Dando prosseguimento a nosso projeto de traduzir na integra a obra "Un Mystique Lyonnais et les Secrets de la Franc-Maçonnerie - 1730 - 1824" da arquivista francesa Alice Joly, chegamos ao capitulo VII. Parte do que se segue já o opresentamos em outras publicações: A Classe Secreta dos Professos do Regime Escocês Retificado - Parte I , A Classe Secreta dos Professos do Regime Escocês Retificado - Parte II, A Classe Secreta dos Professos do Regime Escocês Retificado - Parte III, A Classe Secreta dos Professos do Regime Escocês Retificado - Parte IV e Os Colégios de Grande Professos.
A Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa. - Propagação e sucesso da reforma de Willermoz. - As bases maçônicas de Mâcon, Grenoble e Paris. - Listas de membros da Beneficência de 1780 a 1782. - Um iniciado dedicado, o Conde François Henry de Virieu. - O Duque de Havré de Croy, Grande Mestre Provincial. - Dificuldades com o Grande Oriente. - A Profissão de acordo com seus estatutos. - Colégios e Grandes Professos. - A Doutrina Secreta. - Objecções de Joseph de Maistre. - Persistência do culto Cohen. - Os documentos de Prunelle de Lière. - A importância de J.-B. Willermoz no meio dos ocultistas.
Os anos que se seguiram ao Convento da Gálias foram anos de intenso trabalho para Jean Baptiste Willermoz. Em 10 de dezembro de 1778, data da conclusão do congresso, o novo regime se viu criado e, na presença de todos os delegados nacionais, os grande oficiais da Província de Auvergne aceitaram as atas, códigos, rituais, graus, instruções e regulamentos que haviam sido promulgados. Sua aprovação, no entanto, fora supérflua, pois como membros do convento, já tinham votado o que lhes fora pedido ratificar. Com isso, se viu o desaparecimento do Capítulo Templário fundado pelo Barão Weiler.
Depois do encerramento do Convento, Lyon deveria ser a sede de três organizações distintas: um Priorado, uma Prefeitura e uma Comendadoria. Além disso, um Comitê Permanente de Administração, composto por um administrador (que não poderia ser o Grão Mestre, o Visitador Geral, o Chanceler Geral, o Grão Prior de Lyon nem o Prefeito de Lyon) devia dirigir toda a Província e regulamentar os assuntos dos três Priorados: Lyon, Paris e Aix. As lojas de Paris e Aix só existiam em projeto, além disso apenas três pessoas compunham o Comitê Diretor que deveria, por regra, ser composto por cinco pessoas, isso pelo fato de que o Administrador Geral, Prost de Royer, era também Grão Prior de Auvergne, e Gaspard de Savaron, Visitador Geral, acrescentava o seu cargo ao de Prefeito. É inútil precisar que o terceiro membro era o mesmo Willermoz, sendo ao mesmo tempo, naturalmente, Chanceler Geral e Chanceler da Prefeitura de Lyon.
Apesar desta aparência de reforma, nada mais havia a mudar na província maçônica. Os mesmos personagens se encarregavam dos ofícios do Priorado, da Prefeitura e da Comendadoria, os quais já haviam sido Oficiais no Capítulo Templário. Os dignitários que ficaram de fora se queixaram e, como "consolação", lhes foi dado o título de Conselheiros de Honra. Os mesmos nomes que se encontram nos protocolos do primeiro Diretório de Auvernia também se veem no segundo. O grau de Socius foi suprimido substituindo-se pelo de Conselheiro de Honra, que prestava os mesmos serviços. Foi concedido ao Príncipe Georges Charles Louis de Hesse Darmstadt, que havia solicitado anteriormente, a filiação no Capítulo de Lyon; também a Christian de Durkheim, agente designado ao lado do Diretório de Brunswick; e, naturalmente, a Bacon de la Chevalerie, sendo plenipotenciário dos Diretórios Escoceses no Grande Oriente. Todas estas mudanças superficiais nunca obscureceram a existência do círculo de maçons que se agrupava em torno de Willermoz; tanto sob o novo nome adotado de Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa, como os anteriores a isso, que dependiam estritamente dele, sendo na verdade seus discípulos diretos e servindo de instrumentos para seus projetos.
A primeira coisa a fazer era estender a reforma ao maior número possível de lojas. Willermoz já tinha aprovado, desde a época do Convento, o texto de uma circular destinada a constituir uma introdução ao texto do Código reformado. A totalidade, dirigida às lojas da Estrita Observância Templária, devia servir como apelo aos resultados que os Diretórios franceses se gabavam de ter obtido. Isso não era nada; o espírito da maçonaria antiga tinha-se reencontrado com a chave de fundação da Ordem; tinha-se criado uma verdadeira autoridade, inspirada no mais puro cristianismo, que presidia as obras caritativas, reprovando os graus de vingança e fazendo reinar entre os Cavaleiros Professos a mais perfeita igualdade. No início, essas maravilhosas novidades não suscitaram grande curiosidade. Não obstante, os resultados da propaganda não foram desanimadores. O Comitê Nacional que tinha sido criado no último momento, com o fim de receber as adesões à reforma, teve algumas ocasiões para reunir-se e registrar os êxitos obtidos. Os Helvetianos foram os primeiros a aceitar as decisões do Convento das Gálias em 13 de março de 1779; sua atitude compensava um pouco o silêncio no qual o Diretório da Occitânia adora de forma definitiva desde então.
No mês de abril, deputados do Grande Capítulo de Lombardia de Turin foram recebidos com grande pompa; eram eles: o Dr. Giraud, A. Serpente, Chanceler, o Irmão A. Columba Rubra e J.J. Vignée, Procurador Geral. Representavam, com plenos poderes, o Grão Mestre da nova Província autônoma da Itália o conde Gabriel de Bernés, Eques A. Turri Aurea.
Não obstante, não foi antes de 10 de maio que os códigos, rituais e documentos necessários para sua investidura como Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa fossem remetidos pelo Chanceler Nacional. Os diretórios suíços, por sua vez, se mostraram bastante favoráveis às reformas de Lyon; Isso pelo fato de que as lojas da Suíça Francesa se uniram ao sistema alemão, já as lojas germânicas, sob a influência de Diethelm Lavater, Prior de Helvetia, se uniram as de Borgonha, aceitando as decisões e os regramentos do Convento de Galias. Em 11 de fevereiro de 1781 o Diretório de Lyon informou também que o Oriente de Haya se uniria, para os graus simbólicos, ao Diretório de Borgonha.
Na Província de Lyon a Ordem se expandia. Em Chamgery, apesar da oposição da antiga loja "Os Três Morteiros", "A Perfeita Sinceridade" também estava crescendo. Em Mâcon, um certo Irmão Desbois, que já havia mantido correspondência com Willermoz, solicitou em março de 1779 os poderes necessários para fundar a loja "Cavaleiros Benfeitores". Os irmãos de tal região, recorriam a Lyon para receber os graus; entre eles, Pierre Paul Alexandre de Monspey, que fora recebido Cavaleiro em 12 de dezembro de 1779; oficial aposentado, após ser ferido na batalha de Lutzelgerg em 1758, o recém-chegado pertencia à Ordem de Malta. Ele também era um membro distinto da nobreza.
Todavia uma conquista ainda mais espetacular se fez notar: um circulo de maçons de Grenoble solicitou, em setembro de 1779, ser retificado com o título "A Beneficência". O grupo de Irmãos incluía, em primeiro lugar, Henri de Virieu, de vinte e cinco anos e Coronel do Regimento Monsieur de Infanterie; Armand de la Tour du Pin Montauban e Gaspard de la Croix de Syve; entre os burgueses, Yves Giroud, escriturário do Tribunal de Graisivaudan, André Faure, advogado do Parlamento e Leonard Prunelle de Liére. Tal reunião de personalidades ilustres, detentores de vários títulos, e o caráter entusiástico e franco do jovem Conde de Virieu, exerceram forte influência - facilmente compreensível - sobre os maçons de Grenoble; duas outras lojas pediram para ser adicionadas a “A Beneficência", “A Igualdade” em 1780 e “A Perfeita União” em 1781. Uma loja dependente de Lyon também foi fundada em Crest, no Drôme. Grenoble, erigida como Comenda, merecia, mais do que Chambéry, ter o título de Prefeitura; no entanto, até então, nada fora decidido.
Francois Henri de Virieu, A. Circulis, seu Comendador, foi chamado a assumir em Paris o posto de coronel do regimento de Monsieur, porém, nem sua carreira militar, nem seu zelo pelo futuro e nem mesmo seu matrimônio, esfriaram seus cuidados pela Ordem de Willermoz. Ele se ocupou de fundar uma "Beneficência" parisiense, núcleo do futuro Priorado da França, pondo à disposição da Ordem suas altas relações e amizades, com o fim de encontrar um Grão Mestre Provincial que pudesse honrar toda a sua associação trazendo-lhe o verniz mundano que ainda lhe faltava.
Após a morte de Charles de Hund, a Província de Lyon se encontrava sem um Grão Mestre. Jean-Baptiste Willermoz, apesar das cartas onde Ferdinand Brunswick o pressionava para realizar eleições para Grão Mestre, sem dúvida não havia encontrado, até aquele momento, ninguém que lhe parecesse conveniente. É fato que não procurara com muita afinco, querendo conservar sua independência e a influência direta que exercia sobre os seus. Mas uma vez instaurado, segundo seus desejos, uma Maçonaria perfeita, não podia ser indiferente ao brilho que o patronato de um senhor nobre traria. Faltava descobrir se ia ser "chamativo" o suficiente, e não ter muitas ideias pessoais, bem como não se envolver em coisas que não fossem de sua competência.
Foi Henri de Virieu o articulador da eleição do Duque de Havré de Croy, assegurando assim o sucesso dos avanços feitos neste assunto. A primeira notícia desta brilhante candidatura foi levada a Lyon em 1780 por um grupo de maçons de Turim, o Marquês de Caluze, e um certo Pepe, sacerdote, os quais vinham de Paris carregados de confidências, de projetos, e de comissões do Irmão A. Circulis. Willermoz aplaudiu a eleição que tinha sido realizada. No entanto, desconhecia os conhecimentos maçônicos do duque. Mas, sem dúvida, esse ponto lhe parecia de pouca importância, dada a nobreza e “brilho” do pretendente ao posto. O duque tinha 36 anos, era príncipe do Sacro Império, governador de Selestat na Alsácia e comandante do regimento de infantaria de Flandre. Estes títulos e sua alta nobreza pareciam apropriados para dar suficiente crédito à Província de Lyon da Ordem maçônica retificada.
Ferdinand de Brunswick apoiou fortemente a eleição do Duque de Havré de Croy. Para Willermoz, restava então entronizar seu Grão Mestre Provincial da forma mais solene possível. No entanto, era necessário instruí-lo e disso encarregaram-se Henry de Cordon e o Conde de Virieu. Teria sido oportuno se o futuro Grão Mestre fosse a Lyon como um simples aspirante a Ordem Interior para receber os títulos de Noviço e Cavaleiro; mas o Duque aceitou que ele recebesse o nome de Augustus a Porto Optato, assinasse as fórmulas de juramentos e as "capitulações", verdadeiro tratado em vários pontos que definiram seu papel e seus direitos caso ele aceitasse as várias dignidades do Grão Prior da França, Presidente do Diretório Escocês de Paris, Grão Prior "ad honors" de Lyon, que o Comitê Diretivo de Auvergne enviara a ele. Isso sem se apegar as formalidade que exigiriam sua coordenação e sem considerar se valeria realmente a pena levá-lo a conhecer as pessoas que possibilitaram acessar o grau maior em sua sociedade.
Não havia um regulamento pronto para a eleição de Grão Mestre Provincial. Willermoz trabalhou, portanto, para designar os Irmãos que teriam o direito de votar, pessoalmente ou em nome das diversas categorias: Prefeituras, Comendas, Conselho de Honra, etc. que eles próprios representavam. A eleição organizada ocorreu em 21 de janeiro de 1781 em um Capítulo solene - tanto quanto possível que tentou ser, pois não era composto necessariamente de um numero ideal de maçons, pois tinha apenas uma dúzia de membros - E em 1º de fevereiro, os agradecimentos do duque foram expressos, mas apesar dos pedidos de Jean-Baptiste Willermoz e de sua paciência, Auguste de Croy nunca chegou, de fato, a assumir o cargo.
Outro Capítulo solene teve lugar em 3 de Março de 1782, onde se procedeu à instalação do Grão Mestre da Província. O Decano Jean de Castellas, que representava o duque de Havre, prestou - em sua representação - os juramentos convenientes, recebendo em seu lugar o beijo dos Irmãos e discursando por ele no banquete que se seguiu. O Muito Ilustre Grão Mestre Augustus A. Portu Optatu não esteve presente nessas cerimônias, sendo representando por uma imagem que o Irmão Cogel havia realizado dele, e da qual se havia feito uma pomposa inauguração na sala da Prefeitura.
Outro importante irmão que faltou à cerimônia foi o Administrador Geral Prost de Royer, que era o segundo em grau de hierarquia do quadro de dignidades da Província Templária. Na verdade ele já vinha demonstrando, há algum tempo, sinais de desânimo para com a Ordem Retificada. Em 28 de setembro de 1781, por exemplo, ele havia expressado desejo de renunciar a todas as dignidades que possuía entre os Cavaleiros Benfeitores. O cargo de Comissário Geral de Moedas, que acabara de receber, não lhe permitia ter tempo suficiente para lidar com assuntos maçônicos (ou ao menos ele estava utilizando tal argumento como pretexto para afastar-se). Willermoz respondeu a essa ausência apresentando ao irmão os pesares do Capítulo e rogando que ab Aquila permanecesse como Conselheiro de Honra, a fim de não “privar toda a Ordem de suas luzes”. Apesar de toda essa "mostra de afeto" Prost de Royer, quer por fadiga real ou por desapego, não parecer ter se preocupado em voltar a colaborar com Willermoz e seu "séquito". Digo “parece” por não termos muitas peças oficiais depois de tal data para falar das atividades da Diretoria de Lyon Seja como for, nenhum Administrador foi nomeado para substituir aquele que estava saindo, e Gaspard de Savaron assumiu o cargo de Grande Prior.
Tudo o que foi feito com vistas a nomeação de um Grão Mestre, sobretudo a fundação de uma “A Beneficência" em Paris, não se fez sem suscitar algumas dificuldades com o Grande Oriente e sem provocar o mal humor de Bacon de la Chevalerie, que via com despeito o zelo de neófito que demonstrava o Conde de Virieu. Aludindo aos poderes secretos que Weiler lhe havia confiado em 1774, a fim de associar o Rito Francês com o Rito Alemão, o Irmão ab Apro pretendia ser o único qualificado para ocupar-se dos assuntos da Ordem nos meios de comunicação parisienses. Por outro lado, já havia prometido ao Duque de Chartres as mais altas dignidades que pudessem oferecer os Diretórios Escoceses da França e se irritava ao constatar que nada havia sido decidido a respeito.
Willermoz argumentava que tais prerrogativas eram “ilegais” e que, desde os tempos de Weiler, ele também tinha direito de poder controlar as ações de seu deputado. De fato, depois do Convento de Gália, o Chanceler de Lyon, cada vez mais, dispensava seu representante oficial. Pretendia ele empregar mensageiros mais dóceis e menos informados acerca de sua propaganda? Estaria de fato desinteressado no Grande Oriente? Sem dúvida, ele era muito prudente para arriscar alienar-se com os grandes senhores que lideravam a maioria dos franco maçons franceses e para irritar Bacon de la Chevalerie. Algumas ameaças já estavam surgindo. Não foi senão para formar uma unidade que, voltando de sua atenção ao Rito Filosófico Escocês, o Grande Oriente chegou a acordar um tratado de aliança com aquela sociedade rival, que também pretendia realizar pesquisas históricas sobre a Maçonaria e estudar seus segredos?.
Em outubro de 1780 Bacon chegou a Lyon para expor ao Diretório as dificuldades que estava encontrando ao tentar desempenhar seu papel de defensor da Ordem Retificada, além dos males que causavam as iniciativas inoportunas que tomavam sem seu conhecimento. Aproveitou para advertir os Lyoneses que estavam enganados em pensar que eram os mestres perfeitos de sua sociedade na França, informando-lhes que havia em Paris outros Irmãos Escoceses do Rito Alemão, os suecos, que tinham uma loja aberta e conferiam graus e títulos a quem lhes agradava, sem nunca levarem em conta a autoridade de Lyon. Recordou ao Diretório os seus antigos poderes e os serviços que havia prestado oferecendo, então, a sua demissão.
Willermoz empenhou-se para acalmar o furor de seu confrade e o levou a retomar suas atribuições. Já havia decidido que cumpriria as promessas feitas ao Duque de Chartres. O título de “Protetor das Lojas Reunidas e Retificadas de França” lhe parecia suficientemente honorífico (e também insignificante) para atender a todos os interesses. Bacon ficou encarregado de oferecer esta dignidade ao Sereníssimo Grão Mestre do Grande Oriente. Por outro lado, para mostrar que os Diretório Escoceses não consideravam caduco seu tratado de aliança, foi-lhe confiada a missão de unir o Priorado de Montpellier ao quarto Diretório da Ordem Retificada.
O Irmão Ab Apro, agora tranquilizado, aconselhou os Lyoneses a demonstrarem sua amizade aos maçons regulares de uma maneira tangível, aderindo a uma obra de caridade da qual se ocupava o Grande Oriente. Deveriam, pois, fornecer leite puro e saudável ao Hospital Infantil em Paris. Willermoz convocou voluntários e enviou, por meio destes, aos três Diretórios franceses o projeto de beneficência. Em 6 de fevereiro de 1781, Bacon, já reconciliado e muito elogiado por Prost de Royer, assistiu a uma reunião do Diretório onde, entre outras coisas, foi encarregado de levar a Paris a soma de 7.920 libras, total arrecadado pelos Cavaleiros Benfeitores com a finalidade de participar da ação caritativa mediada pelo Grande Oriente. Também fora encarregado de levar os extratos das Atas do Convento de Galias. Esses acontecimentos revelam muito bem que uma das causas do descontentamento do irmão ab Apro e dos Diretórios do Grande Oriente para com a Ordem Reformada era que Willermoz havia negligenciado seus deveres deixando de prestar contas acerca dos resultados de seu Convento Nacional.
O importante é que agora reinava a paz em Paris entre aqueles que haviam sido, em outros tempos, os primeiros aliados das lojas francesas da Estrita Observância Templária Alemã e o grupo que Henri de Virieu tinha agrupado em torno do Duque de Croy em “A Beneficência" de Paris. Willermoz pensava em consegui-la convidando, por um lado, a ab Apro a respeitar as prerrogativas do novo dignitário da Ordem e, por outro, recordando ao Conde de Virieu que convinha atuar em perfeito acordo com Bacon da Chevalerie e com o Irmão d'Arcambale em todos os assuntos que tocassem, ainda que pouco, o Grande Oriente. Mas tal colaboração era difícil.
É evidente que os irmãos do Regime Retificado definitivamente não se entendiam com os demais maçons do reino no que tange a forma de conduzirem-se. Isso porque o Diretório de Burdeous - que havia evoluído favoravelmente depois de 1773 - se posicionava com entusiasmo quanto a aceitar uma aproximação com as lojas do Rito Francês, anunciando seu desejo de nomear o Duque de Chartres como seu Grão Mestre Provincial; já Lyon retrocedia sobre seus passos demonstrando grande desconfiança para com os projetos caritativos a favor das "crianças atendidas" pelo hospital em Paris. Estrasburgo, por sua vez, crendo que a eleição de um “protetor francês" acentuaria o caráter autônomo das três Províncias francesas da Ordem Alemã, solicitou que se apagasse do Código tudo o que havia sido trazido ao Governo nacional. É verdade que este corpo estava bem pouco ativo e que quase não representava risco de lançar qualquer sombra sobre o Irmão ab Eremo e sobre o Capítulo de Lyon para o Diretório Geral de Brunswick, então eles concordaram em aboli-lo. Assim, embora em 1778 o Convento de Lyon tenha fundado a Ordem dos Cavaleiros Benfeitores para reformar a Ordem alemã, dando-lhe uma constituição própria mais condizente com o caráter francês, em 1781 os Cavaleiros Benfeitores, apesar de algumas prudentes precauções para acalmar as lojas nacionais, voltaram-se cada vez mais para a Alemanha.
Mas um fato deu-se que acrescentaria um interesse mais vivo entre as relações que as Províncias francesas mantinham com o Diretório de Brunswick: O Sereníssimo irmão Grão Superior a. Victoria havia anunciado depois de 1779 sua intenção de reunir um Convento Geral da Ordem Retificada e, pela primeira vez, convidava de forma especial os irmãos franceses.
A preparação do Convento Geral da Ordem Retificada toca a tal ponto a propaganda mística de Jean Baptiste Willermoz que fica difícil abordar o aspecto exterior do que aparece nos registros dos Protocolos do Diretório de Lyon sem nos lançarmos a alguma especulação acerca da mesma. Não se conhece muito bem a verdadeira inspiração desse círculo maçônico, e se conhecemos algo a seu respeito isso se deve às notas apresentadas acerca das sessões do Comitê (que temos aqui resumido). Sua verdadeira atividade, sua razão de ser, não se encontrava nos assuntos oficiais. A prova da falta de interesse de Willermoz pelas questões administrativas pode ser vista nos mesmos registros. Após 10 de dezembro de 1.778, as notas do Comitê Diretor da Provincia de Auvérnia foram redigidas de forma negligente. Numerosas páginas foram deixadas em branco e não foram substituídas; já os registros das sessões foram feitos em folhas soltas (a parte). O conjunto (como um todo) dá a impressão de desordem. A parte mais interessante da história dos Cavaleiros Benfeitores é a história da fundação e do desenvolvimento dos círculos dos Professos. Os graus característicos da Profissão, classe misteriosa somada aos graus ostensivos da Ordem Retificada, onde se guardaria o segredo da maçonaria primitiva, já estavam fixados antes da reunião de 1788; todavia se encontravam em estado de esboço. Quando os congressistas se dispersaram, Willermoz, com a ajuda de seus colaboradores, dedicou-se a dar os últimos retoques às regras e estatutos, assim como as instruções da Profissão e da Grande Profissão. Neste trabalho, Perisse e Paganucci serviram unicamente como copistas; Willermoz decidiu tudo cuidando de cada detalhe.
O objetivo da instituição era iniciar aqueles dentre os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa que fossem julgados dignos do “conhecimento dos mistérios da antiga e primitiva maçonaria, assim como dignos de receber explicações sobre o significado dos símbolos e das alegorias maçônicas". Mas que tipo de Cavaleiro poderia ser julgado digno de ter acesso a este grau mais elevado e a seus segredos? Willermoz se preocupou em definir claramente quais eram as qualidades e os defeitos que determinariam a possibilidade de recrutar ou não um Cavaleiro para tal grau. Era necessário estabelecer regras claras, já que designados os primeiros professos, a eles caberia recrutar outros. O sujeito devia ser virtuoso, de boa reputação e possuir sólidos princípios religiosos. Carregar orgulho excessivo sobre seu nascimento, ser vaidoso quanto a seus talentos e ser demasiado inclinado às ciências naturais, eram más qualificações, quase proibitivas, assim como ter uma imaginação exagerada. Willermoz não queria que fossem escolhidos, portanto, espíritos tímidos e muito apegados aos preconceitos da época; Também proibiu personagens fracos e aqueles que poderiam ser culpados de frivolidade ou inconstância.
O artigo II dos estatutos descrevia assim a instituição:
“Os graus se realizam em dois tempos ou atos, que exigem em cada um compromissos particulares relativos a seu objetivo. O primeiro (dos Professos) destina-se unicamente a indicar a necessidade e o objetivo das iniciações, sendo apenas preparatório para o segundo. O segundo, chamado de Grande Professão, concede o título de Grande Professo. Cada uma dessas classes tem uma palavra particular para reconhecimento dos irmãos”.
Os Professos e os Grande Professos tinham a obrigação estrita de esconder sua qualidade como tais e, naturalmente, as instruções a que teriam acesso, tanto dos maçons comuns como dos Cavaleiros Benfeitores.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Não é necessário muito esforço intelectual para se constatar características sectárias na proposta ora apresentada. A palavra seita vem do latim secta e significa cortada, separada. Uma seita é a reunião de um grupo de pessoas cuja concepção de mundo peculiar própria deriva dos ensinamentos principais de um grupo maior (geralmente religioso) e dele se torna uma espécie de “variação” regida por ensinamentos ou interpretações diferentes do mesmo. Na maioria das vezes julga-se maior, melhor ou mesmo mais puro do que o grupo que lhe deu origem e, em todas as vezes, crê-se apto a transmitir um tipo de verdade que o outro falhou em transmitir.]
Depois de conhecidos os estatutos e os rituais, o cerimonial da Ordem era simples e totalmente impregnado de religiosidade, muitas das expressões originais e dos símbolos dos Elus Cohen eram nele utilizados.
No primeiro grau se dava uma reunião de Cavaleiros Professos já iniciados. O recepcionado pronunciava o seu compromisso e depois o assinava. Recebia então a instrução secreta e lhe era dada também a palavra de reconhecimento do grau. Tal compromisso era o mesmo que tinham assinado os membros do Convento de Lyon e a instrução dada era provavelmente a mesma de Turkheim lhes havia comunicado. Desta forma estava o Professo apto a compreender o que deveria entender por “mistérios da antiga e primitiva maçonaria”. Tratava-se de um sistema teosófico inspirado na Bíblia e cuja originalidade consistia em dar prosseguimento à essência mesma da Maçonaria e, mais ainda, a de todas as religiões da terra; a essência de toda verdade.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Não estamos certos acerca do quanto essa ideia de "essência de todas as religiões da terra” avançou dentro do Regime Retificado. Basta ver a instrução do grau de Mestre Escocês de Santo André onde se excluiria a possibilidade de um não cristão aderir às fileiras da Ordem: “Os quadros colocados sob teus olhos, as explicações que te foram feitas, e as instruções que tu vens recebendo há muito tempo, te fazem conhecer bastante àqueles que não professam a religião cristã, e que não são admissíveis em nossas Lojas.”]
Tal como na Sociedade dos Cavaleiros Benfeitores, os graus simbólicos eram apenas etapas preparatórias para a terceira classe; mesmo o grau de Professo nada mais era do que um “grau de espera”, um “tempo” em que os instrutores julgavam o valor e as aptidões daquele que queria se tornar Grão Professo. Não existia um tempo determinado para se alcançar o grau seguinte posto que isso dependia “unicamente dos sentimentos e das disposições do candidato".
Mas era no grau seguinte onde se deveria começar a verdadeira instrução secreta. No entanto se dava com a mesma solenidade que o primeiro. O candidato escutava a leitura dos estatutos aos quais deveria aderir. Então se ajoelhava diante do presidente da sessão e pronunciava seu compromisso especial, fazendo com a mão o sinal maçônico do companheiro. Depois assinava o compromisso de seu grau e começava já a contar entre o número dos Grande Professos. A recepção acabava com a leitura de uma instrução especial onde se explicava a “verdadeira causa da iniciação” e se pronunciava a palavra de passe do grau. Assim, introduzido entre seus pares, o novo Grande Professo podia já participar dos círculos de instrução e conferências livres, onde reinava a igualdade e onde não se fazia nada depois das orações rituais, além de ler e explicar cada ponto da doutrina secreta.
A Ordem tinha uma espécie de centro comum onde se encontrava o depósito das instruções. Era esse centro que dirigia o ensinamento e dele dependia a criação de Colégios de Grande Professos. Era necessário que houvesse três Grandes Professos na mesma cidade para que fosse possível constituir um Colégio Especial, ou seja, um verdadeiro ramo do Colégio Metropolitano, possuindo cópia dos compromissos, estatutos e disposições preliminares com o direito a recrutar e instruir novos membros.
O Colégio Metropolitano tinha três dignitários: o Presidente, o Depositário e o Censor dos Colégios Particulares; neste modelo deveriam eleger, na medida do possível, os mesmos oficiais.
A capital da associação era Lyon. Nos estatutos Willermoz disfarçava a razão essencial deste fato sob amplas considerações geográficas e sempre se preocupava em esconder o seu verdadeiro papel, fazendo recair sobre o Convento de Galias a responsabilidade de tal organização.
O Presidente era um personagem decorativo que dizia as orações antes e depois das reuniões, recebia os Irmãos admitidos e fixava a data das conferências. Devia tratar com o Depositário e o Censor para toda nova fundação e suas três assinaturas autenticavam os documentos que emitiam aos Colégios particulares em nome do Colégio Metropolitano. O Censor era uma espécie de Vigilante cuja tarefa era antes de tudo fazer respeitar os regulamentos.
O Depositário era o verdadeiro chefe da Ordem, já que o objeto da associação era o estudo de uma doutrina que somente ele conhecia bem. Consagrava-se a "correspondência pessoal e direta com aqueles de quem houvera recebido o depósito das instruções, dos quais se podia esperar um acréscimo da luzes, mas isso não significava que se dava alguma comunicação dessa correspondência, fazendo-se segundo sua prudência tanto ao Colégio Metropolitano como aos Colégios particulares".
Apesar da imprecisão desta fórmula, não se pode dizer que o árbitro último dos misteriosos correspondentes, o Depositário, não tinha que dar nenhuma explicação quanto à origem dessas instruções, no caso de variações que poderia introduzir posteriormente. Por outro lado, enquanto os outros dois altos dignitários do Colégio eram eleitos pelos Grandes Professos, era o Depositário quem designava a seu substituto a quem especificava quais seriam seus poderes e seu cargo.
Pode-se supor que Willermoz havia reservado para si, dado a liberdade e importância de suas funções, o cargo de Depositário Geral, já que era um cargo feito exatamente para seu uso pessoal. Graças a esses arranjos confortáveis, a Sociedade dos Professos, uma Confederação de Colégios de iniciados fora das Lojas, apresentou-se como uma organização flexível e simples que dependia inteiramente dele.
Ao estudar os estatutos, parece que o Lyones não desejava fundar um instituto de ciências secretas à maneira dos Filaletas, mas uma escola de caminho espiritual e de aperfeiçoamento místico. Para conhecer a verdade o Professo tinha que merece-la; era-lhe recomendado controlar suas paixões, praticar a caridade e testar sua coragem e fé. O compromisso do Professo não era apenas o juramento de silêncio, mas um ato de fé ao Deus Todo Poderoso. O Grande Professo assumia compromissos mais precisos, como afirmar seu vínculo total com a religião cristã, fazendo voto de perfeição. Ao final de seus compromissos, como nas orações rituais, que abriam e encerravam as sessões, imploravam a ajuda de Deus e de suas luzes.
Willermoz estava tão convencido de que o êxito de seus ensinos dependia das disposições que traziam seus discípulos, que aconselhou os instrutores a não usar muito a persuasão para com os sujeitos lentos em compreender, ou que levassem a matéria à discussão; o melhor era não acelerar artificialmente uma instrução que deveria tornar-se uma verdadeira conversão como obra da vontade, mais do que da inteligência.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: O que se observa aqui é mais uma característica de seita: a denegação do pensamento crítico e a concentração do ensino sobre aqueles que se mostrassem aptos a aderir “in totum” a filosofia do mesmo. demonstrando (desde o início) disposição à conformidade e identificação com o grupo.]
Para garantir a atenção dos iniciados acerca da importância que tinha o esforço pessoal do mesmo na caminhada a qual se abria para ele, Willermoz acrescentou mais tarde ao cerimonial de recepção aos Grandes Professos um "Diálogo entre o Chefe Iniciador e recém recebido” insistindo unicamente nesse ponto. O discípulo aprendia que não deveria pedir revelações próprias para satisfazer sua imaginação; propunha-se lembrar "que um verdadeiro desejo sem mistura de motivo humano" é o que mais importa e que o caminho da ciência passa pelas regiões áridas do sacrifício e da mortificação do coração e do espírito.
É o que já permitia prever a prova do grau simbólico de Companheiro, onde Diante de um espelho coberto por um véu, era dito: “Se o desejas verdadeiramente, tens coragem e inteligência, afasta este véu e aprenderás a conhecer-te.” Essa bela prova, certamente agradava muito a Willermoz por sua aparência enigmática e pela duplicidade de seu sentido extraído diretamente do ensinamento de Pasqually.
A doutrina dos Cohen, já o sabemos, estabelecia entre a natureza do homem e do mundo estreita correspondência, pretendendo que quem a soubesse ler em si mesmo, conheceria ao mesmo tempo o plano divino.
Mas se Willermoz defendeu as qualidades de coragem e vontade, seguindo seu mestre, também representou uma tradição mais geral; seu ensino goza de todos os métodos de treinamento místico. É uma realidade experiêncial que toda vocação espiritual exige sobretudo esforço. A alma que busca a verdade, a arte ou o divino necessita de uma forte vontade para afastar-se dos hábitos e das aparências, tendendo para o mundo especial de sua contemplação. No entanto, não podemos deixar de pontuar que o Chanceler de Lyon só conseguiu compreender da vida mística o papel da vontade e da renúncia: Quanto tempo ele hesitou no limiar do templo Cohen? Quantas cartas enviara a Bordeaux expressando suas dúvidas e decepções? É verdade que por muito tempo ele esperava obter sua própria conversão espiritual, não por esforço e desejo, mas pelo caminho mais fácil dos fenômenos e maravilhas sensíveis. É sempre mais fácil dar conselhos sábios aos outros do que praticá-los em si mesmo. Em todo caso, deve-se dizer, em defesa do Chefe dos Professos, que a falta de concordância entre seus princípios e sua conduta não vinha dele, mas de seu professor. A doutrina de Pasqually, com todas as suas pretensões à espiritualidade, era, acima de tudo, um sistema mágico bastante grosseiro, ou pelo menos bastante material. Nenhum dos Cohens, nem mesmo o mais dotado para a vida mística, jamais se livrou das tarefas iniciais daquele mau começo. Willermoz, que não estava entre os mais talentosos discípulos, na verdade estava bem longe disso, permanecera ávido do maravilhoso ao longo de toda sua vida, acreditando de boa fé viver nas regiões puras do mundo do espírito.
As disposições que regulam os ensinamentos da doutrina mostram até que ponto ele os considerava sagrados. A Ordem dos Professos parecia feita, mais do que para ampliá-la, para preservá-la da profanação. Se, apesar das precauções, um homem indigno chegasse ao templo, ele era expulso às pressas. Para isso, longe de despertar sua curiosidade, fazia-se um esforço para cansá-lo. Ele não teria permissão para avançar em graus nem em conhecimento, as datas das conferências seriam alteradas e ele não seria avisado sobre elas. Assim, ele seria sutilmente repelido e excluído de fato "sem necessidade de impedi-lo".
Poder-se-ia acreditar que, perseguindo um objetivo tão elevado, tendo uma ideia tão elevada da vocação a que se destinava a sua Ordem, tendo estabelecido regras tão sábias quanto severas, Jean Baptiste Willermoz teria tido bastante dificuldade em encontrar modelos de todas as virtudes civis e maçônicas em cristãos fervorosos e livres de preconceitos, além de dóceis e resolutos, enfim os “autênticos homens de desejo” que podiam se tornar Professos. Mas não é bem assim, ou porque os Cavaleiros Benfeitores tinham as qualidades necessárias ou porque confiava em alguns deles, sete Colégios de Grandes Professos foram instituídos entre as principais lojas escocesas que aderiram às condições do Convento de Lyon. Na França, na Itália e até na Alemanha, a Classe Secreta contava com sessenta membros em 1782.
O primeiro Colégio de Grande Professos, em data e importância, foi o Colégio Metropolitano de Lyon, contando com onze membros em 1778, época de sua fundação, e vinte membros em 1781. Gaspard de Savaron era seu presidente, Jean Paganucci era o censor e Willermoz era o Depositário, tendo como substituto o fiel Perisse-Duluc. Depois vieram os dignitários do Colégio Escocês e entre eles a maioria dos que faziam parte do Templo dos Filósofos Elus Cohen de Lyon; Lambert de Lissieux, Barbier de Lescoët, Sellonf, o Dr. Willermoz, Henry de Cordon, Jean-Marie Bruyzet, Antoine Willermoz, o Decano de Castellas e Jean-Paul Braun. Havia também alguns recém-chegados, recentemente admitidos como Cavaleiros Benfeitores: Jean-Pierre Molière, Pierre Bruyzet, Alexandre de Monspey, Antoine Sabot de Pizay, Bernard de Rully, Claude de Rachais e Jacques Millanois. As datas de admissão dos mesmos ao número de Grandes Professos revela que para eles a permanência nos graus simbólicos e interior deve ter sido muito curta ou, quem sabe, inexistente.
Estrasburgo reunia cinco Grandes Professos: Jean de Turkheim era o Presidente e Rodolphe Saltzman o Depositário. Turim, na VIII Província, também tinha um Colégio. Willermoz havia sem dúvida aproveitado a passagem dos Irmãos italianos em 1779 e 1780 para iniciá-los na Ordem Secreta, ao mesmo tempo que ocorriam as decisões do Convento das Gálias. O Depositário, que em cada Colégio representava claramente aquele em quem Willermoz confiava, era o Dr. Sebastian Giraud.
Em Chambery, quatro dos mais antigos Irmãos de "A Sinceridade", desde 1779, haviam sido admitidos entre os Professos. O Presidente era Hipolyte Deville e o Depositário Marc Revoire. O que é fácil de se explicar porque este último já era um Cohen. Os outros dois eram Joseph de Maistre e Jean-Baptiste de Salteur.
O Colégio de Grenoble compreendia o Comendador de Savye, Yves Giroud como Depositário, Joseph Prunelle de Liére Censor, André Faure e Francois-Henry de Virieu. Todos haviam sido recepcionados em 1779, o mesmo ano em que sua loja "A Beneficência" havia sido retificada pelo Diretório de Lyon.
Montpellier possuía um Colégio de cinco membros, com Guillaume Castaing de la Devéze como Presidente e Antoine Castillon como Depositário.
Nápoles também tinha seus Professos. Diego Naselli, seu Presidente, havia sido iniciado ao mesmo tempo que seu compatriota, Joseph Pepe, quando passaram por Lyon em 1780.
Em Autun, havia dois membros da classe secreta, Jean-Alexandre de Scorailles e Antoine Le Seure, mas esse número era insuficiente para formar um Colégio.
Por fim, mas não menos importantes, alguns alemães vieram em 1780 para completar a sociedade. Entre eles estavam Charles, príncipe de Hesse Cassel, Charles de Waechter, o Barão de Plessen, Haugwitz e Ferdinand de Brunswick-Lunebourg, que, devido à sua eminente dignidade como Grão-Mestre da Ordem Retificada, foi colocado no topo das listas oficiais.
Se compararmos o quadro composto em 1782 com a lista de assinaturas de Professos recepcionados de dezembro de 1778 a novembro de 1781 constata-se que vários dos que tinham sido recebidos ao primeiro grau não foram admitidos mais tarde. Antoine Prost de Royer, Ludovic Bayerle, Duperret, Boyer de Rouquet figuram neste caso. Tinham estado entre os primeiros membros fundadores da Classe Secreta. Mas é bem evidente que haviam sido eleitos, sobretudo por oportunismo, do que por alguma das excelentes razões de aptidão e de mérito pessoal que eram a regra no recrutamento desse círculo místico. Jean-Baptiste Willermoz reservava-se o direito de manipular livremente os regulamentos, dos quais era o autor, não tendo já necessidade desses Irmãos, não se preocupou em levá-los adiante em seus pensamentos e projetos.
Faltam-nos os cadernos utilizados para a instrução dos Professos. Tudo o que nos resta do plano de instruções consiste em algumas páginas, ainda assim incompletas. Uma coisa é certa: a doutrina dos Professos não é, de forma alguma, original; ela é extraída diretamente dos ensinamentos de Pasqually. Ao ensinamento de seu mestre, Willermoz fez apenas um acréscimo: A engenhosa filiação que faz remontar aos filhos de Noé a origem das iniciações secretas, a qual forma a lenda do grau da Profissão; no entanto, mesmo isso, era somente um desenvolvimento de uma das teses de seu mestre, não sendo uma adição original. O trabalho efetuado nas conferências do Templo dos Elus Cohen em Lyon, as instruções compostas para os Professos, eram o resultado dos esforços que Willermoz havia realizado durante muitos anos para compreender a Doutrina da Reintegração e também para concilia-la, tanto quanto possível, com a ortodoxia católica.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Aqui se confirma o que anteriormente já tínhamos dito; Willermoz não apenas seguiu a doutrina de seu mestre, ele a atualizou e a protegeu (ou ao menos tentou faze-lo) dentro do Regime Retificado. Há algo para se observar sobre a razão dele se esforçar em conciliar tal doutrina à ortodoxia católica ao invés de concilia-la ao pensamento protestante predominante dentro da ordem na época (os nobres ligados a Estrita Observância na época eram de maioria protestante), no entanto trataremos disso no futuro.]
Assim como o Cohen, o Professo aprendia que Deus é uno, trino e quádruplo, segundo se considere sua potência ou sua natureza; que o mundo físico foi criado após a revolta dos espíritos perversos para ser deles uma prisão; que a matéria é de essência trinitária e é formada pela combinação de três elementos: sal, enxofre e mercúrio. Que toda matéria será finalmente reabsorvida levando ao desaparecimentos de todos os seres do mundo mineral, vegetal e animal; que todos os seres são divididos em quatro classes, cada vez mais afastadas do centro divino, conforme sua missão seja mais temporária e sua forma mais material; que é preciso distinguir entre os seres que seriam emanados, que seriam instrumentos passivos da vontade divina, e os que seriam emancipados e gozariam de livre arbítrio, finalmente, que duas forças antagônicas (bem e mal) estariam em ação universo.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Em futuro breve faremos uma postagem demonstrado as absurdidades da crença Cohen se comparada com o clássico magistério cristão. Mas nesse momento especifico chamamos atenção para a questão dos três elementos na criação, razão pela qual o candidato é submetido a prova com apenas três elementos (ao invés de quatro) durante a recepção no primeiro grau.]
A história do destino do homem tinha um lugar importante na iniciação. Sua narrativa seguia o mesmo esquema de Pasqually no longo desenvolvimento de seu tratado, mas de uma maneira mais clara e mais audaz no que tange a certos pontos delicados. Willermoz ensina que o homem foi criado à imagem de Deus; superior a toda natureza espiritual, temporal e material, além de poderoso (em toda acepção do termo) para ser “um meio reconciliador para o princípio do mal”, mas que falhou em sua tarefa, sendo punido pela sua prevaricação com a morte. Morte espiritual, felizmente. Após a sua queda, ele se tornou um ser passivo e "monstruoso" devido à aliança anormal do espiritual e do material que constitui sua natureza degradada. “Seu crime é a fonte de todos os males que afligem a humanidade.”. O homem tem apenas uma tarefa: reconciliar. Esta tarefa não é impossível, em princípio, porque “Adão recebeu uma ajuda muito poderosa” e porque a obra de Cristo “Divino Reparador Universal” e seu ensinamento - cujo significado secreto só foi conhecido pelos seus discípulos - abre caminho para nós e nos promete sucesso em tal empreendimento. Os emblemas maçônicos são trazidos de volta a essa mística devendo ser interpretados por meio dela. O Templo de Salomão, após os misteriosos planos recebidos de Davi e executados por Salomão com a ajuda de Hiram e dos primeiros maçons, foi construído à imagem do homem e do universo. Estudar os símbolos do Templo é estudar um e outro. Alguns elementos da aritmosofia, o sentido dos números 3, 6 e 9 por exemplo, e do número 4 (divino) completavam a instrução do Grande Professo.
Willermoz ao compor a doutrina dos Professos, estava apenas repetindo, de uma forma mais condensada, suas antigas convicções; tampouco teve algum escrúpulo em empregar o vocabulário e as expressões típicas de seu finado mestre. No entanto, ele não transmitiu o ensinamento de Pasqually por completo. Ele distinguia duas partes em seu conhecimento secreto: uma “histórica e teosófica" da qual ele havia feito “um resumo preciso” para uso de seu grau de Professos, a outra contendo noções sobre “classes de seres espirituais” e “planos de operações” que ele não acreditava ter o direito de dispor.
Tanto a geografia como a cosmografia mística do universo singular de Pasqually, assim como a parte prática, as orações, as operações teúrgica e todos os sistemas de interpretação, números, hieróglifos e caracteres que permitiam a compreensão dos “passes”, não eram ensinados por completo na terceira classe. O Professo aprendia apenas a teoria acerca da história do mundo e do homem, ao contrário de um Cohen que teria a oportunidade de se comunicar com seres espirituais, intermediários do Divino, e atuar misteriosamente na imensidão do universo.
Willermoz dava mais valor à prática do que à teoria. É por isso que designa o ensino da classe dos Professos sob o nome de "ciência religiosa", evitando a expressão "culto verdadeiro" ou "culto divino" (ambas utilizadas pelos discípulos de Pasqually). Assim distinguia com certa sutilidade o segredo dos Professos do segredo dos Cohen, podendo persuadir a si mesmo que não havia traído este último, posto que só comunicava aos seus discípulos a primeira parte. Por tal motivo, dizia aos Professos debutantes que o ensino que iriam receber servia-lhes apenas para inflamar sua imaginação e encantar sua curiosidade, sendo um método de vida espiritual contemplativo; enquanto que na verdade ele preludiava toda a magia cerimonial de Dom Martinez de Pasqually.
Estando, portanto, em ordem com sua consciência para poder ensinar a verdade, Willermoz decidia o avanço dos Professos na ciência uma vez que sabia de sua conduta e suas disposições. Em Lyon, a sua presença assegurava o bom andamento dos trabalhos do Colégio. Nas outras cidades mantinha correspondência pessoal com os discípulos mais interessantes.
O círculo de Chambery, em meio a um grupo harmonioso de alunos confiáveis e dóceis, trouxe uma nota discordante. Os saboyardos estavam, depois de 1774, em contínua relação com o Diretório de Lyon. Eram muito ávidos por instrução e desejavam ardentemente possuir documentos que explicassem o objetivo da maçonaria. Sua capacidade de distinguir nos documentos oficiais enviados pelo Grande Capítulo aquilo que era falso e inútil tinha em Antoine Willermoz um interlocutor. poder-se-ia pensar que esses exigentes irmãos haviam acolhido com alegria a reforma de Lyon e a instituição da Classe dos Professos que substituia com uma teosofia ambiciosa as pitorescas lendas acerca da Ordem Templária. Com efeito, o irmão a. Floribus, Joseph de Maistre, logo foi seduzido pelo alimento mais substancial que essas novidades pareciam oferecer à sua curiosidade. Em 1779 ele foi a Lyon para instruir-se e fazer-se receber com seus amigos. Mas ao estudar as instruções recebidas, elas lhe pareceram muito arbitrárias, faltando-lhes clareza. Em junho de 1779, ele encarregou o irmão Revoire de ir a Lyon, levando um grupo de questões a ser esclarecidas pelo Colégio Metropolitano.
Willermoz respondeu-lhe muito rápido, mas de forma muito fria. Recusava-se a explicar as origens da sua doutrina secreta e declarava que, para provar o seu verdadeiro valor, não era necessário senão assinalar como era harmoniosa e satisfatória. Isto era justamente o que Joseph de Maistre não aceitava. A doutrina não lhe parecia de todo coerente e ele comunicou isso a seu instrutor Lyones. Suas objeções, lógicas e espirituais, conduziam sobretudo para o dogma que ensinava que o homem devia manter distância dos espíritos perversos. Nesse caso, ele comparou o plano divino às "decisões de um almirante imbecil que, em vez de ir abater seus inimigos com seu grande navio, envia-lhes pequenos barcos para se divertir e ser derrotado". Exigiu então que seus escrúpulos fossem aplacados, e que seus questionamentos fossem esclarecidos, pedindo a Willermoz que viesse, ele mesmo, expor os pontos mais difíceis do ensinamento secreto.
Willermoz não se preocupou. Mandou escrever a Gaspard de Savaron que os saboiardos deveriam primeiro vir a Lyon para trabalhar com os seus Irmãos e neles encontrar inspiração. Em 15 de julho de 1780 Joseph de Maistre enviou um novo questionário a Willermoz. Provocando desta vez o mau humor de Willermoz, porém um pouco tarde, pois a carta que conhecemos é de 3 de dezembro. Willermoz não respondeu a nenhum dos questionamentos de Joseph de Maistre, limitando-se a condenar o espírito detestável que esse demonstrava. Recordou a Joseph de Maistre que a escola dos Professos não era uma escola de livre discussão; seu objetivo era se instruir para acreditar, mas o círculo de Chambery estava se instruindo para duvidar. A falha principal dos irmãos de Sabóia vinha, segundo Willermoz, de trabalharem muito com a razão e pouco com o coração; e quanto a Joseph de Maistre, sua falha provinha de sua falta de preparação e de sua ignorância. Ele não estava suficientemente maduro nem suficientemente instruído para provar o Fruto da Sabedoria.
Após esta diatribe, não há mais vestígios de relações íntimas entre Willermoz e o Conde de Maistre. Era uma oportunidade para os lyoneses colocarem em prática as disposições dos estatutos que permitiam que um discípulo fosse excluído da Ordem sem ter que ser avisado. Talvez tenha sido isso que levou o irmão a Floribus, cujo espírito crítico estava bem agitado, a uma sociedade onde todos tinham que pensar e agir de acordo com as instruções de apenas um dos membros.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: O que foi narrado acima mostra um pouco mais sobre a personalidade controladora de Jean-Baptiste Willermoz e sobre a forma sectária e intransigente com a qual ele conduzia (ou tentava conduzir) o Regime a qual dera origem; em mais de um momento ele demonstrou não aceitar pensamento critico, objeções ou antagonismo por parte de seus irmãos (que ele as vezes parecia ter como discípulos). As exceções a isso só se faziam notar quando essas oposições surgiam da parte de membros mais proeminentes da Ordem, smj.]
Os Colégios de Montpellier e os da Itália não têm história, pelo menos até que algum documento de seus arquivos seja publicado.
O Colégio de Estrasburgo estava muito distante de Lyon, em uma época em que as distâncias físicas ainda tinham todo o seu significado, o que dificultava que seus membros mantivessem um contato próximo com Jean-Baptiste Willermoz. No entanto, eles mereciam a confiança que ele continuava a lhes dar; eram maçons sérios e fervorosos cristãos. Saltzman, Jean de Turkheim e seu irmão Bernard estavam ansiosos para receber as revelações mais secretas de seu mentor de Lyon.
Temos informações mais detalhadas sobre a vida do Colégio de Grenoble. As cartas do Conde de Virieu, assim como as de Giroud e Prunelle de Lière, mostram que uma colaboração íntima se estabeleceu rapidamente entre o Colégio Metropolitano e sua filial no Dauphiné. A Circulis, que também era um professo convicto, demonstrava um entusiasmo contagiante. Em 1780, ele escreveu a Willermoz: "Eu o reconheço como meu mestre em todos os sentidos, e esta admissão agrada ao meu coração sem ferir meu orgulho." Pode-se supor que o Depositário dos Professos valorizou adequadamente esse gesto de deferência, vindo de um de seus discípulos mais destacados. De qualquer forma, em 1782, ele o recomendou a Claude de Saint-Martin como alguém que possuía todas as qualidades de um verdadeiro "homem de desejo".
Léonard Prunelle de Lière, outro Grande Professo de Grenoble, também proporcionava grande satisfação ao seu diretor espiritual. Se Virieu se destacava pela atividade, Prunelle o superava em fervor. A doutrina que lhe ensinavam parecia tão importante para ele que as questões de administração maçônica pareciam tediosas e de pouco interesse. Ele achava as dignidades e cargos com os quais tinha sido investido pesados. Seu desejo de ser deixado sozinho, a necessidade de recolhimento que ele expressava, sugere que ele era inclinado para a vida contemplativa e lembra os desejos semelhantes que Saint-Martin frequentemente expressava.
Prunelle de Lière não ia tão longe a ponto de desejar a visão beatífica e a união com Deus. Seguindo o método peculiar que Willermoz lhe transmitira, sua "atenção contínua" se voltava mais modestamente para os "seres benéficos", intermediários celestiais. Isso era mais do que suficiente para que sua ambição interior fosse intensa e se expressasse em termos emotivos.
Ele não criticava de forma alguma o objetivo ideal que seu mestre propunha a seus esforços, mas sentia quão difícil era verdadeiramente se desvincular de todas as coisas sensíveis e materiais para fazer renascer dentro de si o Homem-Deus primordial. O sentimento de sua impotência o oprimia: "Eu me assemelho a uma criança sem experiência; meus sentidos espirituais são tão fracos que eu tenho apenas um sentimento obscuro do estado abjeto e miserável no qual estou mergulhado. Um ser infinito é um escravo voluntário na prisão mais estreita e vergonhosa; mesmo tendo amigos e meios para sair dela, ele se acostuma tanto com suas correntes e com tudo o que pertence ao sombrio lugar onde está confinado que, mesmo quando deseja os verdadeiros bens, ele sente muito menos a privação destes do que a perda dos bens sensíveis. Esse ser infeliz, meu caro irmão, sou eu mesmo. Essas reflexões me fazem sentir uma verdadeira tristeza, mas quão abaixo está desse sentimento doloroso e ao mesmo tempo reconfortante porque é justo, que se aplica tão bem a uma inteligência que vive no sensível, especialmente a um homem tão culpado quanto eu fui. Quando poderei atingir esse sentimento a partir do lodo sobre o qual me esforço para me elevar?"
Os erros do místico dependem da sua avaliação; a sua gravidade vem, sem dúvida, da comparação que ele faz com o ideal que ele se propõe. Não sei qual era a natureza do lodo sobre o qual Prunelle de Lière tentava flutuar, mas ele tinha humildade e fé suficientes para ser um discípulo que estava de acordo com o coração de Jean-Baptiste Willermoz. Na verdade, ele foi um dos Grandes Professos mais intimamente envolvidos nos assuntos da Ordem e mais bem informados sobre toda a extensão da doutrina e sua complexidade. Ele podia recomendar, com pleno conhecimento de causa, seu progresso espiritual aos perfumes simbólicos que Willermoz queimava no altar cerimonial dos Réau-Croix.
Na verdade, Willermoz não se contentou em apenas expor e desenvolver suas teorias teosóficas e sua interpretação original da Bíblia e do Novo Testamento aos mais dignos dos Cavaleiros Benfeitores. Embora ele tivesse uma grande preocupação em preservar suas prerrogativas como diretor, estava convencido da importância de sua fé secreta para recusar revelá-la a indivíduos que ele considerava capazes de compreendê-la e praticá-la. Ele selecionou entre seus Professos os mais dignos e os introduziu na Ordem dos Cavaleiros Eleitos Cohens, graduando assim a revelação do mistério por meio das iniciações em três sociedades cada vez mais secretas.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Willermoz foi uma espécie de Oliver Cowdery por um tempo para depois tornar-se, ele mesmo, uma espécie de Joseph Smith]
Eu não tenho certeza se, ao fazer isso, ele agiu por sua própria autoridade ou se pediu alguma autorização a de Serre, d'Hauterive ou a Claude de Saint-Martin. Naquela época, cada Réau-Croix parecia desfrutar de grande liberdade. Desde que a associação dispensou o Grão-Mestre Soberano, os membros usavam livremente o direito de formar discípulos. Eles não estavam mais unidos apenas pelos laços de sua comunidade de doutrina e culto e pela memória de seu falecido mestre.
Eles apoiavam, com sua caridade, o Abade Fournié. Willermoz recebia dele notícias sobre a família de Pasqually. A viúva do mago havia se casado com o capitão de navio de Olabaratt, que era considerado "a pérola dos maridos". No entanto, mesmo que tudo estivesse bem do lado dela, não era o mesmo para seu filho; Jean-Anselme Pasqually estava causando mil preocupações àqueles encarregados de sua criação ou que, por diversos motivos, tinham esperanças em seu futuro espiritual. Ele não aprendia nada nas escolas onde o colocavam, apenas "libertinagem" e "dissipação extrema". Era evidente que somente a intervenção de Deus faria dele o "sábio sucessor de nosso Grande Superior".
Os Irmãos que se tornaram Cohens provavelmente não foram informados sobre os aspectos decepcionantes da história da Ordem. Podemos confiar em Willermoz para acreditar que ele traçou um retrato ideal de Pasqually, conforme o que se poderia esperar de um mago inspirado e que se adequasse perfeitamente à edificação de novos adeptos.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: É inegável que Pasqually, ao apresentar seu filho Jean-Anselme Pasqually como 'uma grande luz vindoura', mais uma vez explorou a credulidade de seus discípulos para benefício próprio. Esse fenômeno não é único na história, como demonstrado, por exemplo, por Annie Besant, que apresentou ao mundo o 'novo messias' na forma de um jovem hindu, Krishnamurti. O que se torna desafiador é compreender por que um homem inteligente como Jean-Baptiste Willermoz se deixou convencer por um manipulador desses e, diante das evidências que surgiram ao longo dos anos sobre a falsidade de seu mestre, optou por ocultar essas mentiras a fim de propagar um ensinamento que, no mínimo, deveria ser tratado com sérias dúvidas.]
Sempre convencido da importância sagrada do culto secreto que praticava há mais de dez anos, Willermoz permanecia fiel às suas responsabilidades na Réau-Croix. Não precisamos nos perguntar muito se ele finalmente estava satisfeito com seus esforços, se ele estava alcançando "a Coisa". Acreditemos nele quando afirma, de maneira vaga e modesta, que a prática das operações lhe proporcionava "de tempos em tempos alguns resultados bastante satisfatórios, a ponto de desejar ardentemente todos os meios que possam me ajudar a obtê-los mais abundantemente". Isso não é muito se gabar. A falta de certeza e a esperança que ele expressa nos levariam a supor que os seres espirituais celestiais ainda não estavam favorecendo-o muito com suas influências e mensagens.
De qualquer forma, o culto teúrgico persistia entre os Cohens antigos e novos com toda a complexidade que seu inventor lhe havia conferido. Os documentos de Prunelle de Lière, que estão na biblioteca de Grenoble, fornecem uma prova evidente e pitoresca desse fato. O Irmão Tribus Oculis, admitido na ordem de Pasqually, conservou alguns dos documentos oficiais que lhe foram confiados para auxiliá-lo na prática das cerimônias. Graças a ele, podemos folhear, juntamente com os "Quadros Filosóficos", que fornecem modelos de círculos de Operações, desde os mais simples até os mais complexos, um caderno de caracteres e hieróglifos classificados de acordo com as letras do alfabeto, cuja complexidade é fascinante. Cada letra ocupa quatro páginas grandes regularmente subdivididas em pequenos quadrados: duas páginas contêm os caracteres e as outras duas páginas, os hieróglifos. Ambos são agrupados de acordo com suas formas com várias denominações. Naturalmente, os hieróglifos são mais peculiares do que os caracteres. Alguns consistem em simples linhas, setas, círculos, curvas ou bastões; outros são pequenos desenhos barrocos representando seres humanos, animais, a lua, o sol ou estrelas. Os nomes também são muito variados, incluindo caracteres hebraicos, egípcios, fenícios, tártaros, noaquitas, japoneses, árabes, entre outros. Alguns são chamados de saturninos, lunares, da rainha de Sabá, de Paulo ou Saul, do profeta Daniel, de Santo Agostinho, da operação do Demônio, da operação de Leviatã, da operação dos reis magos, e assim por diante.
Outro caderno inclui a "Tabela alfabética dos 2.400 nomes", com cem nomes para cada letra do alfabeto, juntamente com seu valor cabalístico, assim como uma lista de nomes de Patriarcas, Profetas e Apóstolos, verificados nos alfabetos cabalísticos "para conhecer suas virtudes e poderes". Além disso, há um quadro das "28 casas da Lua ou locais diversos que devem ser observados para posicionar a imagem da Lua nos 28 círculos de operações dos vinte e oito dias". Essas informações eram complementadas por uma receita de óleo de unção e um resumo dos hieróglifos que representam os planetas, anjos e elementos do universo Cohen, juntamente com algumas classificações de nomes e números.
Ao examinar esses cadernos curiosos, é impressionante perceber até que ponto essa tentativa de classificação de toda a misteriosa fantasmagoria do mundo, segundo Pasqually, chegou em termos de minúcia. Compreendemos também por que, em outubro de 1774, após vários anos de estudo dedicados a essa ciência à qual dedicou sua vida, Claude de Saint-Martin declarou estar extremamente confuso ao interpretar os "traços globulosos e sensações" das influências que o favoreciam. Duas esboços do Quadro Universal, juntamente com exercícios de cálculo cabalístico, mostram que Prunelle de Lière praticou, por conta própria, esse trabalho desafiador. Seus documentos também incluem um caderno de desenhos que oferece um testemunho excelente de suas preocupações e da forma fantástica que o ensinamento oculto, ministrado por Willermoz, assumia.
Esse trecho descreve desenhos e representações encontradas nos cadernos relacionados ao culto teúrgico de Pasqually. Os desenhos incluem triângulos, círculos, crescentes, estrelas, pontos, números, letras e hieróglifos, todos orientados de acordo com os pontos cardeais. Eles apresentam animais aproximados e fantásticos, com destaque para serpentes, representações desajeitadas de homens e mulheres que se assemelham aos desenhos de uma criança com habilidades artísticas limitadas, além de figuras do sol e da lua. Esses desenhos estão sobrepostos a um fundo rabiscado que pretende representar o ar, a água ou o fogo, abaixo dos rostos angelicais com longas asas de serafins, do olho divino e do nome inefável do Altíssimo. Alguns desses desenhos evocam eventos dramáticos que, embora ocorram em um mundo espiritual, são simbolizados de maneira grosseira devido à imperfeição do desenho e a uma inspiração ingênua que às vezes beira a obscenidade. Outros desenhos, mais tranquilos, talvez expressem doçura e beatitude se não fosse pela deficiência artística de seu autor. Quanto a outros desenhos, não se pode dizer nada porque são muito complexos e repletos de hieróglifos e caracteres enigmáticos. Não há dúvida de que esses desenhos parecem ilustrar as peripécias do drama da queda do homem e de sua reintegração, conforme se desenrolava no mundo e no estranho cenário dos círculos operatórios de Don Martinès. Eles representam a história de Adão, a luta eterna entre o bem e o mal, o material e o espiritual, dos quais a alma do homem é o alvo, assim como o destino do universo criado. Todos os desenhos são numerados. Pode-se procurar uma progressão lógica neles? Talvez. No entanto, não é a única questão levantada pelo pequeno caderno da biblioteca de Grenoble. A principal pergunta que surge é a sua data. Nada permite saber em que momento da história desses ocultistas ele pertence; não se sabe se deve ser atribuído a Don Martinès ou à imaginação, ao mesmo tempo precisa e delirante, de um discípulo sobrecarregado.
[Nota do Blog Primeiro Discípulo: Devemos observar que complexidade não implica em veracidade. Por exemplo, quando nos deparamos com a complexa descrição da Terra Média de Tolkien, ficamos maravilhados com os ricos detalhes apresentados. No entanto, a Terra Média não adquire existência real devido a isso. Outro bom exemplo é a visão do 'Egito Esotérico' que filósofos e alquimistas europeus sonhavam durante a Idade Média, baseados em desenhos ilegíveis que, em suas mentes mágicas, escondiam revelações divinas. Foi somente em 1799 que a descoberta da Pedra de Roseta dissipou as fantasias infantis de muitos 'teóricos' alquimistas e esotéricos que, por muito tempo, alimentaram as mais absurdas fantasias, próprias e alheias, enquanto lucravam com elas.]
Prunelle de Lière não é uma exceção entre os Professos. Willermoz também confiou o alcance de seus conhecimentos secretos, "nosso conjunto", como disse Saint-Martin, a vários de seus discípulos. No entanto, não sabemos até que ponto cada um desses “super iniciados” avançou em seu aprendizado. Temos falta de documentos precisos sobre esse ponto. No entanto, parece certo que, junto com Prunelle de Lière, de Virieu e Giroud em Grenoble, em Strasbourg, Saltzman e os Turkheim, o Dr. Giraud em Turim estavam entre aqueles que estavam intimamente ligados a Willermoz e receberam os livros secretos nos quais os Cohens basearam seu culto. Em Lyon, o Cavaleiro de Monspey e o advogado Jean-Jacques Millanois também foram admitidos no santuário interior. Este último não era um novato nas lojas de Willermoz; em 1774, ele havia começado a aprender a Maçonaria Templária, que estava em seus estágios iniciais na época, mas, em 10 de outubro do mesmo ano, ele se afastou dela, alegando razões particulares e secretas para recusar o grau de Escocês Verde. Após a reforma do Convento das Galias, ele foi novamente atraído pela atividade da Beneficência e, desta vez, permaneceu. Ele se tornou um Profès dedicado. Alexandre de Monspey também parece ter sido, desde o início de seus estudos nas ciências místicas, um dos Cohens altamente talentosos; seus trabalhos e descobertas em aritmosofia até parecem ter ultrapassado a compreensão de seu instrutor.
Claude de Saint-Martin expressava surpresa, nesse contexto, pelo fato de Willermoz ter escolhido o erudito Court de Gebelin como árbitro dessas questões. Court de Gebelin era bem versado na Maçonaria, mas sabia pouco sobre a doutrina de Pasqually. A surpresa que ele demonstra parece ser um tanto irônica. Talvez ele tivesse uma opinião muito alta das habilidades de Willermoz e de sua capacidade de julgamento. Em qualquer caso, naquela época, os dois homens estavam em perfeito acordo. Certamente, a experiência que Saint-Martin havia adquirido com a sensibilidade e o orgulho meticuloso dos habitantes de Lyon o levava a evitar assuntos perigosos relacionados às pessoas e coisas de sua fé comum. Em suas cartas, ele agia com grande cuidado e evitava expressar sua opinião. Por exemplo, ele evitava fazer qualquer menção aos graus da Profissão. No entanto, é certo que ele não estava alheio à existência da classe secreta, uma vez que Willermoz lhe falava sobre as virtudes de seus novos seguidores e ele mesmo se correspondia com alguns deles. Ele havia estabelecido uma regra de conduta para esses casos, que ele compartilhou com Willermoz para que ele pudesse apreciar seus esforços de tolerância, cortesia e boa vontade: "Eu sinto dentro de mim tudo o que é necessário para cumprir seus propósitos: o desejo de não obstruir seu progresso, a atenção mais escrupulosa em me mostrar, tanto quanto possível, ao seu nível; a justiça de deixar que você tenha a glória de ter me moldado... Apesar de todos esses motivos e embora seja aceito entre nós, e até mesmo que meu plano seja estabelecer uma pequena escola em Paris, eu aviso de antemão que não permitirei que isso aconteça sem a sua aprovação."
Ele demonstra um respeito bastante desdenhoso em relação às ações do Mestre d'Hauterive. Parece que este último estava muito agitado durante o ano de 1781. Ele corria de Toulouse para Orléans e Paris, em busca de paz de espírito que lhe escapava. Também estava incomodado com a atividade literária de Saint-Martin. No entanto, Saint-Martin se importava pouco com o que seu colega pensava e não reconhecia nenhuma autoridade sobre os assuntos de sua vida espiritual; ele só concordaria em colaborar com ele "na medida em que isso não atrapalhasse seu plano". "Sabendo por experiência que o objetivo para o qual ele direciona seu barco é misto, enquanto o meu é simples como a verdade e sempre será, se Deus permitir que eu mantenha as intenções que ele me deu. Portanto, o amigo de Hauterive pode remar se quiser, e eu ficarei feliz com isso; mas nunca lhe confiarei o leme do governo."
Nessa época, a publicação de seu "segundo filho" o mantinha ocupado. O trabalho, intitulado "Tableau naturel des rapports qui existent entre Dieu, l'homme et l'univers," estava programado para ser lançado em 1782. Willermoz gentilmente intermediava para fornecer recomendações e enviar os pacotes de provas para o impressor Périsse Duluc, a quem Saint-Martin, em seu estilo expressivo, chamava carinhosamente de "a ama-de-leite". Ele se esforçava para preservar o mistério de um pseudônimo, ao qual o autor desejava manter todo o seu significado. Saint-Martin acreditava que somente um anonimato absoluto poderia garantir a tranquilidade e a liberdade de ação que ele valorizava. Em suas obras, ele gostava de disfarçar seus pensamentos com expressões ambíguas e símbolos obscuros, assim como na vida, onde escondia seu verdadeiro rosto. Ele queria transmitir a impressão de ser "um homem leve, agradável e de pouca substância, já que eu toco violino". Entre Willermoz e ele, nesse período, graças à sensibilidade de um e aos bons serviços do outro, não havia mais discussões ou ressentimentos.
Em maio de 1781, o Visconde de Tavannes, um membro da sociedade secreta Philalèthe, que também tinha sido instruído e admitido na Ordem Cohen por d'Hauterive, chegou a Lyon, anunciado a Willermoz por Claude de Saint-Martin. Ele viajava na companhia de Court de Gebelin. O pobre homem estava doente, instável, ansioso e neurastênico, para usar uma linguagem contemporânea. Saint-Martin atribuía seu estado não apenas à perda de sua esposa e ao esgotamento causado por sua doença anterior, mas também "ao conflito que várias pessoas, com sistemas opostos, travaram em sua mente já sobrecarregada, lançando-o em uma situação incerta ao tirar o pouco apoio que ele poderia ter encontrado em cada uma delas". O Visconde viajava em busca de esquecimento, para colocar ordem em suas ideias e razão em sua conduta antes de se juntar novamente ao seu regimento. No entanto, dada a sua jornada a Lyon para se encontrar com o Irmão Tieman e conhecer Willermoz, e sua escolha de Court de Gebelin como companheiro, podemos questionar se a sua busca por distração estava sendo conduzida de maneira saudável. Saint-Martin, no entanto, estava fazendo o seu melhor para assegurar que a visita fosse eficaz, explicando ao seu colega em Lyon todas as boas razões para não compartilhar assuntos sérios com esse doente, que ele considerava "muito limitado em sua medida", mesmo quando estava saudável.
Este fato é muito significativo. Ele revela os bons relacionamentos que existiam naquela época entre os entusiastas do mistério e a paz que reinava no pequeno mundo do iluminismo francês. No entanto, todos esses iniciados tinham objetivos distintos. A diferença entre eles era significativa, mesmo quando se tratava daqueles que eram atraídos para o ocultismo por mera curiosidade desprovida de qualquer desejo de ganho material. A diversidade de personalidades dessas pessoas era notável: Duchanteau, ambíguo e excêntrico, perdido em vícios e apaixonado pela ciência hebraica; Court de Gebelin, compilador eclético de ciências secretas; Savalette de Lange, equilibrando ligações frívolas com uma curiosidade insaciável por segredos misteriosos; Saint-Martin, escondendo seu gosto pela contemplação sob uma aparência de vida mundana; e os devotos Cohens de Lyon, dedicados tanto aos seus negócios como às suas carreiras místicas. No entanto, havia laços que uniam essas personalidades díspares. Primeiramente, era o fascínio que os impelia a estudar as ciências ocultas. Em seguida, era a crença de que a natureza do homem e do mundo eram um emaranhado de símbolos estreitamente interligados, onde se podia decifrar e compreender a essência de Deus. Todos eles consideravam a Bíblia como o tema central de suas pesquisas. Eles eram, de certa forma, herdeiros da filosofia científica e mística do Renascimento.
Entre eles, Willermoz estava se tornando cada vez mais uma figura importante. Sua reputação ultrapassava o círculo restrito de sua cidade. Ocultistas franceses e estrangeiros vinham até ele, curiosos para conhecê-lo e aprender com sua escola. Ninguém ainda se incomodava com sua atividade organizadora. Sob o triplo selo de um segredo bem guardado, seus Colégios de Professos permaneciam relativamente desconhecidos. No entanto, ao contrário de seu amigo Saint-Martin, o residente de Lyon não tentava se fazer passar por alguém de espírito superficial. O Barão de Gleichen, um alemão curioso que circulava pelas sociedades secretas da França e da Alemanha, julgou naquela época que os relacionamentos de Willermoz eram mais agradáveis do que os de Saint-Martin, possuindo "mais unção, amabilidade e franqueza, pelo menos aparentemente". Ele acrescenta que Willermoz era "estimado por todos por suas qualidades e adorado por seus discípulos devido às suas maneiras calorosas, amigáveis e cativantes".
A bela imagem, reproduzida por M. Dermenghen na edição dos "Sommeils," mostra um rosto aberto, com um sorriso espirituoso e um olhar perspicaz, o que em parte explica a sedução que o comerciante de Lyon exerceu sobre seus amigos. Um grupo fervoroso de antigos e novos discípulos o cercava e o seguia com admiração respeitosa. Ele era, no verdadeiro sentido da palavra, o mestre. Enquanto suas relações com pessoas distintas, como nobres, oficiais e cônegos-condes que frequentavam sua sociedade, permaneciam bastante cerimoniais, uma intimidade profunda se estabeleceu com aqueles que vinham do mesmo meio social, a burguesia mercantil de Lyon. Os registros das paróquias da cidade mostram que os Willermoz, os Bruyzet e os Périsse frequentemente participavam das mesmas cerimônias de suas vidas familiares. Um pouco à margem desse círculo, o Cavaleiro de Grainville vivia na região de Lyon desde que se aposentara, sempre ligado em amizade a Willermoz e sua família. No entanto, a doutrina de Pasqually provavelmente era suficiente para ele naquele momento, já que ele não se envolvia nas novas fundações de seu colega Élu Cohen.
Mme Provensal tinha amigos especiais que ela reunia ao seu redor em um círculo onde expressava seu pensamento, que era mais simples e religioso do que o de seu irmão. Ela tinha pouco interesse na Maçonaria retificada, mas é provável que tenha pertencido a alguma loja de Adoção. No entanto, todos aqueles que seguiam o caminho místico e compartilhavam com ela suas meditações, esforços e segredos miraculosos da graça divina encontravam nela um apoio materno. Dela, temos uma curiosa oração, composta entre 1778 e 1782. É uma oração simples, onde ecoam as preocupações domésticas de seu lar, as preocupações dos negócios comerciais, a ansiedade pela saúde e comportamento de seu filho Jean, mas também o ardente desejo de perfeição que a impulsiona. Na oração, podemos ler o amor que ela nutre por seu irmão mais velho e o estranho sentimento de solidariedade secreta que a une a todos os Eleitos Cohens, vivos ou falecidos.
"Eu peço por uma profunda humildade, um coração ardente de contrição, um amor fervoroso por Deus e demonstrá-lo várias vezes ao longo do dia... cumprir perfeitamente nossos deveres de acordo com o nosso estado, cada um de nós em particular, sempre ter bons criados fiéis aos nossos interesses e pessoas, que não nos deixem facilmente e, acima de tudo, que sirvam a Deus." Assim, Mme Provensal orava ingenuamente por si mesma, por seu filho e por seu irmão Jean-Baptiste: "Que ele seja recompensado neste mundo e no próximo por todo o bem que me fez, que ele tenha sempre mente e coração contentes e tranquilos, que ele logo tenha uma fortuna próspera e legítima para honrar todos os seus negócios, que ele não sofra perdas e, finalmente, que em breve ele tenha os meios para se retirar do comércio e servir a Deus e fazê-lo ser bem servido por todos os seus filhos espirituais, com o culto mais puro. Que ele não tenha mais inimigos ou críticos, que ele se guie apenas pela luz do Espírito Santo, que ele rompa todos os laços que possam desagradar a Deus, e se ele não tiver a coragem para isso, que Deus os rompa por ele. E se ele estiver agindo de acordo com a lei, que todos o deixem em paz e alegria."
Não busquemos entender quais conexões o piedoso Willermoz poderia manter naquela época, apesar de sua vocação espiritual; é bastante natural que ele tenha tido algumas satisfações ou sentimentos que não fossem puramente de natureza mística. É mais interessante tentar decifrar os nomes dos Cohens que a piedosa Mme Provensal associava às suas orações. Infelizmente, ela escreveu seus nomes de forma abreviada, e algumas palavras permanecem enigmáticas para nós. No entanto, podemos ler que os Irmãos falecidos eram, em uma data indeterminada: Pasqually, Caignet de Lestère, Lambert, de Balzac, Boyet de Rouquet e um certo Jh. Prosper Val... Os vivos somavam trinta e seis, incluindo Périsse, Saint-Martin, Orsel e provavelmente a Marquesa de La Croix, que pediram especificamente por sua intercessão. Podemos ler, em ordem, os nomes de Jean-Baptiste Willermoz, Pierre-Jacques Willermoz, Antoine Willermoz, de Serre, Saint-Martin, d'Hauterive, Grainville, Champollon, os Luzignan, La Chevalerie, Pasqually pai e filho, o Padre Fournié, o Padre Rozier, Sellonf, Paganucci, Périsse Duluc, Pernon, Jean-Marie Bruyzet, Orsel, Bory (?), Jean Provensal, Eyben (?), Marc Revoire, Saltzman, Diego Nazelli, Tieman, Court de Gebelin, Plessen (?), Giraud e Henry de Virieu. Essa lista parece agrupar quase que integralmente todos aqueles que, naquela época, conheciam e praticavam o ensinamento de Don Martinès de Pasqually.
Foram anos produtivos em que Willermoz colhia os frutos de seu trabalho, graças à confiança de seus discípulos e ao respeito que os ocultistas lhe prestavam. No entanto, esses anos também foram marcados por muitas dificuldades, envolvendo escritos, cópias, resumos, arquivamentos, circulares oficiais e cartas de direção espiritual. Certamente, ele contava com a ajuda de Périsse e Paganucci, bem como de Savaron, que presidia os Professos como se fosse outro Willermoz. No entanto, o Chancelier ab Eremo estava muito comprometido com seu papel de líder, e ele valorizava muito a busca pela perfeição para depender completamente de seus amigos. Além disso, Willermoz era sócio de uma casa de comissão de sedas e o cuidado de seus negócios consumia a maior parte de seus dias. A saúde de seu irmão, o doutor, que sofria de cálculos renais, aumentava ainda mais suas preocupações. Sua vida era tão ocupada que mal lhe restava tempo durante a noite para se dedicar a seus exercícios espirituais e seu trabalho como diretor de consciência. Ele vinha equilibrando essas múltiplas responsabilidades de comerciante, líder de uma ordem maçônica, diretor espiritual e sacerdote de um culto secreto por quase trinta anos. No entanto, quando atingiu a meia-idade, começou a se sentir um pouco cansado. Uma doença o obrigou a fazer uma pausa no início de 1782. Seus correspondentes, cientes de sua fadiga, se desculpam pela possível sobrecarga de trabalho que podem lhe causar, admirando ainda mais sua energia incansável, sua capacidade de trabalho, sua paciência e sua pontualidade. Enquanto isso, sua irmã orava para que Deus lhe concedesse um merecido descanso no meio de tantas preocupações e para que "todos o deixassem em paz".
I.C.J.M.S. Que Nossa Ordem Prospere !!!
Comments