncio I ao bispo Decentius, julgava que nesses extratos estavam as provas de que o cristianismo primitivo era um mistério que apenas alguns fiéis conheciam . Daí a imaginar que teria compreendido tal mistério foi só uma questão de tempo.


Os Cohens de Lyon se achavam perfeitamente autorizados a buscar analogias entre a religião cristã e a religião de Pasqually a fim de corrigir, explicar e completar uma com a outra. O “livro das orações a cada seis horas” que se parece com o “livro das horas”, composto para o fies ordinários, contém muitas transposições de preces e muitas fórmulas significativas desse estado de espírito. Entre os escritos deixados por Jean-Baptiste Willermoz, se encontra também o curioso apontamento a seguir, durante a elevação, que parece ter sido escrita pela própria mão de Saint-Martin. Associa intimamente o triângulo maçônico, a mística dos nomes divinos, a invocação ao Deus quaternário e a chamada a os espíritos maiores, com a devoção ao Cristo presente na hóstia consagrada; eis tal qual é esse estranho texto:


"No instante em que o sacerdote toma a hóstia para consagrá-la, colocam-se os dois joelhos em terra faça-se , com o polegar da mão direita em esquadro, uma cruz sobre o coração, na parte oposta e no alto do estômago, o que faz um triângulo; faz-se uma quarta cruz sobre a boca, dizendo três vezes: Kadosh. No momento da a elevação se diz: conjuro vos, Angeli, archangeli, Cherubini et Serafini, pelos santos nomes de Deus, a interceder por mim perto do Criador todo-poderoso... In quacumque die invocavero te, velociter exaudi me per Christum filium tuum. Amen".


Todo esse ecletismo pareceria sacrilégio ou pelo mesmo surpreendente, caso não se levasse em consideração que isso demonstra a profunda convicção destes iniciados, bem como seus esforços, para associar a sua nova fé com a sua religião tradicional.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Não temos toda essa “boa vontade” da autora do livro … Qualquer um que conheça a sã teologia cristã e o catecismo católico percebe que essa usurpação do sagrado é sim ação profanadora e sacrílega, constituindo uma verdadeira aberração comportamental ante a sagrada liturgia … Lembramos as santas palavras do evangelho: “Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada. Deixai-os! Eles são guias cegos guiando cegos. Se um cego conduzir outro cego, ambos cairão no buraco” - Mt. 15:13-15; ou ainda “Aqueles que guiam este povo são os mesmos que o desorientam, e aqueles que são guiados deixam-se seduzir e ser conduzidos ao erro.” - Isaías 9:16]


Mas por acaso isso pode surpreender alguém? mesmo depois de olhar o que resta dos escritos de Willermoz sobre as conferências no templo Cohen de Lyon? Se os Cohens de Lyon não tivessem aprendido, graças a fé de seu mestre, a conciliar as diversas noções contraditórias que se apresentavam ante eles, não separando a “potência eterna” da “criação universal”; a fundamentar um ensinamento moral e religioso sobre o livre arbítrio dos seres espirituais, recusando esses mesmos seres a toda existência e todo pensamento fora de Deus; a atribuir ao Maligno a iniciativa e a responsabilidade pela criação do mal, crendo em um Deus único e apenas criador. Enfim, poderíamos estender em muito a lista das dificuldades dessa teosofia.


É sábio fazer isso se desejamos compreender aqueles que, sem serem afetados pela debilidade mental, se consideram “os puros”? Contemplar o mundo da iluminação através do vidro do bom senso e da lógica, assim como uma crítica fria, é correr o risco de não perceber mais do que uma imagem distorcida e caricaturada. A razão não é a fonte das convicções do místico. Ele vê, sabe e crê em tudo primeiro, sua razão só se exerce depois, sobre uma matéria que não pode mudar, assim como faz o físico ao construir uma ciência a partir dos dados que observa. Os Cohens aceitaram de Pasqually uma fé muito desordenada com elementos díspares que podiam ressentir sua “ciência religiosa”, e com certa frequência tendiam a cair no estranho e no absurdo.


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: O parágrafo acima é bem interessante. O autor aqui basicamente sintetiza o que é o pensamento ocultista / esotérico , tanto daquela época como o atual. Teses e proposições como as de Pasqually (Assim como as de Blavatsky, Kardec, Lewis, Levi, Crowley, Leadbeater, Gerard Encausse, Annie Besant, Mathers e outros.) só se tornam palatáveis a partir de uma adesão cega e acrítica daqueles que as abraçam. Provas e coerência argumentativa não são necessárias ou sequer desejáveis. O autor ainda tenta salvar a questão emprestando-lhe ares de metodologia científica ao propor uma analogia do trabalho do pseudo-místico com o de um físico - certamente isso provocaria risos em alguns setores acadêmicos.


Seja como for, a doutrina de Martinez não passava de um emaranhado de teorias confusas, inacabadas e vazias de sentido tanto para o judaísmo quanto para o cristianismo; propomos para reflexão dos irmãos que tudo aquilo que se caracteriza como judaísmo-cristão acaba sempre não sendo nem judaico, nem cristão.


Willermoz e Saint-Martin tiveram que fazer um esforço gigantesco - com resultados para lá de duvidosos - para tentar arrumar a arruaça doutrinal deixada por seu mestre e adaptá-la o máximo possível as idéias cristãs mais ortodoxas, com o fim de deixá-la mais admissíveis para os irmãos do Templo Cohen de Lyon, todos eles cristãos. Para nós, no entanto, tudo o que eles conseguiram fazer de fato foi encobrir os erros de seu mestre com sofismas diversos - ainda que muitas vezes de forma que parece involuntária - cuja adesão só seria possível para aqueles que adotassem a posição cega e acrítica sobre a qual nos referimos poucas linhas atrás; e assim como nos dias de hoje, naquela ocasião também não era difícil encontrar homens dispostos a tal. Isso se dá pelo fato de que teorias como as de Pasqually exercem grande fascínio por parecer corresponder com à sede do maravilhoso e da experiência mística que os homens trazem em seu íntimo. É preciso reconhecer porém que através da história da humanidade, a fantasia e a imaginação muitas vezes preponderam sobre o racional e o lógico, especialmente quando em jogo parece estar a aquisição de poderes secretos, grande sabedoria ou uma pseudo importância cósmica que eleve o homem a um nível acima daquele que a insignificância da existência humana lhe parece sugerir.


Assim, as respostas apresentadas aos discípulos em Lyon acerca das questões universais e a promessa de grandeza àqueles que a elas aderissem seduziram fortemente aquele grupo (especialmente Saint-Martin e Willermoz); todavia, tudo o que ali era proposto não passava de divagações imaginosas, desprovidas de fundamentação racional, histórica ou teológica que as corroborasse. Aqueles que as aceitaram no passado, assim como os que com ela flertam no presente, o fizeram - como bem pontuado pelo autor - sem qualquer sombra de evidências lógicas, de correspondência com a verdade, racional; baseando-se única e cegamente no “ensinamento do guru”. Lembramos a nossos leitores, homens livres e de bons costumes, que a fé cega é característica do fanatismo e da superstição - coisa que a maçonaria se propõe a combater. Ora, a fé autêntica, embora ultrapasse os limites da razão, não dispensa o seu crivo. Quem se afasta dos parâmetros da razão e da lógica, sujeita-se a cair no mais grosseiro dos erros: a mentira]


Willermoz certamente não tinha muito bom senso para dar-se conta das possíveis heresias ou contradições que o pensamento de Pasqually continha. Dedicava tanto esforço para compreender a teoria da Reintegração, que é bem possível que tenha acabado se perdendo em alguns momentos dado a complexidade da mesma, o que ocultava-lhe aquilo que poderia ser tido como algo aventureiro. As exegeses originais de Pasqually lhe pareciam completar as lacunas bíblicas, oferecendo interessantes explicações que o vulgo ignorava. Estava tomado de grande prazer por integrar o pequeno número de Elus Cohens, homens especialmente selecionados por mostrarem-se aptos a conhecer segredos maravilhosos e a renovar as tradições do verdadeiro culto. Para ele, isso já era o suficiente. A íntima satisfação de pertencer a uma “aristocracia secreta de iniciados de altíssimo grau” já compensava as aflições, preocupações, dificuldades e decepções de todos os tipos que frequentemente encontrava ao percorrer a sinuosa estrada a qual Martinez de Pasqually lhe apresentara como caminho.


Não há lista dos membros do Templo de Lyon no correr daqueles anos. Não obstante, o pequeno número de discípulos iniciais ia aumentando à medida que o tempo passava. Temos documentado uma única recepção ao Templo, a de um irmão estrangeiro, o Barão de Eyben, que recebeu a 16 de fevereiro de 1.774 os três graus simbólicos e o grau de Mestre Elu. Sabemos que alguns irmãos da Ordem Retificada: Braun, Bruyset e Marc Revoire de Chambery tinham sido admitidos entre o número de iniciados. Assinalamos que todos eles eram debutantes, aos quais convinha ensinar a doutrina Cohen antes de ensinar o culto. Já no círculo místico, o número de Reau-Croix ficou extremamente restrito, é bem possível que em Lyon, a exceção de Willermoz, não tenha havido ordenação suprema. Uma certa Mademoiselle de Brancas chegou ser iniciada, mas para que fosse admitida nos graus superiores faltava a autorização do Soberano Mestre, o que Caignet de Lestere recusou, dado que não confiava em mulheres. Saint-Martin aprovara tal decisão, julgando que não devia receber na ordem apenas um número pequeno de irmãs, ainda assim examinadas muito escrupulosamente. "Eu apoio o artigo de nossos estatutos que defende que não devemos recebê-las sem uma prova direta e física da própria Coisa"


Já a irmã de Willermoz, Madame Provensal, fora submetida a apreciação de forma muito mais indulgente. Ela era exceção. A “pequena mãe” conciliava suas ocupações de boa dona de casa, a educação dos seus filhos e as suas obrigações familiares, com os seus deveres de frente aos amigos da ordem e seus exercícios espirituais. Uma vida tão completa era paga com graças místicas. No verso de uma invocação, copiada para seu uso por Louis-Claude de Saint-Martin, vê-se uma recitação curta que teria sido escrita por ela e que demonstra o clima de “exaltação e de milagre” em que viviam os Cohen de Lyon .


[Nota do Blog Primeiro Discípulo: A essa altura já não podemos falar dos Cohen de Lyon sem pensar em um grupo revestido com todas a características de uma seita… inclusive o maravilhamento constante a respeito da espiritualidade que imaginam estar vivendo.]


1 de março de 1.777 - "Pedidos feitos e respostas sentidas, que desejo não esquecer nunca, pelo efeito que me causaram:


-O que exige de mim?

- Que me ame

- Continue falando comigo, é você em corpo?

- Sim, eu sou

- Você já disse duas vezes mas duvido ainda de ti.

- Trema para a terceira!

- Perdoe-me ainda esta pergunta. Qual é então seu corpo?

- O que terei no julgamento.


Aqui minhas agitações e o trabalho de dois dias cessaram. Deus vele para que todos os homens experimentem o momento delicioso que que eu experimentei entre meia e uma hora, ante a lareira do salão, após uma comunicação que Deus me tinha permitido fazer…”


Tais fenômenos deviam representar para Willermoz preciosas provas de que a ciência de Pasqually era verdadeira e que seu método era eficaz. E a medida em que lhe depositava mais fé, desejava também ver sua doutrina ensinada e praticada em um templo digno dela.


Todavia tal idílio teve tempo de vida limitado, podendo causas de tal rompimento serem bem menos românticas ou espiritualizadas do que desejado pela maioria. A sociedade dos Elus Cohen atendia cada vez menos aos anseios pessoais (não necessariamente espirituais) de Jean-Baptiste Willermoz. A morte de Don Martinez não havia trazido nenhuma melhora na constituição organizacional da ordem, em teoria sua hierarquia era simples e lógica . Um Grande Soberano era responsável pela direção central da Ordem, com um substituto Geral para a França. Logo após vinham os Reau-Croix, instrutores de seus irmãos, centralizando-se na família de Pasqually. O seu filho, que tinha sido ordenado por seu próprio pai, desde seu nascimento era um membro da Ordem muito importante, pois era alvo da esperança dos irmãos de que herdaria o dom do pai, estando assim amplamente apto a ser, um dia, o Grande Soberano.


Enquanto isso, Caignet de Lestere apresentava dificuldades para dirigir a Ordem a partir de Santo Domingo, raramente se recebiam notícias dele. Seu papel parecia limitar-se a enviar para a França o que restava dos trabalhos de seu finado mestre . Todavia ninguém pareceu inquietar-se a respeito de quem receberia ou não a autoridade soberana na Ordem.


Willermoz não demonstrou preocupações quando foi informado que o segundo sucessor de Pasqually se chamava Sebastian de Las Casas, afinal Las Casas não parecia se esconder dele. O Substituto Geral de Serre desempenhou suas funções com grande discrição. Só sabemos que em 1778 ele ainda tinha a custódia do jovem Pasqually, que acabara de se casar, e que foi para ele que o Abade Fournié solicitou autorização para copiar e distribuir documentos vindos da América.


No âmbito geral os Reau-Croix estavam sem liderança de fato e entregues a seus próprios cuidados. A Ordem estava abandonada ao acaso e a propagandas individuais. Os círculos de La Rochelle, Marselha e Libourne, simplesmente deixaram de existir; os irmãos que a eles haviam pertencido estavam dispersos, alguns acabaram se unindo a lojas do Grande Oriente. No entanto, aqui e ali, subsistiam alguns Templos, como os de Lyon, Versalhes e Toulouse, estando pendente ainda o tema da criação de uma nova oficina em Meaux. A dispersão acontecia nas lojas em geral: Bacon de la Chevalerie tentava desprezar a memória de Pasqually, o Marquês de Lusignan deixava pouco a pouco a dedicação às atividades com “a coisa”. Todavia alguns resistiam; Champollon, Grainville, Willermoz, Hauterive e Saint-Martin; assumiram o papel de propagandistas e de sustentar as bases do pensamento da sociedade Cohen. Cada um livremente assumia uma posição. O ex-secretário de Martinez, o abade Fournié, permaneceu em Bordeaux ao lado da viúva de seu mestre, considerando-se sempre como o Secretário da Ordem. Willermoz mantinha correspondência ativa com ele e lhe enviava uma pensão de 150 libras. A abade guardara consigo a lenda do teurgo desaparecido e por um mimetismo mais ou menos consciente havia assumido a tarefa de substituí-lo; assim como seu mestre, compunha obras inspiradas e se dizia favorecido pelas graças maravilhosas; os espíritos puros operavam durante horas sob suas ordens. Dizia ver o fantasma de Pasqually; conversava com seus parentes desaparecidos; viveu uma espécie de prefiguração os dias de sua própria morte. Saint-Martin admirava muito seus múltiplos dons espirituais, todavia parecia não apreciar a forma com que esse os explicava: “É um anjo puro de coração e pela caridade”, escrevera Saint-Martin, “é um verdadeiro escolhido por sua inteligência; quanto aos favores físicos não sei se nosso falecido mestre recebera-os em tão grande número e de forma tão direta… Mas o que lhe acontece, de forma contínua, consegue explicar expressar de maneira mais inteligível nos discursos do que em suas cartas, onde verdadeiramente não conhece três quartos daquilo que quer dizer” .


Apesar dos edificantes milagres, não havia dúvida de que a Ordem desagregava-se mais a cada dia. Pior ainda, seus segredos eram espalhados entre os profanos, correndo os salões, sendo objeto de conversações de principiantes nos estudos do oculto, dos mistérios. As ideias e os feitos que eram considerados sagrados por Willermoz eram publicamente discutidos e deformados. Em 1.775 Willermoz foi informado de que Bacon de La Chevalerie estava a falar demais, e sem justificativa, a respeito da pessoa do Pasqually. As reprovações que acreditou ser seu dever dirigir-lhe foram mal recebidas. O Substituto Universal não queria receber lições de ninguém sobre sutileza ou sobre indiscrição. Pretendia seguir só, e simplesmente, o exemplo do “audaz Martinez” que não fazia nenhum mistério acerca de seus dons e teorias. Pode-se acreditar que foi Bacon que expos as doutrinas Cohen a alguns de seu amigos do Grande Oriente que haviam demonstrado-se curiosos a respeito dos segredos maçônicos que continham. Mas ele não era o único culpado; o principal responsável pelo interesse indiscreto que havia sido despertado no público sobre o os trabalhos secretos dos místicos franco-maçons era na verdade o mais zeloso dos Reau-Croix: Louis Claude de Saint-Martin.


Saint-Martin nunca havia dado uma excessiva importância à regras e formalidades; o que havia de “humano e de jurídico” na ordem Cohen lhe pareciam cada vez mais um peso desnecessário. Em Lyon, já havia experimentado problemas como membro de uma pequena capela. No futuro, estava disposto a não mais alienar sua liberdade sob o peso de regras humanas. É fato que em 1.776 ele até aceitou desempenhar papel de oficial junto aos irmãos de Toulouse, mas o fez por caridade e sacrifício pessoal. De qualquer forma, já em 1.774 havia dado passos decisivos para fora dos limites da maçonaria, quando escreveu seu livro: “Dos Erros a Verdade”, não para edificar e instruir um pequeno e seleto número de iniciados, mas para expor a sua fé espiritualista a uma multidão de homens. De forma bastante insensível, a visão do mistagogo deu lugar a visão do autor e o zelo para com a ordem deu lugar às preocupações do homem de letras, tão somente interessado em ver nascer a sua obra.


O que realmente era alvo das preocupações de Saint-Martin era conservar seu anonimato, valendo-se disso para a difusão de seu livro. Buscou envolver seus amigos de Lyon para propagar seu livro. Todavia a venda ia muito mal, não provocando qualquer interesse em nenhuma das duas partes alvo, os teólogos e os materialistas . A peça todavia chamou atenção daqueles que amavam a crença em mistérios e no espiritualismo maravilhoso . Logo, o “Filósofo Desconhecido” virou o alvo preferido das conversações dos salões onde, entre um gole e outro, a discussão de temas como religião, mística e ciências ocultas; com os Lusignan, com a duquesa de Bourbon, irmã do duque de Chartres, Grande Mestra das lojas femininas, muito curiosa pela religiosidade e os mistérios, e com Madame da Croix, era muito apreciado.


Genevieve de Jarente, viúva do Marquês de la Croix, que havia sido tenente-geral em Espanha, conheceu Saint-Martin em 1.776 . Logo depois passou a compartilhar e exaltar com entusiasmo suas ideias e a buscar-lhe amizade. Ofereceu-lhe generosamente hospedagem unicamente pelo benefício de tê-lo por perto e assim aprender suas lições. Saint-Martin no entanto não tinha grandes ilusões acerca dela. Caignet de Lestere recusou admiti-la nos graus elevados dos Cohen, e as potências espirituais interrogadas pareciam dar razão à desconfiança do sucessor de Pasqually. A "Coisa" não havia se manifestado para julgar esta "mulher de desejo", seu amigo estava aberto o máximo que podia… “Eu nunca vi uma pessoa tão atenta e ‘ardente’”. Ele estava tentando estabelecer em suas relações com ela uma “moderação sábia”, a fim de salvaguardar sua liberdade e sua própria reputação; tanto para um como para o outro, o "gancho" de uma amizade tão invasiva era assustador.


Confiante em si mesmo, seguiu com diversão e indulgência a rápida marcha dessa senhora em direção a perfeição espiritual, “às vezes a galope, as vezes devagar”. E embora sua proximidade com ela lhe tenha coberto com um “verniz singular”, isso não prejudicou seu sucesso no mundo parisiense. Embora tenha se defendido em alguns momentos nas cartas que direcionava aos contatos de Lyon, vê-se que Saint-Martin sem dúvida desfrutou de uma certa satisfação em suscitar altas questões de espiritualidade com grandes senhores, mulheres ilustres e eclesiásticos importantes, assumindo junto a alta sociedade de sua época um certo “charme” de caráter enigmático, lisonjeador e agradável.


Willermoz considerava essa frívola conduta de Saint-Martin reprovável e julgava com severidade as suas novas relações; o êxito mundano do “filósofo desconhecido” não era suficiente para merecer-lhe uma atenuação de humor. Estava em guarda contra aquilo que considerava perigoso e indiscreto, bem como com o obcecado interesse de Saint-Martin a cerca de opiniões duvidosas e sem moderação; advertia-o ainda sobre a duvidosa reputação de Madame de la Croix.


Mas haviam outras razões para inquietar-se. O cavaleiro de Grainville propôs em 1.778 a pequena comunidade uma espécie de questionário, fruto de sua meditação, que tendia à um novo sistema, quer de explicações doutrinais, quer de cerimônias teúrgicas . Para um homem comprometido, como era Willermoz, com o desejo de conciliação e união, tais iniciativas eram perigosas e mostravam o desregramento em que se encontravam os cavaleiros Cohen mais antigos.


Por outro lado, entre os maçons curiosos pelo ocultismo, criavam-se lojas cuja concorrência era reduzida. Um certo “Rito Escocês Filosófico”, que se pretendia herdeiro de uma “Loja Mãe Escocesa de Avignon”, proscrita no condado, havia fundado na antiga Loja de São Lázaro uma oficina sob o nome de "São João da Escócia" ou "Contrato Social". Apesar da oposição do Grande Oriente, que se esforçava para parar seu progresso e manter sua influência longe das lojas regulares que lhes pertenciam, eles recebiam grande volume de correspondência de outros maçons interessados… O sábio orientalista Court de Gebelin deu em 1.777 sete conferências sobre sua simbologia. Os progressos do Rito excediam em muito os da Ordem dos Cohen e os da Estrita Observância .


Outra loja parisiense, a dos “Amigos Reunidos”, organizava, em seu seio, uma sociedade consagrada a busca dos segredos maçônicos: a Ordem das Filaletas; fundada por um certo Jean-Paul Savalette de Lange, filho de um tesoureiro real, e ele próprio um oficial de finanças. Tal loja parece ter existido desde 1.771. Naquela ocasião tinha como regra não admitir nenhum irmão provindo da maçonaria regular.


A reorganização da Grande Loja da França fez mudar as disposições particulares da loja "Os Amigos Reunidos". Em 21 de junho de 1.773 “ao som dos instrumentos e ao ruído do salitre [sic]” recebeu ai o respeitável irmão Anne de Montmorency-Luxembourg, Administrador de todas as lojas regulares da França. O próprio Savalette logo entrou nos Conselhos do Grande Oriente ocupando todo tipo de funções na Câmara de Administração, e nas províncias; em 1.777 torna-se Secretário de toda a associação. Um grande número de Irmãos distintos, nobres, burgueses afortunados e artistas foram membros de "Os Amigos Reunidos"; em 1.774 eram membros dela o conde de Srtoganoff, Tassin del Etang, o Visconde de Saulx Tavannes, o Abade Rozier, o Marquês de Clermont-Tonnerre, o pintor Hubert Robert e o diretor da Companhia de Indias Jean-Francois de Mery d'Arcy, etc, etc.


Instigados por Savalette, os "Amigos Reunidos" constituíram em 1.775 uma comissão encarregada do estudo das ciências secretas e da busca de vias que poderiam conduzir à verdade. Este movimento desembocou uns anos mais tarde na Ordem dos Filaletas, hierarquia de doze classes que conduziam o irmão de "Os Amigos Reunidos" ao título supremo de "Amigo da Verdade". A sociedade defendia-se de não ser outra coisa que uma sociedade de estudos e de buscas desinteressadas, sendo também eclética, tanto na escolha de suas doutrinas como na de seus membros, deixando a cada um a maior liberdade.


Ninguém além do Grande Mestre dos Filaletas se encontrava à espreita da ciência hermética e dos diversos segredos com tamanha intensidade; a sua curiosidade não se estendia apenas às sociedades maçônicas, mas a todo tipo de seitas místicas não somente de França mas de todo lugar possível. Esforçava-se por conhecer detalhes de sua composição bem como sobre suas doutrinas, interessando-se especialmente nas opiniões que se professavam sobre o mundo imaterial e as relações do homem com os espíritos. Desde 1.775, vemos-lhe "desocupado e curioso", dando voltas ao redor do Filósofo Desconhecido, e oferecendo seus serviços para expandir seu livro. Saint-Martin desconfiava de sua indiscrição, achando-o pouco dotado para a "Coisa". Mas com ou sem a ajuda de Saint-Martin, ele soube obter informações sobre os segredos dos Cohen. Seus informantes foram, sem dúvida, o Abade Rozier ou Bacon de la Chevalerie, que falaram por moto pessoal, assim como certos “amigos reunidos” que foram aceitos entre os Elus Cohen: Saulx Tavannes, introduzido por Hauterive e que era amigo de Saint-Martin, o saxão Tieman de Berend, que mantinha contínuas relações com Willermoz e com o Templo dos discípulos lioneses.


Não há necessidade de pensar, como visto no livro sobre a franco-maçonaria francesa de Bord, que Savalette houvesse sido iniciado diretamente, para utilizar-se da analogia de suas ideias com as dos discípulos de Pasqually.


Seja como for, Willermoz encontrara nesse meio um verdadeiro centro místico do Grande Oriente e o mais fraterno apoio para seus projetos; graças a ele, pôde ver aprovadas pelo órgão diretor da maçonaria francesa as suas lojas reformadas do Rito Alemão. A primeira loja regular que solicitou relações com “La Beneficencia” foi justamente a “Os Amigos Reunidos”. Em 1.777 os dois círculos ocultos de Lyon e Paris buscavam tratar-se bem e trocar todo o tipo de boas experiências.


Mas não obstante as relações amistosas, o que Willermoz constatava a respeito da prosperidade dessa ordem não podia deixar de lhe inquietar, isso dado sua preocupação com o futuro das ordens que lhe interessavam diretamente: Os Cohens e a Estrita Observância. De fato ele estava já Irritado com os defeitos de um e de outro, mas não podia desprender-se deles. Seu desejo por desempenhar um importante papel pessoal e poder dirigir, ele mesmo, uma ordem maçônica a seu gosto, o levariam a lançar-se a inovações aventureiras. Possuía uma profunda fé na parte moral, dogmática e a nível de culto da ordem de Pasqually. A reforma templária do Barão Hund o agradara pelas qualidades mais externas, pela religiosidade de suas cerimônias e pela sua ritualística, parecendo-lhe bastante adequada para conduzir o maçom iniciante em direção a uma instrução superior, ao mesmo tempo em que o número de lojas na Alemanha, Escandinávia, Suíça e Itália, constituíam em si um vastíssimo campo para possível propagação.


Pouco a pouco, Willermoz foi amadurecendo projetos de sérias reformas, com o fim de unir o melhor que os dois grupos (Cohens e EOT) possuíam. Os quadros da Estrita Observância Templária porventura não poderiam servir para divulgar os ensinamentos Cohen? Não era essa já a hora de fundar uma sociedade capaz de atrair os “homens de desejo”, agrupando-os, e sob uma direção bem ordenada ensinar-lhes a verdadeira doutrina ao invés de assisti-los perdidos em vãs buscas? Sobre essas questões e seus projetos tratou-os com Paganucci, amigo que sempre o apoiava, com Perisse Duluc, um dedicado discípulo seu que sempre havia sido bom confidente em todas as suas experiências secretas, seu irmão o doutor Pierre-Jacques. Os primeiros só eram colaboradores dos fiéis reflexos de seu pensamento. Quanto ao doutor, como vivia em Lyon nessa data, não temos nenhum testemunho do que pensava, nem se Jean-Baptiste o havia procurado mais uma vez em busca de conselhos.


I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere !!!






























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